Os magistrados que integram a AJD querem enfrentar o processo de
criminalização dos movimentos sociais, no qual o Poder Judiciário exerce um
papel fundamental
por Marco Weissheimer para
Sul 21 - Sociedade e Justiça Ativista
Em 2001,
o então juiz da 1a. Vara Cível de Passo Fundo, Luís Christiano Enger
Aires, rejeitou um pedido de reintegração de posse feito pelo proprietário da
fazenda Rio Bonito, em Pontão, região norte do Rio Grande do Sul, permitindo a
permanência de 500 famílias do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
(MST) que tinham ocupado a área de 2.800 hectares. Em sua decisão, o juiz
argumentou que havia a necessidade de avaliar a produtividade da fazenda. Bombardeada
pelo setor ruralista e seus aliados, a decisão expôs uma corrente de pensamento
minoritária no Judiciário, mas que se articulou na época e promoveu, entre
outras atividades, diversas edições do Fórum Mundial de Juízes, no âmbito do
Fórum Social Mundial.
Luís
Christiano Enger Aires integra a Associação Juízes para a Democracia (AJD),
criada em 13 de maio de 1991, na Faculdade de Direito da Universidade de São
Paulo (USP), com o objetivo de “reunir institucionalmente magistrados
comprometidos com o resgate da cidadania do juiz, por meio de uma participação
transformadora da sociedade, num sentido promocional dos direitos
fundamentais”, como afirma o site da entidade. Após um período de
desarticulação no Rio Grande do Sul, a Associação Juízes para a Democracia está
se reestruturando no Estado. Uma de suas primeiras atividades públicas foi
organizar uma visita de juízes, juízas, procuradores, advogados e estudantes de
Direito a um acampamento do MST, em Charqueadas, e a dois assentamentos do
movimento, um em Charqueadas e outro em Eldorado do Sul. Participaram da visita
oito juízes e juízas (seis estaduais, um do trabalho e uma federal), uma
promotora, uma procuradora do Estado, dois advogados e uma advogada da Rede
Nacional de Advogados Populares (Renap).
A visita
foi a primeira atividade de uma série de encontros e debates que a AJD pretende
promover ao longo de 2017. A próxima, programada para o mês de maio, será
um debate sobre a relação entre os movimentos sociais e a democracia. Os
magistrados que integram a AJD querem enfrentar o processo de criminalização
dos movimentos sociais, no qual o Poder Judiciário exerce um papel fundamental.
“Há uma formação dos magistrados que os afasta das realidades vividas pelos
movimentos sociais. A elaboração teórica a respeito dos direitos não se
preocupa, necessariamente, com o exame das necessidades das pessoas e de
realidades que, muitas vezes, se opõem a essa conformação legal”, assinala
Christiano Enger Aires.
Para o
juiz, essa questão aparece de modo exemplar no debate sobre o tema da
propriedade. “A Constituição de 1988, seguindo uma tradição que já vinha de
constituições anteriores, estabeleceu que toda propriedade precisa
cumprir uma função social. Isso, porém, não costuma ser examinado nos debates
que ocorrem na esfera judicial. Esse debate, na maioria das vezes, preocupa-se
fundamentalmente com o aspecto formal da apropriação da terra e do solo urbano,
sem levar em conta se está sendo cumprido o critério da função social. Neste
contexto, como o Judiciário, teoricamente, foi criado para resolver conflitos
no interior de uma sociedade supostamente estabelecida dentro de uma ordem, os
movimentos sociais acabam funcionando como um fator de desestabilização dessa
ordem”, avalia.
Em função
disso, acrescenta, os movimentos sociais não são percebidos no debate judicial
sob um aspecto positivo que é a luta pela reivindicação de direitos, mas sempre
por um viés negativo. “Isso significa que são vistos sempre como descumpridores
da lei que precisam ser reprimidos. Não são compreendidos e muito menos têm as
suas reivindicações reprimidas. O que estamos propondo não é dar um cheque em
branco para os movimentos sociais, mas sim tentar entender qual é a lógica que
rege suas ações e avaliar, sob a ótica do Direito, se é possível atender essas
demandas. A visita que fizemos aos assentamentos e acampamentos do MST não é
apenas uma visita de solidariedade. Queremos discutir a questão da
criminalização dos movimentos sociais e ter elementos concretos sobre essa
realidade para orientar futuras decisões em ações que sejam levadas ao Judiciário”.
A
Associação Juízes para a Democracia, conclui, tem uma preocupação muito
concreta a respeito dos direitos humanos e de como isso deve ser efetivado por
conta das promessas da Constituição de 1988. “Há uma possibilidade bastante
concreta de nós avaliarmos um conflito no qual esses movimentos estejam
envolvidos nesta luta pela concretização de direitos humanos”.
A visita
realizada no dia 4 de março, na região metropolitana de Porto Alegre,
apresentou diversas facetas da realidade vivida por pequenos agricultores sem
terra em todo o país. Além da vida nos acampamentos e nos assentamentos, os
convidados puderem presenciar outro fenômeno que ressurgiu nos últimos meses
com o agravamento da crise econômica, o aumento do desemprego e o desmonte de
políticas sociais: a volta dos acampamentos na beira de estradas. A combinação
da política de criminalização dos movimentos sociais com o aumento da exclusão
pode criar um ambiente explosivo ainda em 2017, avaliaram os visitantes.
http://www.sul21.com.br/jornal/juizes-para-a-democracia-retomam-atividades-no-rs-e-preparam-debates-com-movimentos-sociais/
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