- Quanto o Supremo perdeu em respeitabilidade é imensurável, até por incluir o que lhe será debitado em casos gritantes de abuso de poder. Calheiros só ganhou
- Renan cria inquietações para permutá-las por conveniências suas
por Janio de Freitas, na Jornal Folha, para blog Contexto - Sociedade e Disputa Louca de Poder no Brasil
O embate entre Supremo e Senado não está encerrado. Vai até ganhar, em
breve, novos ingredientes ácidos. De imediato, arma-se uma etapa
adicional da divergência que as duas partes, e muitos mais, pensaram
encerrada com ganhos espúrios de ambas. O desacato de Renan Calheiros a
uma decisão emitida em nome do Supremo ainda tem o que render. Mas,
subjacente aos fatos visíveis, a fermentação é ainda mais ativa e
tóxica.
É mesmo problemática a assimilação de um desenlace por meio de acordo
entre o Supremo e políticos, à maneira dos conchavos parlamentares
recebidos pela opinião pública, tantos deles, com repugnância. Réu em
processo de peculato pode ser presidente da República? Collor, em um
mergulho na sensatez, responderia que não. E presidente do Supremo, cume
do Poder Judiciário, poderia ser réu de peculato? Mesmo os saqueadores
da Petrobras responderiam com o óbvio. E presidente do Congresso e do
Senado?
Ah, todo aquele que não queira repetir Calheiros, e desacatar decisão do
Supremo, dirá que o cargo e réu de peculato são compatíveis. É o que
seis ministros do Supremo, contra três, informam ao país.
O afastamento de Calheiros seria um fato sem arestas se, nada mais que
isso, ele o acatasse e recorresse ao próprio Supremo. Seu desafio à lei e
ao Judiciário exacerbou a tensão do país entregue a um governo obtuso e
inconfiável. Nas circunstâncias, seria compreensível alguma concessão
política para desatar o novo nó. Nunca, porém, concessão do Supremo.
Seus ministros têm os encargos de guardiães da Constituição. E contra a
Constituição nenhuma concessão é admissível. Esta mesma é a razão de
ser do Supremo.
Mais extravagante é que a concessão transportava vantagens para
Calheiros e para o Judiciário. A presidente do Supremo, Cármen Lúcia, já
expôs sua repulsa ao projeto, criado por Calheiros e por ele posto na
iminência de votação, contra abuso de autoridade. O grupo da Lava Jato e
várias associações de juízes repelem o projeto. A omissão do Supremo,
na aplicação das exigências convencionais para o cargo de presidente do
Congresso e do Senado, levou ao pronto recolhimento do projeto por
Calheiros. O seu método de ação é, desde sempre, o de criar inquietações
para permutá-las por conveniências suas.
Sabe-se de alguns participantes de conversas com um lado ou com outro,
mas não se sabe como as coisas se passaram. Apenas coincidência de
generosidade mútua não é crível. Quando Cármen Lúcia subverteu a ordem
dos votantes no Supremo, para que o decano Celso de Mello lançasse uma
tese, ficou evidente a existência de uma combinação entre ministros. A
favor de Calheiros, como o decano logo confirmaria.
Há, porém, um outro indício. Mais valioso porque sugere que o então
destituído presidente do Congresso sabia o que o Supremo lhe reservava.
Com o sigilo possível e em paralelo à sessão do Supremo, o líder do
DEM, Ronaldo Caiado, apresentou um requerimento no Senado subscrito por
vários senadores. Ato requerido: retirada de pauta do projeto contra
abuso de autoridade. Efeito esperável: uma iniciativa do DEM
desvincularia a retirada do projeto e a já falada existência de um
acordo para vantagem mútua.
Mútua, mas não equilibrada. Quanto o Supremo perdeu em respeitabilidade é
imensurável, até por incluir o que lhe será debitado em casos
gritantes de abuso de poder. Calheiros só ganhou. O Senado em breve
terá pela frente as associações de magistrados, que já reclamam –com
razão– de perdas que as "reformas" de Temer querem impor, inclusive,
aos juízes. E ainda há a ameaça extra: a fúria de Gilmar Mendes, que,
ao voltar do "tour" sueco, não verá no Senado o projeto do qual é
inspirador e patrono.
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