Por Alex Solnik, para site Brasil247 - Sociedade e Movimentos Sociais e Poder (fonte no final)
Guilherme Boulos é coordenador nacional do MTST.
Foto:
Guilherme Santos/Sul21
O MTST
irá às ruas se Lula for preso? “Uma prisão arbitrária do Lula não é um ataque
apenas ao Lula. É uma declaração de guerra. Evidente que vai gerar reações”.
Brasil247
– A relação de vocês com a Dilma já era difícil. E agora, com Temer, vai
existir alguma relação?
Boulos
– O MTST sempre prezou por
manter uma rigorosa autonomia política em relação aos governos. Nunca foi um
movimento do PT. O MTST fez uma série de mobilizações de enfrentamento aos
governos petistas quando a pauta do movimento não era atendida. Evidentemente
que esse cenário, com a consumação do golpe institucional, você tem um governo
que apresenta uma ofensiva maior aos trabalhadores e isso reforça a necessidade
de luta social. A relação do MTST com os governos é uma relação de luta social.
Evidentemente que o MTST negocia programas habitacionais, sua pauta específica,
mas faz isso respaldado e rastreado na mobilização social.
Brasil247
– Se Lula for preso vocês vão pra rua?
Boulos
– Uma prisão arbitrária do
Lula não é um ataque apenas ao Lula. Alguns dias depois da condução coercitiva
do Lula, em março, aconteceu um fenômeno, muito localizado, mas que me chamou
atenção. Numa ocupação do MTST na Zona Sul de São Paulo, a polícia foi, fez uma
abordagem, começou a agredir as pessoas e um dos policiais que estava
comandando falou “vai lá, chama Lula agora”! Qual é o simbolismo disso? “Se nós
estamos fazendo isso com o Lula, o que não vamos fazer com vocês”?! Fazem isso
com um cara que foi tido em qualquer pesquisa como o melhor presidente da
história do país, que saiu com uma popularidade incrível, ex-presidente da
República duas vezes…então, uma prisão arbitrária do Lula significa um avanço
no sentido dos ataques, na nossa opinião, ao movimento social, inclusive.
Evidente que vai gerar reações.
Brasil247
– Você acha que a prisão dele seria uma espécie de declaração de guerra?
Boulos
– Olha, são tantas as
declarações de guerra… eu acho que essa é mais uma… a PEC 241 é uma declaração
de guerra… a reforma da Previdência é uma declaração de guerra…os vários gestos
de criminalização dos movimentos são declarações de guerra. Essa é mais uma.
Brasil247
– O que aconteceu com o PT? Por que o PT trilhou esse caminho que deu no que
deu?
Boulos
– Eu acho, Alexander, que
foi uma escolha que foi sendo construída ao longo do tempo, não foi uma decisão
numa encruzilhada. Ocorreram várias encruzilhadas nessa história. O PT nasce
como uma inovação – partido vindo das lutas sociais – nasce a quente. Resultado
das greves, das comunidades eclesiais de base, movimentos urbanos, movimentos
rurais, esse caldo forma o PT. E, pouco a pouco, ao longo dos anos 90, o PT
constrói o entendimento de que o centro da sua política e da sua estratégia é a
disputa institucional, particularmente ganhar a presidência da República. Até
aí eu não vejo que esse seja o grande problema. O problema é que isso foi
dissociado das lutas e mobilizações. Se entendeu que era necessário, para ser
aceito no jogo eleitoral, abrir mão de ferramentas mobilizatórias que eram a
própria origem do PT. Era a sua substância, aquilo que ele tinha de mais
poderoso. Quando chega ao governo depois das eleições de 2002 já
chega mediante essas escolhas, esses pactos. E a estratégia que estabelece a
partir de 2003, 2004 é uma estratégia de tentar governar sem conflitos. Ao
mesmo tempo que é verdade – e isso precisa ser reconhecido como mérito dos
governos petistas – que houve aumento progressivo do salário mínimo, houve
crédito popular, houve a formação de uma série de programas sociais importantes
para o povo mais pobre, ou seja, que o andar de baixo ganhou, é também verdade
que isso foi feito sem mexer com nenhum privilégio do andar de cima. Foi feito
sem pautar as reformas estruturais e populares que seriam o centro dessa
estratégia de esquerda: reforma tributária, reforma urbana, reforma agrária, o
tema da dívida pública, democratização das comunicações, democratização do sistema
político. A lógica da governabilidade junto aos setores conservadores que
mantiveram o controle do Parlamento tão enraizados no estado brasileiro
significou abrir mão de pontos fundamentais. Aí poderia se perguntar: mas
poderia ser de outro jeito? Como poderia ter sido feito diferente? É evidente
que é preciso construir condições de governabilidade, uma vez que se chega ao
governo. Mas restringir essa governabilidade a aliança parlamentar com os
partidos conservadores é você despotencializar o seu projeto político.
Governabilidade também se constrói – e há várias experiências políticas que
mostram isso – nas ruas, se constrói mobilizando, estimulando as forças
sociais, inclusive a pressionar o Parlamento e construir um polo que dê
condições ao governo de tomar medidas mais à esquerda. Foi uma sucessão de
escolhas que levou à situação em que estamos hoje. E, de algum modo, o golpe
representa a ruptura da própria burguesia, que não deixou de ganhar nesses
governos, ao contrário, ganhou muito com esse pacto. Foi o momento em que a
burguesia acredita que está forte o suficiente para não precisar mais da
conciliação. E pode vir com um programa de espoliação mais radical…
Brasil247
– E ela também percebeu que o governo perdeu o apoio popular…
Boulos
– Esse foi um ponto
decisivo. Por isso que a política de ajuste fiscal executada pela Dilma após as
eleições de 2014 tem uma responsabilidade importante no desfecho dessa
situação. Porque quando ela ganha as eleições naquele segundo turno polarizado
e muito mobilizado, inclusive, e no dia seguinte começa a aplicar o programa
derrotado, faz um ajuste, por mais que seja um ajuste que perto do que está
acontecendo agora é brincadeira de criança, mas esse ajuste fez com que a base
popular que havia eleito ela e aquele programa e ainda confiava no PT como uma
alternativa e que foi colocada na condição de ter que pagar a conta da crise,
essa base, digamos, se distancia do governo, deixa de sustentá-lo e o governo
fica numa situação flutuante, não tem mais sustentação social, ele cai para 10%
de aprovação, de popularidade. Quando a burguesia vê isso eles falam “bom, é a
hora”.
Brasil247
– Na periferia também há posições de esquerda e de direita ou são todos de
esquerda?
Boulos
– Claro que há posições.
Agora, há na sociedade brasileira em geral uma tremenda despolitização. Claro
que essa despolitização não é responsabilidade do PT, ela é secular. Agora, o
PT teve uma oportunidade de envolver as periferias, as massas urbanas como atores
sociais e não só como beneficiários. Teria possibilidade de trabalhar com essas
pessoas como foi feito em outros lugares da América Latina para que,
mobilizadas percebessem o processo como um avanço de direitos e não uma dádiva
do estado. Ou, o que é pior, dentro do registro meritocrático. Esse
enfrentamento ideológico político não foi feito. E aí é que vemos “prounistas”
que apoiaram o impeachment e foram para avenida Paulista de verde e amarelo.
Beneficiários de políticas de melhora social que não entenderam isso como parte
da política de mudança. Periferias urbanas são complexas, você vai encontrar lá
gente de esquerda, gente com pensamento de direita, você tem uma penetração
fortíssima dos evangélicos, neo pentecostais…ainda há uma força muito grande da
lógica clientelista, mas, de forma geral, hoje, na periferia predomina uma
desilusão com a política. A crise de representatividade pega fundo. No sentido
de não se perceber alternativa de mudanças. As pessoas votam, é evidente, votam
dentro da perspectiva clientelista, mas a falta de esperança de que algo possa
mudar através da política e, em especial, da política institucional é
generalizada. Não à toa que nós nas últimas eleições tivemos um número de
abstenção, de votos nulos e brancos crescente, bateu recordes históricos.
Brasil247
O que você prevê para os dois próximos anos?
Boulos – Olha, há poucas
certezas sobre os dois próximos anos. Talvez uma das mais fortes delas é que
será um período de instabilidade social no Brasil. Quando aplicaram um golpe
parlamentar da maneira como fizeram, quando guela abaixo da sociedade
brasileira impõem um programa que não foi eleito pelo povo, um programa de
retrocessos, de regressão social, isso abriu a porteira da instabilidade social
no Brasil. Essa ferida não se fecha do dia pra noite. Pode ter alguns momentos
como esse em que a reação não é tão forte, a maior parte da sociedade ainda não
entende o que está em jogo, demonstra uma certa apatia, mas vão haver momentos,
seguramente, de maior enfrentamento. É inimaginável que haja os ataques da
maneira que querem implementar e que isso se dê sem reação da sociedade. Os
próximos anos vão ser anos de turbulência no Brasil. Agora, acho que precisa
ser pontuado que a seletividade não começa com a Lava Jato e com Sergio Moro.
Porque o estado brasileiro historicamente é seletivo contra os mais pobres.
Garantias constitucionais na periferia nunca existiram. Habeas corpus?
Julgamento? Periferia é porrada da polícia, é extermínio, é abuso das prisões
preventivas, é forjar provas, forjar flagrantes. A ação da polícia na periferia
é uma ação miliciana. Não tem lei. Eles fazem a lei. A polícia brasileira é uma
das que mais mata no mundo. Só a polícia de São Paulo matou mais no último ano
do que todas as polícias americanas juntas. E tem os autos de resistência. É
extermínio. Juventude negra periférica é a que mais morre. Então, esse estado
policial e seletivo que fica agora aos olhos do país na Lava Jato não é nenhuma
novidade. Para a maior parte do povo brasileiro é regra há muito tempo.A entrevista completa poderá ser vista no endereço eletrônico:
http://www.sul21.com.br/ jornal/guilherme-boulos- prisao-de-lula-e-mais-uma- declaracao-de-guerra/
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