- A cafeína é inimiga da adenosina, essencial para o cérebro repousar
por Drauzio Varella para revista Carta Capital - Sociedade e os efeitos da cafeína
Sem
um gole de café pela manhã, sou indigente. Consigo trabalhar, falar o
essencial e até raciocinar, mas em câmera lenta. É o primeiro cafezinho
que me devolve a vontade de viver.
Um estudo recém-publicado na revista Science Translational Medicine mostra que, além das propriedades euforizantes, o café consumido à noite perturba o sono.
Até aí, minha avó sabia. O mérito de
Burke e colaboradores, da Universidade de Zurique, foi elucidar os
mecanismos moleculares por meio dos quais uma quantidade de cafeína
equivalente a dois espressos, interfere com o ciclo circadiano –
conjunto de reações do organismo que se repetem a cada 24 horas –
controlador dos períodos de sono e vigília.
A cafeína é antagonista dos receptores da adenosina, substância essencial para que o sono se instale no cérebro.
Existem dois tipos de receptores
cerebrais para a adenosina: o primeiro é considerado inibidor de sua
ação (portanto, do sono), enquanto o outro é facilitador.
A quantidade média de
cafeína ingerida por qualquer um de nós diariamente é suficiente para
antagonizar até 50% de ambos os receptores, ação que nos deixa mais
alertas, combate a fadiga, prolonga o tempo de vigília e reduz a
profundidade do sono.
Como dormir é essencial para a saúde e a
qualidade de vida, os ciclos de sono e vigília são regulados por uma
sintonia fina existente entre os processos homeostáticos e os
circadianos.
A necessidade homeostática de sono
acumula-se no decorrer do dia e dissipa-se enquanto dormimos, já o
relógio circadiano determina a hora de pegar no sono.
O marcador mais preciso para avaliar a
necessidade de sono são as ondas lentas (ondas delta) que aparecem no
eletroencefalograma, com frequências de 0,75 a 4,5 hertz. Como a cafeína
atenua a atividade dessas ondas e bloqueia os receptores da adenosina,
sua influência na homeostasia do sono havia sido sugerida há vários
anos. O grupo de Burke investigou se ela também afeta o relógio
circadiano.
Usando um protocolo rígido por um período
de 49 dias, os autores quantificaram o efeito de 200 miligramas de
cafeína, ingeridas três horas antes de ir para a cama, na produção de
melatonina, o hormônio que controla o ritmo circadiano de diversos
processos, entre os quais o de sono-vigília. Verificaram que a cafeína
atrasa 40 minutos no ritmo da melatonina, quase a metade do retardo
causado pela exposição à luz brilhante.
Os autores concluem que as alterações
provocadas pela cafeína nos mecanismos que regulam o relógio circadiano,
podem contribuir para a alta incidência de distúrbios do sono na
sociedade moderna. Além disso, a interferência da cafeína com as ondas
de baixa frequência tem efeito negativo nas funções cerebrais que
dependem da integridade dessas ondas.
Por outro lado, a cafeína pode ajudar a enfrentar o jet lag das viagens intercontinentais e os que sofrem de alguns distúrbios do ciclo circadiano de sono-vigília.
Para conciliar o prazer e as ações
benéficas do café com a necessidade de dormir, costumo evitar o
cafezinho nas oito horas que precedem o horário de ir para a cama.
http://www.cartacapital.com.br/revista/878/o-cafe-e-o-sono-995.html
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