
Marcela Belchior - Jornalista da Adital - povos livres

Segundo a Fundação, o contato se deu com a equipe da Frente de Proteção Etnoambiental Envira (FPE Envira) e com o sertanista José Carlos Meirelles, membro da Assessoria Indígena do Governo do Acre. Em nota, o órgão afirma que a Frente vinha acompanhando a aproximação dos índios isolados desde o último dia 13 de junho e que a permanência do grupo na região ocorre de forma pacífica. Líderes da tribo Ashaninka, que divide o território com essa tribo e outras também isoladas, teriam pedido ajuda ao governo e a organizações não governamentais (ONGs) para controlarem o que eles considerariam "invasão” de suas terras.
No momento, a equipe da FPE Envira, juntamente com o Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI), do Alto Rio Juruá/Secretaria Especial de Saúde Indígena, está na área para dar início ao Plano de Contingência para Situações de Contato. Os funcionários da Funai encontram-se no local levantando informações por meio de intérpretes, para que haja maior conhecimento desse grupo indígena recentemente distinguido. A quantidade de membros da tribo desconhecida pela Funai é incerta.
O órgão comunica que a Política de Proteção aos Índios Isolados da Funai tem a premissa do não contato, respeitando a autodeterminação dos povos e realizando o trabalho de proteção territorial com a presença destes. No entanto, são previstas ações de intervenção (planos de contingência) quando o grupo indígena isolado procura estabelecê-lo.

De acordo com a organização Survival Internacional, organização que trabalha pelos direitos dos povos indígenas em todo o mundo, os índios isolados fizeram contato por conta do alastramento da extração ilegal de madeira nas terras e do narcotráfico. Isso provocou sua aproximação com a aldeia assentada Simpatia, dos Ashaninka, chegando a saquear a tribo, levando consigo panelas e facões das malocas indígenas.
O diretor da Survival, Stephen Corry, afirmou, em reportagem da organização: "Tanto o Peru como o Brasil garantiram que parariam a exploração madeireira ilegal e o tráfico de drogas que estão empurrando índios isolados para novas áreas. Eles fracassaram. Os traficantes até ocuparam um posto de guarda do governo destinado a monitorá-los. Os índios isolados agora enfrentam o mesmo risco genocida de doenças e da violência, que caracterizou a invasão e ocupação das Américas durante os últimos cinco séculos. Ninguém tem o direito de destruir esses índios”.
Segundo a revista Carta Capital, o clima ficou tenso entre os índios "desconhecidos” e os Ashaninka, levando o Governo do Acre a realizar uma operação de segurança com apoio do Exército e da Polícia Federal na fronteira. Em nota divulgada no último dia 17 de junho, o governo informou que a chamada "Operação Simpatia” consistiu em averiguar as ameaças que a comunidade recebia dos índios isolados.
Em entrevista à Adital, Gil Rodrigues, integrante do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), avalia com cautela esse primeiro contato. "Porque isso pode causar muitos prejuízos, como a perda de membros desse povo”, afirma. Ele diz preocupar-se com a falta de um plano de trabalho que norteie a comunicação da Funai nesse caso e em situações anteriores.
Rodrigues opina que seria mais prudente atuar na garantia de proteção territorial, preferindo a Funai estabelecer contato com os responsáveis pelo avanço da extração de madeira, além do governo peruano, e não com a tribo indígena. "São esses territórios que garantem sua sobrevivência”, destaca. Segundo o indigenista, esse tipo de situação tem se expandido na área. "Inclusive, temos feito várias denúncias para que a Funai possa ter um olhar mais sensível para aquela região. E isso tem um agravante por ser zona de fronteira”, aponta.
Os Ashaninka e outros grupos
Na aldeia Simpatia vivem, hoje, pelo menos 70 índios Ashaninka, sendo a maioria deles mulheres e crianças. A comunidade está localizada na Terra Indígena Kampa e Isolados do Rio Envira, regularizada pela Funai com 232.795 hectares. Na reserva existem seis aldeias Ashaninka, onde moram 420 índios da etnia. Os indígenas Ashaninka pertencem à família linguística Aruak (ou Arawak).
Na região do Alto Envira, da fronteira com o Peru, conhecida como Paralelo 10, em 30 anos de pesquisas, três grupos de índios isolados foram avistados, denominados pela Funai como o povo da cabeceireira do Riozinho, o povo do Rio Xinane e o povo do Rio Humaitá. Há um quarto grupo isolado no Acre, que é denominado pelo órgão de Mashco-Piro. Com o contato na aldeia Simpatia, a Fundação tenta qualificar os índios desconhecidos por meio de intérpretes, para que haja maior conhecimento do grupo e sua língua.
Saiba mais sobre índios isolados no Brasil
- A Amazônia brasileira é o maior reduto de tribos indígenas isoladas no mundo, com estimativa de abrigar 77 grupos.
- No Estado do Acre, estima-se que existam cerca de 600 índios pertencentes a quatro grupos diferentes.
- A postura dessas tribos de não manter contato com outros povos indígenas e não-índios pode ser resultado de anteriores encontros negativos e da contínua invasão e destruição de sua floresta.
- Grupos isolados que vivem no Estado do Acre são provavelmente sobreviventes do ciclo da borracha, quando muitos índios foram escravizados para explorar a matéria-prima do local.
- Nada ou pouco se sabe sobre esses povos isolados. Alguns deles já dispararam flechas contra pessoas estranhas às tribos e contra aviões ou simplesmente evitam contato, recolhendo-se floresta adentro.
- Alguns grupos isolados beiram à extinção, com apenas alguns indivíduos restantes. Pequenos grupos que vivem principalmente nos Estados de Rondônia, Mato Grosso e Maranhão são sobreviventes da grilagem de terras, quando foram alvejados e mortos por madeireiros, fazendeiros e outros. Hoje, eles ainda são deliberadamente caçados e suas florestas estão sendo rapidamente destruídas.
- Grandes projetos de construção de hidrelétricas e estradas, que fazem parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo brasileiro, representam graves ameaças. As represas de Jirau e Santo Antônio, em construção no rio Madeira, Rondônia, estão muito próximas de vários grupos de índios isolados.
- Relatório recente aponta que os índios estão abandonando suas terras devido ao barulho e à poluição das obras de construção das hidrelétricas.
- Todos são extremamente vulneráveis a doenças como gripe ou resfriado, que são transmitidas por pessoas de fora e para as quais os índios não apresentam resistência imunológica.
http://site.adital.com.br/site/noticia.php?lang=PT&cod=81563
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