“O agronegócio é uma espécie de parasita do Estado brasileiro. Ele
recebe muito do Estado e nos devolve muito pouco, contribuindo em tragédias
como essa do Rio Grande do Sul. Esqueci de citar a chuva, o mar de agrotóxico
que está sendo despejado sobre a população brasileira, que está engolindo a
partir desse modelo produtivo. O Brasil é o maior consumidor de agrotóxico do
mundo, isso tem um impacto no meio ambiente estarrecedor” (com várias doenças
para as pessoas que aplicam o produto nas plantações e os que consomem alimentos),
afirma o cientista e pesquisador Mitidiero
A influência do agronegócio na esfera pública brasileira é cada vez mais
evidente nos poderes Executivo e Legislativo (Governos e Congresso). Um
exemplo disso são os números da bancada ruralista, que possui mais de 324
integrantes, em um universo de 513 parlamentares, na Câmara dos Deputados, em Brasília;
e com outros 50, de 81 senadores do Senado Federal
São projetos (no Congresso Brasileiro) com reversões de conquistas,
tanto da pauta ambiental, como da pauta social, promovidas pelos ruralistas de
uma forma inimaginável. “Não podemos esquecer também da esfera do Judiciário,
que tradicionalmente trabalha a favor da grande propriedade fundiária e do
agronegócio”, mostrando como os representantes do setor influem na agenda de
desenvolvimento econômico, social e ambiental do Brasil
por André Lobão* na Revista
Forum – Sociedade e Grande Capital
no Congresso Destrói Meio Ambiente Brasileiro
Imagem cidade virando mar, na
internet
Um estudo
publicado em setembro de 2021 pela Fundação
Friedrich Ebert no Brasil, produzido pelos pesquisadores Marco Antonio Mitidiero Junior e Yamila
Goldfarb, “Mudança climática, energia
e meio ambiente - O agro não é tech, o agro não é pop e muito menos tudo”,
mostra como o agronegócio no Brasil aplica estratégias para construir o
consenso na sociedade de que é o setor mais dinâmico, moderno e importante da
economia brasileira. O trabalho detalha como funciona o poder de influência do
setor que recebe muito e contribui pouco com o país - confira a pesquisa no link _ library.fes.de/pdf-files/
A recente
tragédia das inundações no estado do Rio Grande do Sul deixou o “rei nu”
(mostra a destruição ambiental no centro e norte do Brasil _ Goiás, Tocantins,
Amazonas, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará e centro-oeste da Bahia). O
agronegócio influi na política pública de gestão ambiental no Brasil, o que
contribui para as tragédias ambientais
que fazem parte do cenário climático e ambiental do Brasil, como afirma Marco
Antonio Mitidiero Júnior, que é doutor em Geografia Humana pela USP
(Universidade de São Paulo).
“O que
acontece no Brasil é o exemplo da influência do agronegócio na gestão pública,
identifiquei isso de forma nítida em minha pesquisa. Então, a narrativa do
progresso usado pelo agronegócio, é um discurso que diz: preservar a natureza
barra o progresso. Para isso afrouxam (substituem as leis ambientais e sociais,
por outras leis favoráveis somente ao grande capital, contra a população em
geral) às leis, aplicando a tese do
Estado mínimo (início nos governos federais Collor e Fernando Henrique Cardoso),
um modelo onde não precisa ter leis, não é possível regular (por meio do
Congresso e Governos Federal, Estadual e Municipal) não pode bloquear o desmatamento;
a ocupação de áreas de interesse natural importante, como a beira dos rios, a
chamada mata ciliar. Um exemplo cabal disso é o governo do Eduardo Leite no Rio
Grande do Sul considerado uma referência
na aplicação do Estado Mínimo. A segunda dimensão do que está acontecendo
no Brasil é que o impacto causado pelo
agronegócio vem destruindo solos, rios e florestas. Isso é resultado do
modelo de exploração do campo (e cidade) no país”, exemplifica o cientista
Mitidiero.
Uma bancada no Congresso, que é um partido político
de direita e extrema-direita (centrão)
A influência do agronegócio na
esfera pública brasileira é cada vez mais evidente nos poderes Executivo e
Legislativo (Governos e Congresso). Um exemplo disso são os números da bancada
ruralista, que possui mais de 324 integrantes, em um universo de 513
parlamentares, na Câmara dos Deputados, em Brasília; e com outros 50, de
81 senadores do Senado Federal. Ou seja, na Câmara dos Deputados o agronegócio
domina o equivalente a 63%, e no Senado o porcentual chega a 61%. Essa maioria
faz com que a bancada ruralista, conhecida como Frente Parlamentar Agropecuária
(FPA), preposta do agronegócio brasileiro, seja efetivamente um partido
político de fato (direita e extrema-direita ou centrão), a partir de um intenso
lobby (nos Governos Federal, Estaduais e Municipais e Congresso Brasileiro).
Essa
mesma bancada, se aproveitando da mobilização em torno da tragédia que já afeta
mais de 437 municípios do Rio Grande do Sul, que registrou mais de 147 mortes,
afetando quase 2 milhões de pessoas no estado, promove um novo “passa boiada”
para a chamada pauta-bomba climática que é a seguinte:
PL
3334/2023: proposto pelo senador Jaime
Bagattoli (PL/RO), o projeto prevê reduzir de 80% para 50% a cota de
reserva de imóveis rurais localizados na Amazônia Legal. Segundo o Ministério
do Meio Ambiente, a eventual redução pode representar um desmatamento potencial
de pelo menos 281.661 km², o equivalente a todo o território do Tocantins.
O autor do PL já admitiu ter fazenda em terras indígenas - confira no link _ https://deolhonosruralistas.com.br/2023/06/28/senador-jaime-bagattoli-admite-possuir-fazenda-em-terra-indigena-em-rondonia/
PL
364/2019: elimina a proteção de todos os campos nativos e outras
formações não florestais – proposto pelo deputado
federal Alceu Moreira (MDB-RS). No fim de março, o projeto foi aprovado na
CCJ da Câmara, com o relatório favorável do também deputado gaúcho Lucas Redecker (PSDB-RS). O gaúcho Alceu Moreira,
em 2017, foi acusado em um depoimento dado à Polícia Federal, por um diretor da
JBS, Ricardo Saud, relatório da Polícia Federal de ter recebido R$ 200 mil da
empresa - confira no link _ https://deolhonosruralistas.com.br/2017/05/20/presidente-da-cpi-da-funai-recebeu-dinheiro-pedido-diz-delator-da-jbs/
PL
1282/2019: de autoria do senador Luis
Carlos Heinze (PP-RS), autoriza obras de irrigação em áreas de preservação
permanente, o que, segundo o Observatório do Clima, potencializaria a crise
hídrica e o conflito pela água no Brasil, tendo outro projeto semelhante (PL
2168) proposto pelo deputado José Mário
Schhreimer (MDB/GO). Heinze é um ruralista gaúcho, produtor de arroz, que
ganhou notoriedade nacional ao defender o negacionismo bolsonarista na CPI
da Covid, em cujo relatório teve seu nome pedido para indiciamento - confira no link _ https://deolhonosruralista.com.br/2021/10/13/saiba-quem-e-luis-carlos-heinze-o-arrozeiro-negacionista/
Já o deputado Schhreimer foi presidente
do Sistema FAEG/SENAR; vice-presidente da Confederação da Agricultura e
Pecuária do Brasil (CNA) - confira no link _ https://www.camara.leg.br/deputados/204386/biografia
PL
2374/2020: prevê a regularização de propriedades rurais que não respeitem os
limites mínimos de Reserva Legal em razão de supressões de vegetação nativa
realizadas entre 22 de julho de 2008 e 25 de maio de 2012, exigindo-se que a
compensação seja equivalente ao dobro da área de reserva legal a ser
recuperada.
O projeto
é de autoria do senador Irajá do PSD (TO),
filho da ex-senadora e ministra Kátia
Abreu, tendo sido autuado pelo Ibama por desmatar vegetação de preservação
permanente, sem permissão ou licença ambiental, em área equivalente a 75 campos
de futebol. O detalhe é que, atualmente, Kátia Abreu integra o Conselho de
Administração da JBS - confira aqui _ https://apublica.org/2022/08/candidatos-as-eleições-deste-ano-tem-84-milhoes-em-multas-ambientais/
“Eles têm
um poder legislativo sem tamanho. É por isso que temos vivenciado nos últimos
dez anos uma enxurrada de projetos de lei e outros institutos legislativos que fragilizam, por exemplo, a questão
ambiental. Fragilizam a reforma agrária, abrem terras para a mineração e
grandes monoculturas. É evidente que
esse pessoal tem uma grande força no Executivo e no Legislativo, dominando as
pautas públicas, abrindo caminho para o avanço do agronegócio sem nenhuma
preocupação social e ambiental. Isso está muito claro na realidade
brasileira, assistimos a isso ao vivo. “São
projetos (no Congresso Brasileiro) com reversões de conquistas, tanto da pauta
ambiental, como da pauta social, promovidas pelos ruralistas de uma forma
inimaginável. Não podemos esquecer também da esfera do Judiciário, que
tradicionalmente trabalha a favor da grande propriedade fundiária e do
agronegócio”, mostrando como os representantes do setor influem na agenda de
desenvolvimento econômico, social e ambiental do Brasil.
O agronegócio parasita verbas públicas e envenena
os alimentos que planta
O cientista e pesquisador Mitidiero avalia
que o setor agropecuário se ergueu em função da espoliação dos recursos
públicos.
“O agronegócio é uma espécie de
parasita do Estado brasileiro. Ele recebe muito do Estado e nos devolve muito
pouco, contribuindo em tragédias como essa do Rio Grande do Sul. Esqueci de
citar a chuva, o mar de agrotóxico que está sendo despejado sobre a população
brasileira, que está engolindo a partir desse modelo produtivo. O Brasil é o
maior consumidor de agrotóxico do mundo, isso tem um impacto no meio ambiente
estarrecedor” (com várias doenças para as pessoas que aplicam o produto nas
plantações e os que consomem os alimentos), afirma Mitidiero.
O
pesquisador cita que o lobby ruralista conseguiu no Congresso Nacional aprovar
isenção tributária para comprar veneno, o
agrotóxico no Brasil é barato porque o governo concede isenção tributária.
“Isso tudo só tem uma finalidade: garantir o aumento da margem de lucro.”
Além de atuar de forma ostensiva
nas instituições de poder do país, o agronegócio promove uma intensa campanha
para garantir uma boa imagem perante a opinião pública.
“O agronegócio investe pesado em propaganda
para conquistar corações e mentes da população brasileira, se colocando como o
'motor' da economia, de que são sustentáveis. Mas isso é como tapar o
sol com a peneira, eles não são sustentáveis, isso é comprovado quando buscam
isenções de todo o jeito”, lembrando a ladainha de que ‘o agro carrega o Brasil
nas costas’. A gente sabe que agora, neste momento, no Sul do Brasil, eles não
estão fazendo nada. Quem “está ajudando e organizando as pessoas afetadas na
enchente são os movimentos populares como o MST, entre outros”, afirma.
Trabalho escravo no agronegócio
Segundo o
Painel de Informações e Estatísticas da Inspeção do Trabalho, entre julho de
1995 e julho de 2020, foram resgatados pelo extinto Ministério do Trabalho e
Emprego cerca de 55 mil trabalhadores em condições análogas à de escravo,
sendo os estados do Pará (13.173), Minas Gerais (6.622) e Mato Grosso (6.172)
recordistas em submeter trabalhadores a esse modelo criminoso de exploração.
Os
setores que concentram a maior parte desses escravizados são aqueles que
compõem as cadeias produtivas de commodities agrícolas. Entre 2003 e 2018,
conforme dados do Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico
de Pessoas, a criação de bovinos para corte, o cultivo de arroz e a produção da
cana-de-açúcar foram as atividades em que mais predominaram a escravidão
contemporânea, com 32%, 20% e 11% dos trabalhadores resgatados, respectivamente.
Hora de debater sobre o modelo produtivo do agro no
Brasil
Marco Antonio
Mitidiero Junior considera importante colocar na pauta da agenda pública de
debate o modelo produtivo do Brasil e os impactos que ele vem causando. “Nós
estamos observando agora o impacto ambiental, mas não ficou somente restrito a
esse tipo de impacto. Ele é social também, o agronegócio é responsável pelo
maior número de resgates em trabalho escravo, a grilagem de terras públicas”,
lembra.
Ainda,
segundo o estudo citado no início desta reportagem, a agropecuária compõe a
menor fração do PIB brasileiro. O trabalho apresenta uma série histórica (2002 a 2018) na qual o agro contribui, em média, com
apenas 5,4% do PIB (no Brasil), enquanto o setor industrial com 25,5% e o
setor de serviços 52,4%.
Jair Bolsonaro em encontro de
entidades representativas do agronegócio. Créditos:
Antonio Cruz/Agência Brasil
Além
disso, a pesquisa mostra que é o setor que paga o menor salário aos seus
trabalhadores quando comparado a outros setores. “O PIB do agro chega a apenas 6% na economia brasileira, isso no
ponto de vista da produção da riqueza é considerado pouco para a nação. É pouco
emprego gerado, é pouco PIB, e o que é
gerado é altamente concentrado nas mãos de poucos fazendeiros e das
multinacionais, que acabam comprando a produção e exportam. Então é um processo de pilhagem histórico que
vivemos no Brasil. Arrancam riquezas
do Brasil, levando a preço de banana (produtos agrícolas para o exterior). O que temos é um modelo fracassado de
desenvolvimento, que só gera desigualdade social e que traz um impacto
ambiental, em algumas situações irreversíveis”, completa.
Neste
momento, o pesquisador integra uma
comitiva de indígenas do Pará que denunciam impactos da mineração (ilegal
em terras indígenas-TI’s) na
Amazônia. Na última quinta-feira (9/05/2024) a comitiva esteve presente na
University College of London, no Reino Unido, para relatar a luta contra
as grandes empresas (do Brasil e exterior), que extraem ouro e bauxita
para os mercados do Brasil, Europa e Ásia.
*André Lobão jornalista, escritor, vídeo-maker e ativista
de comunicação comunitária e digital, atualmente profissional de comunicação do
SINDIPETRO-RJ.
Edição: blog Mangue do Cachoeira
Publicado
na Revista Forum: 13/5/2024
Fonte: https://revistaforum.com.br/opiniao/2024/5/13/o-agronegocio-funciona-como-um-parasita-no-estado-brasileiro-158702.html