"A cada momento que o tempo passa, mais nós compreendemos sobre o porquê da nossa existência e o nosso propósito de vida, pensamos o que somos, logo existimos e vivemos"
A vivência e a troca de experiências que a luta social nos proporciona é extremamente enriquecedora.
Há debates e aprofundamentos em determinados temas que estão muito além de livros e de frias salas de aula.
E há textos que doem.
O debate sobre violência obstétrica é um dessas temas. Corriqueiro,
presente, naturalizado. E que precisa ser questionado e combatido com
muita radicalidade. Bem como denuncia a Professora Vanessa Gravino.
A construção de uma sociedade mais justa e
igualitária, também passa pelo direito de parir e nascer com dignidade,
sem que o parto seja uma ameaça à vida das mulheres e das crianças.
Hoje, no Brasil, uma a cada quatro mulheres sofre ou sofreu algum tipo
de violência durante o parto. Além disso, 90% das mortes de mulheres
grávidas poderiam ser evitadas se elas recebessem atendimento adequado.
No entanto, quando tocamos nesta questão, esbarramos em pontos
relevantes: a mercantilização da saúde e o preconceito racial,
destacando que as mulheres que mais sofrem ou morrem por decorrência da
gravidez são mulheres negras.
No que se refere à mercantilização da saúde,
segundo dados do Ministério da Saúde, mais de 50% dos partos realizados
no Brasil atualmente são cesáreas. Se tratarmos apenas das redes
particulares este número sobe para, aproximadamente, 83%. A cesárea é
uma cirurgia, deve ser utilizada apenas em casos extremos, para salvar
vidas, não pode ser regra. No entanto, é muito comum, médicos e médicas
orientarem a realizar cesárea colocando-a como “mais segura” que o parto
normal. Esta orientação não é acaso. Um parto normal pode demorar
horas, já a cesárea é realizada em pouco mais de uma hora. Algumas delas
são feitas quando a mulher entra em trabalho de parto, mas os médicos
não querem esperar e forçam psicologicamente a mulher para que aceite a
cirurgia da cesárea, com argumentos sem qualquer embasamento científico.
A mulher, refém daquela situação, aceita tal cirurgia. Outras ainda são
agendadas antes mesmo da mulher estar em trabalho de parto, o que é
ainda pior, pois o bebê nem “amadureceu” dentro da mulher para ser
arrancado do útero. Esses profissionais (se é que podemos chamá-los
assim) ganham muito dinheiro em pouco tempo de trabalho. Não importa
aqui se a vida das mulheres e dos bebês está colocada em risco, pois
enxergam a saúde como mercadoria. Infelizmente esse quadro de violência
obstétrica é rotina nos hospitais privados.
A pressão pela realização da cesárea sem
necessidade, a violência psicológica que humilha mulheres,
principalmente mulheres negras, numa situação de vulnerabilidade é o que
chamamos de violência obstétrica. Nos hospitais públicos também há
muita violência obstétrica apesar do índice de cesárea ser menor.
Acontece que no sistema público há inúmeras intervenções desnecessárias
ao longo do trabalho de parto. Dentre elas estão a episiotomia (corte
entre a vagina e o ânus para facilitar a saída do bebê), falta de
analgesia (caso a mulher solicite), pressão sobre a barriga para
empurrar o bebê (manobra de Kristeller), lavagem intestinal, retirada de
pelos pubianos, exames de toque frequentes para verificar dilatação,
deixar a mulher deitada durante horas em posições desconfortáveis
esperando o parto, o “pedido” para se calar quando as mulheres gritam e
até ameaças à mulher e à criança.
As mulheres negras sofrem consequências ainda
maiores. O preconceito racial no Brasil faz com que a violência
obstétrica, em relação a essas mulheres, carregue as marcas do Brasil
escravocrata. Elas escutam frases e comentários racistas e humilhantes
na hora do nascimento de seus filhos e filhas. É comum os hospitais do
SUS deixarem mulheres negras esperando mais tempo, por acreditarem que
“as negras são mais resistentes à dor”, ou ainda, porque o momento do
parto é o momento de pagarem pelo “ato” cometido, ou seja, “na hora de
transar foi bom, agora aguenta”.
A luta feminista, negra e de direitos humanos
deve passar – também – pela busca de um parto humanizado para as
mulheres negras e trabalhadoras. Um parto que respeite sua fisiologia e
sua autonomia. Onde as mulheres possam de fato ter informações
verdadeiras sobre as formas de nascer, para que suas escolhas estejam
pautadas não pela mercantilização da saúde, mas por evidências
científicas.
Por mais casas de parto!
Por mais equipes humanizadas em maternidades!
Por apoio aos profissionais humanizados que estão no mercado de trabalho!
Infelizmente esta ainda não é uma realidade
em nosso país. Mas, é um tema que devemos abordar com extrema urgência
no interior dos debates de violência contra as mulheres e de extermínio
da população negra.
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