- O aumento dos casos alimenta uma indústria de boatos e fofocas globais
por Rodrigo Martins - Sociedade e Desinformação Mundial
Fábio Motta/Estadão Conteúdo
Por enquanto, a única medida possível é intensificar a caça ao mosquito transmissor
O Ministério da Saúde confirmou a terceira morte provocada pelo zika em
adultos no Brasil. A vítima, uma jovem de 20 anos do município potiguar
de Serrinha, morreu em abril do ano passado. À época, os médicos do
Hospital Giselda Trigueiro, em Natal, acreditavam que a paciente não
resistiu a uma dengue severa, mas os exames apresentaram resultados
inconclusivos.
Com um novo vírus em circulação no País,
o Instituto Evandro Chagas, do Pará, decidiu fazer uma nova análise do
material e, desta vez, confirmou a infecção por zika. O laudo foi
encaminhado à Organização Mundial da Saúde, que havia decretado situação
de emergência internacional em decorrência da dispersão do vírus e suas
consequências, com transmissão autóctone em 24 países das Américas.
Os óbitos de adultos ampliam as
preocupações em relação ao vírus, descoberto há quase 70 anos, mas pouco
estudado até chegar ao Brasil, onde encontrou ambiente propício para se
proliferar com a carona do Aedes aegypti.
Por décadas restrito a comunidades rurais
da África e do Sudeste Asiático, o zika era considerado pouco nocivo.
Assintomático em até 80% dos casos, ele leva parte dos infectados a
manifestar febre, manchas avermelhadas pelo corpo e dores nas
articulações.
Os sintomas desaparecem em poucos dias.
Após os surtos na Micronésia, em 2007, e na Polinésia Francesa, em 2013,
descobriu-se sua relação com a Síndrome de Guillain-Barré, doença
autoimune que provoca paralisia muscular.
Somente após aportar no Brasil, o zika revelou maior potencial de danos, quando surgiram robustas evidências de ser capaz de provocar abortos e comprometer o desenvolvimento do cérebro dos fetos.
“Percebemos aos poucos
um espectro mais amplo da doença, com maior gravidade”, lamenta o
diretor do Departamento de Vigilância de Doenças Transmissíveis do
Ministério da Saúde, Cláudio Maierovitch.
Na quarta-feira 17, a pasta confirmou o diagnóstico de 508 bebês com microcefalia ou
malformação do cérebro, sendo que ao menos 41 deles tiveram exposição
comprovada ao zika. Outros 837 casos suspeitos foram descartados e 3.935
permanecem sob investigação.
Um novo estudo, publicado no periódico científico The New England Journal of Medicine,
reforça a relação do vírus com a microcefalia. O trabalho relata o caso
de uma gestante eslovena, infectada pelo zika em Natal.
A mulher retornou à Europa e recorreu a um aborto,
após exames revelarem que o feto tinha circunferência cefálica reduzida
e calcificações em diferentes áreas do cérebro. Após a autópsia,
pesquisadores fizeram o sequenciamento completo do vírus, encontrado nas
estruturas cerebrais.
Pouco antes do Carnaval, pesquisadores da Fiocruz
detectaram a presença do vírus zika ativo, com potencial de infecção, em
amostras de saliva e urina. Liderado por Myrna Bonaldo, chefe do
Laboratório de Biologia Molecular de Flavivírus, o estudo não é
conclusivo sobre a possibilidade de contágio pelo contato com os fluidos
corporais.
“Temos de ter muito cuidado porque o fato de você detectar
partículas viáveis não necessariamente indica que elas vão ter um papel
importante na transmissão.” Por precaução, a Fiocruz orientou as
gestantes a evitar aglomerações, bem como o uso de talheres e copos
compartilhados.
As dúvidas sobre a dimensão
dos danos causados pelo zika alimentam as especulações de boicote às
Olimpíadas do Rio de Janeiro. O presidente do Comitê Olímpico do Quênia,
Kipchoge Keino, ameaçou não levar atletas para a competição.
Toni Minichiello, treinador da atual campeã do heptatlo, a
britânica Jessica Ennis-Hill, defendeu que a Grã-Bretanha retire seu
campo de treinamento do Brasil. Coube a Bernd Wolfarth, chefe da
Confederação Alemã de Esportes Olímpicos, defender maior cautela.
Segundo ele, o surto precisa ser monitorado, mas não ameaça os Jogos.
Para o infectologista Rivaldo Venâncio, diretor da Fiocruz
em Mato Grosso do Sul, é um equívoco responsabilizar a Copa de 2014
pela entrada do zika no Brasil, bem como difundir a tese de que as
Olimpíadas irão alastrar a epidemia.
“Milhões deslocam-se todos os dias de um canto para o
outro, em viagens a trabalho ou por lazer. Não há como parar o mundo.
Temos de nos concentrar no vetor conhecido, o Aedes aegypti. Onde
o mosquito estiver, pode haver surtos de dengue, chikungunya e zika. Da
mesma forma, por onde o zika circular, poderá ocorrer um grande aumento
dos casos de malformação do cérebro de bebês.”
Recentemente, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva publicou um manifesto com críticas às estratégias de combate ao vetor no País.
“Sem fazer os investimentos necessários
para universalizar o saneamento básico, a oferta de água tratada e a
coleta de lixo, as autoridades, demagogicamente, apelam para o uso de
inseticidas e larvicidas. É temerário, pois os mosquitos estão ficando
mais resistentes e a população, exposta ao risco de intoxicação”,
explica Gastão Wagner de Souza Campos, presidente da entidade e
professor do Departamento de Medicina Preventiva da Unicamp.
“Mobilizar a população para eliminar os criadouros é importante, mas não suficiente. O Aedes
também se reproduz fora das residências. E não há integração entre
municípios, estados e União, o que impede a implementação de ações
sincronizadas.”
Com o vetor fora de controle, as autoridades buscam
acelerar as pesquisas para uma vacina. O Instituto Butantan trabalha em
parceria com o National Institutes of Health, dos Estados Unidos, para
disponibilizar a imunização em três anos. Antes disso, os pesquisadores
brasileiros esperam criar um soro para tratar os infectados.
A ideia é inocular em cavalos o vírus inativo, para depois
separar os anticorpos produzidos pelo animal. “Esperamos que o soro
seja capaz de neutralizar a ação do zika, sobretudo nas mulheres
gestantes”, diz Jorge Kalil, diretor do Butantan. “O desenvolvimento
deve demorar de um a dois anos, mas é apenas uma expectativa. Não tenho
como prever os percalços que teremos.”
*Uma versão desta reportagem foi publicada
originalmente na edição 888 de CartaCapital, com o título "Medalha de
ouro da desinformação"
http://www.cartacapital.com.br/revista/888/medalha-de-ouro-da-desinformacao
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