- Ignacio Ramonet: maior batalha da esquerda na América Latina é contra 'golpe midiático'
- Quanto a emissora Telesur, o jornalista francês do Le Monde falou sobre comunicação e avanço popular na região
por Pedro Aguiar de Quito/Equador - Sociedade e Liberdade de Expressão
O maior confronto
enfrentado na América Latina atualmente é “a batalha midiática”, desde pelo
menos o ano de 2002, quando a tentativa frustrada de derrubar o governo na
Venezuela deu início a um novo tipo de golpe de Estado, o “golpe midiático”,
transferindo aos meios de comunicação privados o papel de partido político nas
oposições aos governos.
A avaliação foi feita
pelo jornalista e professor Ignacio Ramonet, ex-editor do jornal Le Monde
Diplomatique, quando esteve no evento “Comunicação e
Integração Latino-Americana”, realizado no Equador há algum tempo.
Organizado pelo
Ciespal (Centro Internacional de Estudos Superiores da Comunicação para a
América Latina), foi comemorado na ocasião os dez anos
de fundação da Telesur, canal multinacional de televisão mantido por
diversos governos da região. Fundada por iniciativa de alguns países, três anos após o
golpe fracassado na Venezuela, a emissora nasceu com o papel de promover uma alternativa na
cobertura das notícias latino-americanas, feita por jornalistas e comunicadores
da própria região.
Agência Andes
(arquivo/2012)
Ex-editor do 'Le Monde Diplomatique', Ignacio Ramonet é jornalista e professor espanhol radicado na França
Ex-editor do 'Le Monde Diplomatique', Ignacio Ramonet é jornalista e professor espanhol radicado na França
“Nos últimos 15 anos,
todos os governos progressistas que chegaram ao poder democraticamente na
região vêm sendo mantidos por via eleitoral. Nenhum deles foi derrotado nas
urnas. Por isso, a resistência à mudança vem sendo cada vez mais brutal,
apelando para novos tipos de golpes, alguns com fachada judicial, parlamentar,
e sempre com forte ajuda da mídia”, disse Ramonet, lembrando os casos do
Paraguai, Honduras e investidas recentes no Equador, Argentina e no Brasil.
Ao lado de Ramonet, a
presidente da empresa, Patricia Villegas, lembrou que as principais coberturas
do canal até agora foram justamente em países que não participam do consórcio,
como a campanha militar contra a guerrilha das FARC (Forças Armadas
Revolucionárias da Colômbia) e o golpe contra o presidente Manuel Zelaya, em
Honduras, em 2009.
“Naquele momento, o
mundo só pôde acompanhar o que acontecia em Honduras, minuto a minuto, graças
ao sinal da Telesur. Porque as emissoras privadas globais ou não estavam lá, e
as que estavam preferiam ignorar”, disse.
Para Ramonet, o grande mérito da Telesur ao longo dessa década foi oferecer
“uma outra leitura” sobre os acontecimentos da América Latina e do mundo,
fugindo das perspectivas de redes privadas como CNN, Fox News, Rede
Globo, Rede Record, Jornal Folha, Jornal Estadão, Revista Veja, Jornal New York
Times, Jornal El Clarin entre outros
que, para ele, seguem praticamente a mesma linha midiática.
“Estou convicto de
que a CNN vai desaparecer, não por falta de capital, mas por falta de
audiência”, previu Ramonet, para a
plateia de jornalistas, intelectuais e estudantes reunida no auditório
equatoriano. “A Telesur não tem concorrência. Esse é o sonho de qualquer canal.
Porque as outras fazem mais ou menos a mesma coisa”, deixando de utilizar a criatividade e o bom senso.
'Convergência
digital'
Segundo o jornalista
— que é espanhol mas vive radicado na França desde 1972 —, a maior mudança na
comunicação nos últimos dez anos foi a integração das várias plataformas, a
chamada “convergência digital”: smartphones, tablets e computadores, que
tiraram da televisão o posto de tela principal da mídia. E, se antes as
inovações tecnológicas estouravamapareciam primeiro nas cidades ricas da Europa e dos
EUA, aponta Ramonet, agora já são disseminadas simultaneamente nas grandes
metrópoles da América Latina, Ásia, Índia, China e de outras regiões em desenvolvimento.
“As novas plataformas
abandonam a continuidade que obrigava o espectador a assistir tudo linearmente;
agora ele pode ver o que quiser, na ordem que quiser. Os canais que se
adaptarem melhor são os que têm mais chance de sobreviver”, aponta.
Patricia Villegas
enfatizou que a adaptação às novas plataformas é uma de suas maiores
preocupações da Telesur. “Não adianta fazer conteúdos-espelho ou replicar informações, que se repetem
de forma idêntica na TV, na web, no Facebook, no Twitter, no Google. Os
conteúdos precisam ser complementares e diferentes, porque o público procura formas diferentes de informação”, disse ela.
Divulgação/Ciespal
Congresso 'Comunicação e Integração Latino-Americana' em Quito, capital equatoriana
Congresso 'Comunicação e Integração Latino-Americana' em Quito, capital equatoriana
A Telesur celebra
também o início da produção de conteúdos em inglês. “Não estamos
traduzindo informações, mas produzindo diretamente em inglês”, enfatizou
Patricia Villegas. Segundo ela, a entrada na esfera anglófona sinaliza a
intenção da empresa em ampliar sua presença global. Por enquanto restrita ao
site e às redes sociais, a Telesur em inglês iniciou transmissões também como canal de televisão, com sede em Quito no Equador.
Sul geopolítico
“Na América Latina,
vários intelectuais e lideranças políticas têm o vício de só ver a relação
regional com o 'gigante do norte', os Estados Unidos. Mas também é extremamente
importante considerar nossa relação com a China, a África, o Oriente Médio. A
Telesur tem a tarefa de transportar a missão progressista da América Latina
para o resto do mundo”, disse Ramonet.
Justamente por isso,
Villegas diz que o canal continua expandindo seu universo de pautas para outras
regiões, como o ataque da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte, e mais recentemente na crise
financeira da Grécia, quando o canal enviou jornalistas para Atenas e investiu
na cobertura ao vivo. “Às vezes perguntam aos nossos repórteres: 'O que vocês
estão fazendo aqui?'. Estamos aqui porque a nossa ideia de 'sul' não é apenas
geográfica, mas principalmente geopolítica. Enxergamos a informação como um
serviço, e não como mercadoria”, além de esclarecer a atual situação econômica mundial, a geopolítica dos países participantes dos Bric's, as guerras na Ásia e África, imigração para a Europa, entre outros assuntos da atualidade mundial.
“Durante muito tempo
na América Latina, o jornalismo era um privilégio das emissoras privadas, e as
TVs públicas ficavam relegadas à programação educativa, cultural e folclórica.
Daí a importância de investir em produzir informação numa tela pública e educativa. Não se
trata de um monólogo do Estado, mas de dar voz também aos grupos comunitários,
como indígenas e afrodescendentes, contra a folclorização dessas comunidades”,
concluiu Patricia Villegas.
Da teoria à prática
“É fundamental a
teoria que reflete sobre a prática para dar-lhe sentido e compreender melhor a
realidade para fazer diferente”, comentou Ramonet.
O diretor do CIESPAL,
o espanhol Francisco Sierra, refletiu a tentativa de
descrédito sobre a Telesur e outras mídias públicas, assim como contra as
iniciativas de regulação e democratização da mídia pelos governos da “guinada progressista”, lembrou o ataque da mídia privada feito contra a campanha da
Nova Ordem Mundial da Informação e Comunicação (NOMIC) e o Relatório MacBride
da Unesco (Órgão da ONU para Educação, Ciência e Cultura), entre os anos 70 e
80.
Ele recordou o legado
do comunicólogo boliviano Luis Ramiro Beltrán (falecido), que
não apenas teorizou sobre a comunicação latino-americana, mas ajudou a promover
fóruns e encontros internacionais para criar iniciativas práticas de
alternativas midiáticas na região naquela mesma época. “É importantíssimo
aprendermos e nos inspirarmos com os processos de democratização da comunicação
em curso em outros países da América Latina. O congresso permite esse diálogo”,
disse Pasti ao jornal Opera Mundi.
http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/41125/ignacio+ramonet+maior+batalha+da+esquerda+na+america+latina+e+contra+golpe+midiatico.shtml
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