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Os problemas apontados por Saramago mostram que
o ser humano não percebe o real ao seu redor
Saramago foi um dos
últimos autores a colocar o dedo na ferida de uma sociedade doente e
manipulada. Em “A Caverna”, percebe-se uma crítica que vai além da alegoria do
mito da caverna de Platão. A massificação da arte, por exemplo, é um aspecto
abordado pelo autor português, que nos alertou a partir do personagem Cipriano
Algor, um oleiro, que até mesmo o artesanato está sendo substituído por
máquinas. Por que deixamos de valorizar um trabalho singular e consumimos cada
vez mais produtos comuns e sem valor humano?

Quando foi a última vez
que você comprou um produto feito a mão? Não me refiro a uma peça de arte cara
adquirida em alguma galeria, mas sim um artesanato feito por um artesão de rua.
A arte nos dias atuais vem perdendo cada vez
mais espaço e vem cada vez menos sendo valorizada, não somente no artesanato,
como também na literatura e no cinema.
Em “A Caverna”, do autor português José
Saramago, temos como personagem principal um oleiro chamado Cipriano Algor. Ele
é a representação da arte que vem sendo substituída por máquinas no mundo
atual.
O enredo do romance é bastante simples: Cipriano
Algor é oleiro, pai de Marta Algor que é casada com Marçal Gacho. Os três moram
em uma pequena casa no interior, longe do centro comercial. A rotina do oleiro
Cipriano é levar de carro Marçal (que trabalha no centro) ao centro comercial,
voltar para a sua casa no interior e trabalhar na olaria, junto com a sua filha
Marta. Quando Marçal tem folga do trabalho, Cipriano volta ao centro comercial
para buscar o genro. A rotina da vida das personagens é modificada, a partir do
momento que o centro comercial para de encomendar os objetos de cerâmica
produzidos pela família e Marta fica grávida de Marçal. José Saramago mostra
principalmente a visão de Cipriano Algor, pai de Marta, a respeito da falta de
interesse do centro comercial em seus produtos de cerâmica e a única
alternativa para continuar a ter um lar: viver com a filha e com o genro no
centro comercial. Uma das soluções encontradas pela família para o sustento é a
produção de outro tipo de objetos de cerâmica: bonecos. Talvez, esse seja um
dos elementos utilizados por Saramago para destacar um dos aspectos que tornam
a arte cada vez mais desvalorizada. A partir da criação de centenas de bonecos,
José Saramago nos mostra defeitos, rachaduras e pedaços que faltam em muitos
deles, que podem servir como uma metáfora de nós mesmos, já que quando um
boneco apresenta algum tipo de defeito, ele é logo substituído por outro em
perfeitas condições, assim como nós somos substituídos pelas máquinas. Além
disso, acompanhamos a trajetória de um homem que vivia da arte e é forçado a se
mudar para um centro comercial. Existe derrota maior do que essa para um
artista?

Os problemas apontados por Saramago mostram que
o ser humano não percebe o real ao seu redor. Como perceber então o que
realmente tem valor artístico? Isso ocorre não somente pelas inúmeras imagens
que o homem é submetido diariamente nas ruas, na televisão ou na internet, como
também pela alienação do ser que o afasta daquilo que é real. No mito da
caverna, Platão aponta para a criação de uma alegoria moderna a respeito das
indagações do ser humano enquanto elemento transformador da sociedade e dele
próprio. A alegoria proposta por Saramago sugere e possibilita diversas formas
de se pensar na problemática do simulacro (imagens que inventam a realidade a
partir de uma realidade inexistente) na vida e na arte.

Ao exaltar a arte como criação, o autor português
denuncia a marca aurática do artesão/artista, reveladora de gesto mimético
singular, apontando o ser humano como principal elemento transformador da
sociedade, por meio da criação artística contestadora e crítica.
Mas como diferenciar a arte real da arte
simulada? É preciso antes de responder essa pergunta, reconhecer o que nós
estamos enxergando exatamente nas sombras da realidade nas paredes de nossa
imensa caverna. Precisamos antes de tudo reconhecer o simulacro antes de
reconhecer o real.
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