Frei Fernando, Frei Betto, Frei Ivo e Frei Tito (da esquerda para a direita), durante julgamento dos dominicanos em 1971
Do Site da SMetal
O Dominicano tem mais de 60 livros publicados. Entre eles, os clássicos “Batismo de Sangue” e “Nos subterrâneos da história”.
O frade concedeu entrevista exclusiva para o setor de imprensa da SMetal:
Imprensa SMetal: O
comportamento de selfies, que se espalha pela internet, aponta para uma
sociedade egocêntrica que não consegue visualizar o entorno?
Frei Betto: Antes, muitos protestavam contra a
invasão de privacidade. Hoje, milhares promovem a evasão de privacidade…
Havia um muro que separava os territórios da vida pública e da vida
doméstica. Agora, o muro ruiu, graças às novas tecnologias eletrônicas. E
muitas pessoas se mostram em redes sociais como são de fato na vida
privada: egocêntricas, agressivas, vaidosas, preconceituosas… Em suma,
frutos do capitalismo neoliberal, cujo valor supremo é a
competitividade. Ou seja, suba pisando no próximo, reduzindo-o a seus
degraus de ascensão.
IS: Vivemos um processo de intolerância na sociedade. O ser humano está perdendo a capacidade de se relacionar?
FB: Não. É que, antes, os territórios estavam bem
delimitados: o plebeu não invade o terreno do nobre; o escravo, do
senhor; o negro, do branco; a mulher, do homem; o pobre, do rico. Agora,
com o avanço da consciência de direitos humanos (friso: consciência, e
não vivência) e dos direitos civis, as barreiras se romperam, e isso
provoca intolerância. Os do andar de cima se sentem sumamente
incomodados de terem que dividir o espaço com os do andar de baixo… Ou
seja, séculos de castas, estamentos, desigualdades sociais estão
impregnados em cada um de nós, o que nos faz reagir atavicamente, como
um animal diante de seu predador.
IS: Gostaria que o senhor
comentasse sobre o repúdio dos manifestantes às instituições e
entidades, ignorando a trajetória e contribuições delas, como é o caso
da própria CNBB, que assina o projeto pela reforma política.
FB: Essa gente “pensa” com o fígado, e não com a
razão. E sem memória histórica. Mas a culpa não é só deles. É do
governo, que promoveu inclusão econômica e deixou de lado a inclusão
política. E da educação, que não forma os educandos com consciência
histórica.
IS: Na visão do senhor há algum movimento que esteja pensando em um novo projeto de sociedade para o país?
FB: Muitos movimentos sociais, como o MST e o MTST,
estão na linha de pensar um novo projeto para o Brasil. Mas,
infelizmente, órfãos de um partido que transforme isso em projeto
político viável a curto prazo. Há tentativas louváveis de formação de
frente de esquerdas. Costura que não é fácil, pois não há um alvo
inimigo concreto, como na ditadura e, apesar de tudo, ruim com Dilma,
pior sem ela…
IS: Nessas manifestações da
direita diversos cartazes são exibidos pedindo retorno dos militares no
poder. Falta arte e utopia aos jovens?
FB: Convém na confundir as viúvas da ditadura com
os jovens, embora haja jovens entre elas. Mas faltam arte e utopia a
muitos jovens. Infelizmente o PT no governo criou uma nação de
consumistas, e não de cidadãos.Porque não se dedicou à sua proposta mais
original: organizar a classe trabalhadora.
IS: Não é difícil encontrar
depoimentos de trabalhadores fazendo discurso contra trabalhadores
(pessoas pobres). A identidade do Brasil sempre foi tema estudado pelos
intelectuais como Darcy Ribeiro e Sérgio Buarque de Holanda. O
consumismo atrapalha o sentimento de pertencimento de classe?
FB: Sim, o consumismo é a ideologia do
neoliberalismo. Forma de acelerar a apropriação privada do capital. Por
isso, todos os produtos têm prazo de validade muito curto. Tudo é
reciclável ou descartável. Até as relações humanas… A consciência de
classe é algo muito difícil de se formar. Exige um trabalho político
muito intenso, que raros movimentos sociais e sindicatos fazem. Penso
nos camponeses alemães incorporados ao Exército Nazista. Sentiam-se
orgulhosos de lutar por uma Alemanha hitlerista…
IS: Em 1998, o senhor escreveu o
artigo “Para que votar?”, no qual afirmou que a ‘apatia coletiva é
grave sintoma para a saúde da democracia. A indiferença do eleitor
inviabiliza a diferença na política’. Hoje, o que se percebe é uma
hostilização a qualquer movimento/mobilização que defenda os desvalidos e
assalariados. O contexto dos dias atuais é de uma ‘partidarização’
elitista?
FB: Enfim, a direita “saiu do armário”. Eu mesmo
fui agredido por ela nos lançamentos, no Rio e em Belo Horizonte, de
meus livros PARAÍSO PERDIDO – VIAGENS AOS PAÍSES SOCIALISTAS e UM DEUS
MUITO HUMANO – UM NOVO OLHAR SOBRE JESUS.
Todos os que, historicamente, defenderam os direitos dos pobres sofrem
todo tipo de violência da parte dos que não abrem mão de serem os unidos
de posse da riqueza social.
IS: O senhor foi preso na
ditadura civil militar. Pode-se fazer alguma comparação com 1964, em
relação à caça aos militantes da época – com a ajuda da imprensa?
FB: O velho Marx já dizia que a ideologia de uma
sociedade é a ideologia da classe que domina esta sociedade. O que
lamento é o PT, em mais de uma década de governo, não ter feito a
regularização da mídia. Hoje, somos vítimas de nossos próprios erros.
IS: Ainda está longe um Brasil soberano? Quais são as expectativas do senhor?
FB: Minha expectativa é que o que resta de esquerda
– e resta muito pouco – se reorganize melhor em função da defesa dos
direitos dos pobres e das mudanças estruturais de que o Brasil tanto
necessita.
http://negrobelchior.cartacapital.com.br/frei-betto-hoje-somos-vitimas-de-nossos-proprios-erros/
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