Sob o
governo de Jair Bolsonaro (PSL), o Brasil segue liberando novos produtos em
velocidade jamais vista no mundo. Já são 239 em apenas seis meses, muitos deles perigosos e banidos em
outros países
União e governos estaduais dão sua
contribuição à farra dos agrotóxicos. Há desoneração
de tributos federais, como o Imposto de Importação (II), sobre produtos
industrializados (IPI) e contribuições como o PIS e Cofins
por Cida de Oliveira, da Rede Brasil
Atual – Sociedade, Brasil e
Governo Federal Sem Rumo
Reprodução/Rastros
de Veneno
Além de liberar agrotóxicos
perigosos, Brasil dá benefícios fiscais (foto RDA)
Na
Dinamarca, quanto mais perigoso forem os agrotóxicos à saúde e ao meio
ambiente, maior será a sua tributação. Além de arrecadar impostos para ajudar a
custear o tratamento de doenças e a lidar com os danos ambientais, o governo
encarece o produto, desestimula seu uso e investe em medidas para incentivar a
agricultura sustentável, com alimentos saudáveis acessíveis para toda a
população.
A medida
tem surtido efeitos. O país do norte da Europa caminha a passos largos para ter
100% de sua produção agrícola livre de venenos nos próximos 10 anos. A boa
notícia foi trazida pela ministra-conselheira da Embaixada Real da
Dinamarca no Brasil, Laura Nielsen. Laura discutiu em audiência pública na Procuradoria-Geral da
República na tarde desta quinta-feira (27), em Brasília, a isenção fiscal aos
agrotóxicos no Brasil, uma situação completamente oposta.
Sem apoio
governamental, a transição da agricultura regada a chuvas de veneno para
uma produção agroecológica é um sonho realizado por poucos,
em pequenas propriedades. Projetos de políticas públicas nesse sentido caminham
lentamente no Congresso Nacional.
Enquanto
isso, os trabalhadores não têm acesso a alimentos de qualidade, como têm as
classes mais favorecidas. Apenas uma elite tem na mesa alimentos nutritivos e
saudáveis, como os produzidos antigamente, que mataram a fome da humanidade, do
advento da agricultura até o pós-Guerra, quando as lavouras tornaram-se o alvo
da indústria e suas armas químicas.
Principalmente
as do Brasil. De 2008 para cá, o país ocupa o posto de maior consumidor mundial
desses produtos. Uma liderança que tende a se ampliar. Sob o governo de Jair Bolsonaro (PSL), o Brasil segue liberando novos
produtos em velocidade jamais vista no mundo. Já são 239 em apenas seis meses,
muitos deles perigosos e banidos em
outros países.
Farra do veneno
E o que é
mais grave: União e governos estaduais dão sua
contribuição à farra dos agrotóxicos. Há
desoneração de tributos federais, como o Imposto de Importação (II), sobre
produtos industrializados (IPI) e contribuições como o PIS e Cofins.
E estaduais, como o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS),
que incidem sobre todos os produtos, inclusive aqueles de alta
toxicidade. Isso porque as cláusulas 1ª e 3ª do Convênio nº 100/97,
do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), reduzem em 60% a base de
cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para
agrotóxicos.
“Isso
permite que em alguns estados, como no Ceará, haja isenção do imposto para
agrotóxicos”, destacou João Alfredo Telles Melo. Professor de Direito
Ambiental do Centro Universitário 7 de setembro (UNI7), de Fortaleza, e
presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB/CE, Telles é coautor da Ação
Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.553/16, que questiona no Supremo
Tribunal Federal (STF) as cláusulas do convênio Sefaz e o o Decreto
7.660/11, sobre a isenção total de IPI.
Em 2017,
a procuradora-geral da República,
Raquel Dodge, se manifestou favorável à inconstitucionalidade da isenção. Em seu parecer, ela argumenta
que os dispositivos contrariam direitos constitucionais ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, à saúde coletiva e à proteção social ao
trabalhador, além de fomentarem o uso intensivo desses produtos.
A petição, protocolada pelo Psol, tem ainda a assinatura
da advogada Talita Furtado, pesquisadora do Núcleo de Trabalho, Meio
Ambiente e Saúde (Tramas) da Universidade Federal do Ceará (UFC) e professora
no curso de Direito da Universidade Federal Rural do Ceará. Ambos participaram
da audiência pública.
Agrotóxicos abatidos
Mas não é
só. Como são insumos agrícolas, os agrotóxicos podem ser abatidos integralmente
como despesa nos impostos sobre a renda de quem os utiliza. É o caso de grandes
proprietários de terra, onde estão imensas plantações de soja, cana, eucalipto,
milho e algodão, entre outras, regadas a grandes doses de agrotóxicos
pulverizados de avião, que espalham doenças como câncer, malformações
congênitas e outros problemas graves, incapacitantes e letais, que destroem
vidas e oneram o SUS.
Diretor
de Agricultura e de Ordenamento Territorial da Secretaria de Controle Externo
da Agricultura e Meio Ambiente do Tribunal de Contas da União (TCU), Vinícius Neves dos Santos
trouxe dados alarmantes. O Tribunal estima que de 2010 a 2017 houve
renúncia fiscal de quase R$ 9 bilhões devido à alíquota zero do PIS/Pasep
e Cofins com a inclusão dos agrotóxicos entre os itens da cesta básica.
Nesse
período, a média anual da desoneração para agrotóxicos foi superior a R$ 1 um
bilhão de reais, representando em torno de 8% do total da renúncia de receita
dessas contribuições relativa à desoneração da cesta básica. “Tanto que o
TCU recomenda a desagregação dos agrotóxicos e demais itens no demonstrativo
das desonerações para mais transparência no seu acompanhamento”, disse.
Em abril
de 2018, o TCU publicou relatório de auditoria da governança da União na implementação da
Agenda 2030, bem como a meta 2.4 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
(ODS). Conforme o documento, os ministros do tribunal recomendam que o
governo federal, com participação de autarquias como o Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a Agência Nacional
de Vigilância Sanitária (Anvisa), avaliem “a oportunidade e a viabilidade
econômica, social e ambiental de utilizar o nível de toxicidade à saúde humana
e o potencial de periculosidade ambiental, dentre outros, como critérios na
fixação das alíquotas dos tributos incidentes sobre as atividades de
importação, de produção e de comercialização de agrotóxicos”.
Poluidor pagador
“As
desonerações tributárias concedidas no Brasil a agrotóxicos independem do nível
de toxicidade e do potencial de periculosidade ambiental desses produtos,
beneficiando igualmente agrotóxicos muito ou pouco tóxicos, muito ou pouco
perigosos ao meio ambiente. Isso pode desestimular o desenvolvimento de
alternativas mais sustentáveis sob os pontos de vista sanitário e ambiental”,
destaca ainda o documento.
Os
ministros mencionam o princípio do poluidor-pagador, segundo o qual “os
governos nacionais devem fomentar a internalização dos custos ambientais pelo
poluidor, e o uso de instrumentos econômicos que impliquem que o poluidor deve,
em princípio, arcar com os custos da degradação ambiental”. Tal princípio foi
incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro por meio da assinatura da Declaração do Rio sobre o Meio
Ambiente e Desenvolvimento, documento oficial aprovado por mais de 170 países
na Conferência.
Em
resumo, o TCU aponta que o governo federal não tem rotinas nem metodologia de
acompanhamento e de avaliação das desonerações tributárias do II, do IPI, da
Cofins e das contribuições para o PIS/Pasep referentes a agrotóxicos. “Não há
objetivos, metas ou indicadores para a mensuração da eficiência, eficácia ou
efetividade dessas medidas, de maneira que não se produzem informações
avaliativas que retroalimentem o processo decisório sobre a manutenção,
renovação, alteração ou extinção de cada incentivo tributário”.
A
expectativa de procuradores da República e representantes de entidades que
apoiaram o debate, como a Associação Brasileira dos Membros do Ministério
Público de Meio Ambiente, Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida
e Terra de Direitos, é que o relator da ADI 5.553 no STF, ministro Edson
Fachin, convoque audiência pública para respaldar seu voto.
https://www.redebrasilatual.com.br/destaques/2019/06/tcu-taxacao-agrotoxicos-saude/
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