Por Joseph E. Stiglitz – de Bogotá-Colombia
O G-7 dominava as políticas econômicas globais; hoje, a China é a maior economia do mundo (segundo o critério de poder real de compra das moedas), com poupança cerca de 50% superior à dos EUA...
A III Conferência Internacional de Financiamento para o Desenvolvimento reuniu-se recentemente na capital da Etiópia, Adis Abeba. A conferência aconteceu num momento em que os países em desenvolvimento e mercados emergentes demonstraram capacidade para absorver produtivamente enormes volumes de recursos. As tarefas que esses países estão assumindo – investindo em infraestrutura (estradas, geração de energia, portos e muito mais), construindo cidades onde um dia viverão bilhões de pessoas e movendo-se em direção a uma economia verde – são verdadeiramente enormes.
Ao mesmo tempo, falta no mundo dinheiro que possa ser
utilizado produtivamente. Poucos anos atrás Ben Bernanke, então
presidente do Federal Reserve (Banco Central) dos EUA, falou sobre o
excesso de poupança global. Apesar disso, projetos de investimento com
elevado retorno social estavam parados por falta de fundos. Isso
continua sendo verdade hoje. O problema, à época e agora, é que os
mercados financeiros do mundo — cuja função deveria ser intermediar
eficientemente recursos de poupança e oportunidades de investimento —
fazem, ao invés disso, má alocação dos recursos e geram riscos.
Há outra ironia. A maioria dos projetos de
investimento de que o mundo emergente necessita é de longo prazo, assim
como a maioria dos recursos disponíveis – trilhões em contas de
aposentadoria, fundos de pensão e enormes fundos soberanos. Mas nossos
mercados financeiros, cada vez mais incapazes de enxergar o longo prazo,
atravancam o caminho entre as duas partes.
Muita coisa mudou nos últimos treze anos, desde que a
I Conferência Internacional de Financiamento para o Desenvolvimento
ocorreu em Monterrey (México), em 2002. Na época, o G-7 dominava as
políticas econômicas globais; hoje, a China é a maior economia do mundo
(segundo o critério de poder real de compra das moedas), com poupança
cerca de 50% superior à dos EUA. Em 2002, as instituições financeiras
ocidentais eram consideradas mágicas em gerenciamento de riscos e
alocação de capital; hoje, vemos que são mágicas em manipulação de
mercado e outras práticas enganosas.
Ficaram para trás os apelos para que os países
desenvolvidos honrassem seu compromisso de destinar ao menos 0,7% do seu
PIB para ajuda ao desenvolvimento. Algumas poucas nações europeias –
Dinamarca, Luxemburgo, Noruega, Suécia e, surpreendentemente, o Reino
Unido, em meio a sua austeridade autoinfligida – cumpriram as promessas
em 2014. Mas os Estados Unidos (que doaram 0,19% do PIB em 2014)
encontram-se muito, muitíssimo atrás.
Agora, os países em desenvolvimento e mercados
emergentes dizem aos EUA e aos outros ricos: se não vão cumprir suas
promessas, ao menos saiam do meio do caminho e deixem-nos criar uma arquitetura de economia global
que trabalhe também para os pobres. Não surpreende que os países
hegemônicos, liderados pelos EUA, estejam fazendo de tudo para frustrar
tais esforços. Quando a China propôs o Banco Asiático de Investimento em
Infraestrutura, para ajudar a destinar parte de seu excesso de poupança
para onde os recursos são extremamente necessário, os EUA tentaram
torpedear o esforço. O governo do presidente Barack Obama sofreu, então,
uma derrota doída e altamente embaraçosa.
Os EUA estão também bloqueando os caminhos do mundo
em direção a uma lei internacional sobre dívidas e finanças. Para que os
mercados de títulos funcionem bem, por exemplo, é necessário que se
encontre uma forma organizada de resolver casos de insolvência dos
países. Hoje, essa forma não existe. Ucrânia, Grécia e Argentina são
exemplos do fracasso dos acordos internacionais existentes. A grande
maioria dos países reclama a criação de um caminho para a reestruturação
das chamadas “dívidas soberanas”. Washington continua a ser o maior
obstáculo.
O investimento privado também é importante. Mas as
novas disposições de investimento embutidas nos acordos comerciais que o
governo Obama está negociando, com seus parceiros do Atlântico e
Pacífico, sugerem que qualquer investimento direto no exterior terá
agora, como contrapartida, uma acentuada limitação na capacidade dos
governos de regular o meio ambiente, a saúde, as condições de trabalho e
até mesmo a economia.
A posição dos EUA relativa à parte mais disputada da
conferência de Adis Abeba foi particularmente decepcionante. Como os
países em desenvolvimento e mercados emergentes abriram-se para as
multinacionais, torna-se cada vez mais importante que eles possam
tributar esses gigantes sobre lucros gerados pelos negócios ocorridos
dentro de suas fronteiras. Apple, Google e General Electric têm revelado
enorme capacidade de driblar tributos que excedam o que empregaram na
criação de produtos inovadores.
Todos os países – tanto desenvolvidos como em
desenvolvimento – vêm perdendo bilhões de dólares em receitas
tributárias. No ano passado, o Consórcio Internacional de Jornalistas
Investigativos divulgou informações sobre fraude e evasão fiscal em
escala global, praticadas graças às regras tributárias frouxas de
Luxemburgo, um paraíso fiscal. Talvez um país rico, como os EUA, possa
arcar com o comportamento descrito no chamado Luxemburgo Leaks, mas os
países pobres não podem.
Integrei uma comissão internacional, a Comissão
Independente para a Reforma da Tributação de Corporações Internacionais,
que examinou as possibilidades de reforma do sistema tributário atual.
Num relatório apresentado à III Conferência Internacional de
Financiamento para o Desenvolvimento, fomos unânimes em afirmar que o
sistema atual está quebrado, e que pequenos ajustes não o consertarão.
Propusemos uma alternativa – semelhante ao modo como as corporações são
taxadas dentro dos EUA, com lucros alocados a cada estado com base na
atividade econômica ocorrida dentro de suas fronteiras. Os EUA e outros
países desenvolvidos têm pressionando para fazer apenas pequenos
ajustes, a serem recomendados pela OCDE (Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico), o clube dos países mais ricos. Em outras
palavras, os países de onde vêm os fraudadores e evasores fiscais,
poderosos politicamente, deveriam conceber um sistema capaz de reduzir a
evasão fiscal. Nossa Comissão explica por que as reformas da OCDE,
ajustes num sistema fundamentalmente falho, são, na melhor das
hipóteses, simplesmente inadequadas.
Os países em desenvolvimento e mercados emergentes,
liderados pela Índia, argumentaram que o fórum apropriado para discutir
tais temas globais é um grupo já existente dentro das Nações Unidas, o
Comitê de Especialistas em Cooperação Internacional e Assuntos
Tributários, cujo status e orçamento precisavam ser elevados. Os EUA
opuseram-se fortemente: quiseram manter as coisas como no passado, com a
governança global feita pelos e para os países desenvolvidos.
Novas realidades geopolíticas demandam novas formas
de governo global, com mais voz para países emergentes e em
desenvolvimento. Os EUA prevaleceram em Adis Abeba, mas também mostraram
que estão no lado errado da história.
Joseph E. Stiglitz , é Professor universitario da Universidade de Columbia.http://correiodobrasil.com.br/como-os-bancos-tornaram-se-uma-ameaca-global/
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