por Marsílea Gombata - Sociedade e Gênero
Algumas recepcionistas de feiras e eventos são contratadas para prestar
serviços sexuais para determinados clientes; o recrutamento das chamadas
fichas rosa é feito nas redes sociais
Leandro Chemalle (Flickr / CC BY-SA 2.0) // Imagens meramente ilustrativas
Algumas das moças contratadas para feiras e eventos acabam prestando serviços sexuais
Nome, idade,
telefone, endereço, altura, manequim, medidas do busto e do quadril. Tem
tatuagem? Onde? Disponibilidade para viagens? Valor cobrado pelo
período de uma a duas horas? Aceita homens mais velhos? E mais novos?
Transa com casais? Topa anal? Dupla penetração? Oral finalizado ou sem
camisinha (caso o cliente tenha higiene)? E beijo na boca? O longo e
incomum questionário poderia ser o cadastro a ser preenchido por uma
candidata a emprego em uma casa de prostituição. Mas, com a promessa de
uso exclusivo pela agência e manutenção das informações em sigilo,
trata-se de um recrutamento das chamadas modelos ficha rosa, ou seja:
aquelas que além do trabalho em feiras e eventos topam esticar o
expediente para acompanhar clientes.
Com um cachê que pode chegar a 1.000 reais por
duas horas, as meninas ficha rosa participam de eventos pequenos – como
despedidas de solteiro –, a grandes produções – como salões de carros,
feiras de corridas automobilísticas e exposições voltadas à indústria
agropecuária. O mercado se baseia na ideia tradicional de que um corpo
bonito é capaz de atrair mais clientela.
Tudo começou, reza a lenda, em meados dos anos
1990, quando a Shell colocou em seu estande uma modelo vestida com um
macacão branco colado ao corpo e notou um aumento expressivo de visitas a
seu setor. Desde então, é comum ver em grandes eventos Brasil afora
“gostosas” que têm o papel de atrair mais visitantes e potenciais
consumidores do produto à venda. Para a modelo ali ser considerada ficha
rosa, no entanto, ela tem de topar também acompanhar os empresários que
visitam essas feiras, seja em festas pós-evento ou mesmo para oferecer
“favores sexuais” em troca de um cachê maior do que o previsto para
trabalhar no estande.
A partir de um falso perfil no Facebook, a revista CartaCapital buscou
se informar sobre os detalhes de um trabalho ficha rosa. Fazendo-se
passar por uma garota de 24 anos interessada nesse tipo de atividade,
muitas agências, agenciadores e comunidades explicaram os requisitos
para uma mulher bonita vir a se tornar ficha rosa, assim como as
condições de pagamento.
Em uma das respostas, o perfil de uma agência
de fichas rosa contou que a demanda parte do contratante. “O cliente nos
passa o perfil da garota que ele deseja para um atendimento VIP ou
evento. Nós indicamos as meninas ao cliente, mostramos as fotos das
garotas conforme o perfil solicitado. O cliente informa qual foi a
modelo escolhida, e nós entramos em contato com você para confirmar a
disponibilidade, cachê, data, local e detalhes dos trabalhos”, explicou.
Em relação às condições de pagamento, neste
caso, a comissão que cabe à agência gira em torno de 10% sobre o total
do cachê. “Nossa comissão nos é repassada por você. Em alguns casos,
onde temos um acordo com o cliente, ele paga nossa comissão por fora
quinzenalmente ou mensalmente”, acrescentou.
Em um anúncio feito no mural de um grupo
aberto, uma outra agência seleciona meninas ficha branca e ficha rosa,
ou seja, as interessadas em apenas trabalhar como recepcionista em
eventos e também as dispostas a “acompanhar clientes VIPs” e “fazer
atendimento em hotéis e pousadas”. Com o título “Job Campos do Jordão – 8
vagas ficha rosa e 10 vagas ficha branca”, a agência pede envio de
material fotográfico sem maquiagem ou alterações feitas pelo photoshop e
lembra que os cachês para fichas rosa começam em 1.500 reais.
Outros agenciadores pedem, ainda, modelos ficha
rosa para um trabalho de dois dias com disponibilidade para viajar para
o interior paulista, com passagem, alimentação e hospedagem pagas em
troca de um cachê de 3.000 reais. Há quem ofereça também 1.000 reais por
duas horas para um “novo cliente em São Paulo”, sem a necessidade de
experiência prévia e sob a promessa de ser “tudo bem discreto, seguro e
sigiloso”.
Ficha rosa na tela da Globo
O assunto tomou fôlego recentemente com a novela
Verdades Secretas, da Globo, na qual o autor Walcyr Carrasco aborda a
prostituição de luxo no mundo da moda. O mundo das tops, por sua vez,
está urrando com o enredo e quer traçar uma linha divisória entre o
trabalho em passarelas e eventos e a atividade exercida por quem faz
parte do famoso “book rosa”, cardápio de modelos que fazem as vezes de
acompanhantes e garotas de programas.
As fichas rosa, no entanto, não se consideram
prostitutas, mas, sim, modelos que prestam serviços VIPs. O termo ficha
rosa parece, portanto, dar certo status ao trabalho da meretriz. Além
disso, muitas são meninas com curso superior, que revelam em seus perfis
do Facebook terem estudado em universidades, em geral particulares, de
prestígio ou não.
O mesmo vale para homens modelos, que quando
topam fazer além de eventos e recepções são chamados de ficha azul e
acabam compondo o “book azul”.
No Brasil, explica o promotor de justiça Everton Luiz
Zanella, a prostituição não é crime, mas facilitá-la é. “A pessoa que
pratica o comércio do corpo de forma habitual não comete crime. Comete
quem induz, atrai ou submete alguém à prostituição, impedindo essa
pessoa de abandonar a atividade e se beneficiando dela”, observou o
coordenador do centro de apoio criminal do Ministério Público de São
Paulo.
O Código Penal prevê pena de dois a cinco anos para
quem induzir ou atrair alguém para a prostituição (artigo 228), um a
quatro anos se uma pessoa tirar proveito da atividade de prostitutas
(artigo 230), dois a cinco anos para quem mantiver um estabelecimento
destinado à prostituição (artigo 229), dois a seis anos para quem
promover o deslocamento de alguém com esses fins dentro do País ou uma
punição de três a oito anos de prisão quando se tratar de um
deslocamento internacional (artigo 231).
Assim, em uma situação onde uma modelo ficha rosa é
recrutada por uma agência para realizar um trabalho em outra cidade ou
estado e ainda é obrigada a repassar parte de seu cachê como comissão, o
agenciador estará sujeito à soma das penas referentes aos três tipos de
crime: induzir à prostituição, tirar proveito dela e promover o tráfico
interno de pessoas.
Zanella explicou, no entanto, que a prostituta em si
nunca é punida. “Essas modelos ficha rosa, por exemplo, são consideradas
vítimas do crime, uma vez que são exploradas. O crime seria contra a
dignidade sexual delas”, afirmou. “Não se pune autoprostituição.
Portanto, se a própria prostituta anunciar seus serviços não estará
cometendo crime.”
Apesar de se mostrarem facilitadores, ferramentas
como o Facebook ou sites que recrutam e anunciam modelos ficha rosa,
raramente são punidos. É preciso comprovar que os administradores ou
responsáveis por esses meios têm ciência de que estão sendo negociados
ali serviços envolvendo a prostituição de terceiros.
O mesmo vale para os responsáveis por ceder o espaço
onde ocorrem grandes feiras e exposições com modelos fichas rosa.
Questionada sobre fichas rosa nos eventos realizados no Anhembi, em São
Paulo, a responsável SPTuris diz desconhecer o tema e deixa claro que “a
organização deve ser feita pela empresa locatária”, responsável pela
mão de obra contratada. Organizadores de eventos nacionais de renome,
por sua vez, responsabilizam os expositores de cada estande pelas
contratações – do buffet a garçons, atendentes e recepcionistas –,
alegando não ter como interferir nelas.
http://www.cartacapital.com.br/sociedade/ficha-rosa-2690.html
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