Vêm surgindo recentemente pressões, até mesmo no Congresso
norte-americano, para que a Copa de 2018 na Rússia seja boicotada
por Marcelo
Zero para 24/7 – Sociedade e Geoestratégia entre EUA e Russia
Como se
viu, na cabeça de Temer, a Rússia ainda é a "União Soviética". Mas
não é só na cabeça dele. Após quase três décadas da queda do regime comunista e
a da fragmentação da União Soviética, a Rússia ainda é vista, por alguns
setores políticos do Ocidente, como um país "perigoso", em vez de um
aliado em importante em lutas conjuntas, como a luta contra o terrorismo, por
exemplo.
Na realidade, para alguns a Guerra Fria não acabou.
A bem da verdade, a política externa norte-americana nunca abandonou completamente
Na realidade, para alguns a Guerra Fria não acabou.
A bem da verdade, a política externa norte-americana nunca abandonou completamente
essa
perspectiva belicosa e confrontacionista com a Rússia. Os motivos não têm nada
mais a ver com a antiga luta ideológica. Eles obedecem a uma disputa
geoestratégica formulada explicitamente Zbigniew Brzezinski, scholar
extremamente influente, que foi assessor presidencial para assuntos de
segurança nacional no período de 1977 a 1981.
Ele
argumenta, com razão, que a Eurásia é o eixo geoestratégico do mundo, já que
esse supercontinente, além concentrar boa parte do território e dos recursos
naturais do planeta, conecta os dois grandes polos econômicos do mundo além dos
EUA, a União Europeia e o Leste da Ásia. Para Brzezinski, é vital que os EUA
tenham o controle desse supercontinente, caso queiram permanecer como a única e
inconteste superpotência.
Pois bem,
a geoestratégia concebida por Brzezinski implicava várias ações de longo prazo
concomitantes. Em primeiro lugar, o fortalecimento da Europa unida, sob a
liderança dos EUA. Para tanto, Brzezinski já sugeria, inclusive, a celebração
de um tratado de livre comércio transatlântico, como o anunciado recentemente.
Em segundo, o fortalecimento das novas nações independentes da Ásia Central e
do Leste Europeu, que surgiram após o colapso da União Soviética, e a
consequente expansão da OTAN até a Ucrânia. Em terceiro lugar, e mais
importante, a geoestratégia de Brzezinski previa o enfraquecimento da Rússia e
o enquadramento de sua política externa nos imperativos geopolíticos dos EUA e
seus aliados.
Putin,
entretanto, inviabilizou essa estratégia de enfraquecimento e dependência da
Rússia.
Sob sua
gestão, a Rússia passou a desenvolver uma geoestratégia própria. É a da constituição
de uma "União Euroasiática", voltada para a criação de um bloco
econômico envolvendo Rússia, Bielorrússia, Cazaquistão, Quirguistão e
Tajiquistão, bem como à integração com a China e outras potências econômicas do
leste asiático. Assim, a Rússia de Putin, ao invés de se voltar para o
Ocidente, com a integração subalterna à Europa prevista por Brzezinski,
voltou-se para a Ásia Central e o Oriente, procurando contrarrestar a crescente
influência dos EUA/UE no leste europeu.
Ademais,
recentemente Putin passou a influir mais no Oriente Médio, interferindo na
desastrosa política ocidental de apoiar grupos terroristas, inclusive o Estado
Islâmico, como estratégia para derrubar o regime de Assad na Síria.
Em sua
associação ao BRICS, a Rússia de Putin aposta num mundo mais multipolar e
multilateral, o que é conveniente aos interesses do Brasil e de outros países
emergentes, mas inconveniente às pretensões do EUA de moldarem o mundo aos seus
interesses unilaterais.
Trump, o
imprevisível, até que ensaiou ter uma relação mais pragmática com Putin, mas
foi logo desautorizado pelo Departamento de Estado.
Por tudo
isso, vêm surgindo recentemente pressões, até mesmo no Congresso
norte-americano, para que a Copa de 2018 na Rússia seja boicotada. Os motivos
alegados variam: a crise da Ucrânia, a anexação da Crimeia após um plebiscito,
a suposta ação de "hackers" russos nas eleições dos EUA, a ação russa
na Síria, a punição a 35 atletas olímpicos russos por "doping", etc.
O
cardápio das desculpas é bem variado, mas o fato é um só: voltamos
definitivamente à Guerra Fria.
Em 1980,
em plena Guerra Fria, EUA e aliados, alegando que a Rússia havia
"invadido" o Afeganistão, decidiram boicotar as olimpíadas de Moscou.
De fato, boicotaram as olimpíadas, fato nunca antes acontecido, e financiaram
Bin Laden e outros grupos extremistas islâmicos, denominados por eles como
"os combatentes da liberdade", que atuavam contra o regime
secularista e progressista Afeganistão.
Com isso,
conseguiram duas proezas: plantaram as sementes do extremismo islâmico e
prejudicaram irremediavelmente várias gerações de atletas, pois, em 1984, em
retaliação, houve o boicote da União Soviética e aliados às Olimpíadas de Los
Angeles. Anos de treinamento, trabalho e esforços foram jogados no lixo.
A paz e o
esporte foram, assim, os grandes derrotados.
Portanto,
um boicote, ainda que parcial, ao campeonato mundial de futebol, o esporte mais
popular do mundo, seria um completo desastre.
Para o
Brasil, em particular, um boicote desse tipo seria extremamente prejudicial. A
seleção canarinho está recuperando seu antigo brilho e tem tudo para recuperar
seu prestígio internacional em Moscou, após o fiasco dos 7x1 no Brasil.
Contudo,
se houver algum boicote, o campeão não vai conseguir voltar, como canta e quer
a nossa torcida.
Já bastam
Temer e sua política externa errática e subserviente para destruir o prestígio
do Brasil. Fazendo o jogo da grande superpotência do planeta, a política
externa do golpe investe contra a integração regional, a articulação Sul-Sul e o
BRICS. Investe, assim, em dependência e desprestígio. Isso é mais do que o
suficiente. Não precisamos de novos desastres.
Fora
boicote!
https://www.brasil247.com/pt/colunistas/marcelozero/305177/A-Copa-e-a-nova-Guerra-Fria.htm