“Diante dessa ideia que quer colocar no centro da vida
humana a produção e o consumo, o imaginário coletivo deve ser
descolonizado. Vivemos em um planeta de cinco ou mais velocidades que classifica
países, regiões e continentes de acordo com seu poderio e sua pobreza. Alguns
poucos acima correndo soltos em direção a um crescimento infinito que
não é possível, outros muito abaixo sofrendo doenças para eles crônicas”, Iosu Perales
por Iosu Perales* no Rebelión e revista ihu on-line – Sociedade
e Sobrevivência do Ser Humano na Terra
Imagem no artigo da Unissinos
O decrescimento é uma alternativa econômica? Quando
um rio transborda, queremos que decresça e as águas retornem ao seu leito.
Trata-se disso. Na realidade, o decrescimento não é uma opção, é uma
necessidade – Iosu Perales
O decrescimento é uma
alternativa econômica? Quando um rio transborda, queremos que decresça e as
águas retornem ao seu leito. Trata-se disso. Na realidade, o decrescimento não
é uma opção, é uma necessidade.
Atualmente, fala-se muito sobre o dia seguinte em
termos dramáticos. Do ponto de vista oficial, estão nos preparando para assumir
cortes de todos os tipos em um marco político social autoritário, e agem assim
com um enfoque de mais do mesmo, com o objetivo de retornar às receitas de crescimento econômico que mostraram
que entre as pessoas e a economia
escolhem esta última. Diante desse enfoque fracassado em termos de humanidade e
sustentabilidade do planeta - e não de negócios -, defendo a
recuperação da palavra decrescimento
e a reflexão sobre ela. Deve haver um antes e um depois do coronavírus.
Haverá quem diga que não estou neste mundo e que
sou um romântico. Pode ser. Mas se fazemos a pergunta: nosso mundo tem recursos
infinitos? A resposta é NÃO. Nesse caso, pode ser sustentada a atual
corrida descontrolada que não admite os limites do crescimento?
A resposta também é NÃO. Este deve ser o ponto de partida de qualquer proposta
para sair desta crise. Sejamos claros:
estamos vivendo sob a ditadura de poderes financeiros que colonizaram as
instituições políticas até anulá-las. Esse mundo neoliberal
é um pesadelo. Nele tudo é vendido e tudo é comprado, até a saúde.
E não apenas isso, a chamada competitividade mudou
as empresas de tal maneira que para comprar certos produtos, neste caso produtos
de saúde, é preciso ir à China,
que vende seus produtos em dinheiro e ao maior lance. É a lei dos custos mais
baratos. Nos países europeus, desmantelamos nossas capacidades produtiva e
colocamos muros que não podemos saltar. Essa globalização deve ser
substituída por outra que enfatize a cooperação, a unidade e as decisões
globais.
Uma terceira característica do modelo neoliberal é o endividamento
dos países para crescer, sendo que imediatamente precisam
crescer para pagar a dívida. É uma lógica perversa que prende países.
Decrescimento não é voltar à penúria, ao atraso.
Isso será dito por mal-intencionados intelectuais e políticos que se apegam com
as unhas a um neoliberalismo já insuportável. O neoliberalismo é uma traição às
pessoas, aos povos - Iosu Perales
Decrescimento não é voltar à penúria, ao atraso.
Isso será dito por mal-intencionados intelectuais e políticos que se apegam com
as unhas a um neoliberalismo
já insuportável. O neoliberalismo
é uma traição às pessoas, aos povos. Ao contrário, o decrescimento nos convida,
nas palavras do professor basco de economia Koldo Unceta,
a “empreender mudanças estruturais na maneira de organizar a produção e a
distribuição a serviço das pessoas e de acordo com a preservação dos recursos”.
Isso requer tomar consciência da diferença entre desenvolvimento e
desenvolvimento ruim. O
último é insaciável e devora tudo, confundindo crescimento permanente com
desenvolvimento e prosperidade. Em outro sentido, teria que ser realizada uma
redução regular e controlada da produção para assentar um novo paradigma de
prosperidade.
Geralmente, o PIB nos é apresentado como o
indicador de avanço de uma sociedade. Não dizem avanço em que direção, mas é
que o PIB inclui mais más que boas práticas e atividades. A propósito do PIB,
não sendo em nada simpatizante de Robert. F. Kennedy, resgato suas
palavras de 1968, alertando que o PIB “não mede nem nossa virtude,
nem nossa coragem, nem nossa inteligência nem nosso aprendizado. Mede todos os
detalhes, exceto o que dá verdadeiro sentido à nossa vida”.
O decrescimento
leva em consideração a justiça ambiental que
nos lembra o conflito entre quem obtém lucro
e quem sofre dano ecológico.
Quando daremos um respiro ao planeta? Estou pensando em grandes obras e
infraestruturas que prejudicam seriamente o meio ambiente. Mas também penso em trabalhos em escala local que
procuram fazer parte de um modelo de sociedade que apresenta buracos negros.
Um exemplo próximo: Que sentido faz construir um
metrô em uma cidade cujo maior prazer é caminhar pela baía respirando a brisa
do mar? Qual é a vantagem para a saúde
global da cidade, que tem seu charme e fama merecida em seu tamanho
médio, para percorrê-la a pé. Com o que está acontecendo e acontecerá, não é
mais ético, mais progressivo e mais ecológico usar seu custo para atender
muitas pessoas vulneráveis na própria cidade? Por que há tantos medíocres na
política? Por que tão pouco talento? Por que há tanta incapacidade de inovar e
imaginar um mundo, um país, uma cidade, mais amáveis?
O decrescimento propõe, entre outras medidas:
compartilhar o trabalho, reduzindo a jornada de trabalho, aumentando a
população empregada, uma renda básica mínima para garantir que todos tenham
renda para viver com dignidade - Iosu Perales
Em todos os níveis da sociedade, estamos
enlouquecendo. O desenvolvimentismo ou o desenvolvimento ruim reativa obras faraônicas, o consumo e o endividamento. Pois bem, o decrescimento é parar e pensar que, se o único objetivo da vida é
produzir e consumir, tudo é um absurdo, uma humilhante ideia que deve ser
abandonada, segundo Cornéluis Castoriadis
(filósofo, sociólogo, economista e psicanalista greco-francês). Uma ideia
patética que, aliás, é amplamente usada na política quando se diz as “para as
pessoas o que importa é comer”. Quem pensa assim tem uma ideia nefasta da
sociedade e deveria ter vergonha.
O decrescimento propõe, entre outras
medidas: compartilhar o trabalho, reduzindo a jornada de trabalho,
aumentando a população empregada, uma renda básica mínima
para garantir que todos tenham renda para viver com dignidade. Trata-se também
de mudar um estilo de vida que cria frustração e infelicidade.
Diante dessa ideia que quer colocar no centro da vida
humana a produção e o consumo, o imaginário coletivo deve ser
descolonizado. Vivemos em um planeta de cinco ou mais velocidades que
classifica países, regiões e continentes de acordo com seu poderio e sua
pobreza. Alguns poucos acima correndo soltos em direção a um crescimento
infinito que não é possível, outros muito abaixo sofrendo
doenças para eles crônicas. Devemos resgatar a consciência de que somos UMA
espécie e que nos salvamos todos ou ninguém, é fundamental.
Todos falharam. Os cientistas, os governos, as
instituições mundiais, todos. Submergidos nos desafios de mais e mais
crescimento, não souberam avaliar a ameaça real na forma de uma pandemia,
manifestando uma falta de preparo para enfrentar perigos pouco conhecidos.
Porque é preciso dizer que houve quem advertiu de uma possível pandemia muito
agressiva e suas palavras foram tomadas como as de um excêntrico bilionário. Bill Gates disse isso em
2005. Optou-se por deixar passar sua advertência para não alarmar e criar
insegurança nos mercados financeiros. Assim funciona esse mundo.
*Iosu Perales,
cientista político, especialista em relações internacionais
Publicação:
Rebelión em 01 abril
2020
Tradução:
Cepat