"Supremo deveria ter tido postura mais
cuidadosa, que permitisse garantir direitos" em ambos os casos, diz
pesquisador
por Rafael
Tatemoto para Rede Brasil de Fato - Sociedade e Justiça Inoperante
Moreira Alves, ex-ministro o Supremo indicado por Geisel, se aposentou
apenas em 2003 no STF
Órgão máximo da Justiça brasileira, o Supremo
Tribunal Federal (STF) tem, formalmente, a função de guardar a Constituição do
país. Mas, na prática, a corte também desempenha um papel político que por duas
vezes esteve relacionado, se não diretamente, tangencialmente aos processos de
desestabilização e ruptura democrática no país: no golpe de 1964 e no processo
que culminou no impeachment da presidenta Dilma Rousseff.
Em entrevista ao Brasil de Fato,
Rafael Mafei Queiroz, professor da Faculdade de Direito da Universidade de São
Paulo (USP), lembra que “no exato momento do golpe de 1964, o presidente do
STF, ministro Álvaro Ribeiro da Costa, que falava oficialmente pela corte,
apoiou a deposição do ex-presidente João Goulart. Nos jornais, ele saudou a
‘normalização constitucional’ após a posse de Ranieri Mazzilli” .
Frederico Almeida, professor de Ciência Política da
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), opina que no contexto atual, o
“Supremo entrou na lógica da [operação] Lava Jato”. E compara o papel
institucional do STF nos golpes: “Em 1964 e em 2016 o papel do STF foi de
legitimar esses processos políticos. Em qualquer um dos casos, o Supremo
deveria ter tido uma postura mais cuidadosa, que permitisse garantir direitos”.
Ele pondera que “sempre há tensão [entre Poderes]:
o que vai acontecendo é uma acomodação. O que se torna preocupante, fora desse
contexto de acomodação, é termos um processo de ruptura democrática - um
impeachment que serviu como golpe parlamentar - em grande parte alimentado por
uma estratégia judicial de desestabilização política”, crítica.
A atuação do órgão é, desta forma, pautado por uma
série de questões complexas. Para Almeida, no entanto, “há uma série de
conflitos, mas, na minha opinião, eles estão mais interessados em preservar a
própria a instituição do que garantir a Constituição e o regime democrático”.
Histórico
Durante o processo de redemocratização do país,
parte da sociedade brasileira passou também a projetar um novo papel para o
judiciário. Havia, de acordo com Almeida, um desejo de que o acesso aos
serviços judiciais fosse ampliado.
“Havia também o desejo pela
democratização tanto na organização interna - mecanismos de escolha, o poder
que as carreiras profissionais teriam para escolher seus dirigentes, quanto na
ideia de uma renovação política e cultural dentro do Judiciário", ressalta
o professor da universidade paulista.
Acontece, no entanto, que o STF permaneceu intocado
mesmo no curto período de democracia após o golpe. Isso porque, como lembra
Almeida, os “ministros nomeados pela ditadura continuaram lá. Os mecanismos de
escolha também”. Apenas em 2003 os dois últimos ministros indicados pela
ditadura que permaneciam no Supremo – Sydney Sanches e Moreira Alves- se
aposentam”, recorda.
Mafei, entretanto, relativiza o legado ditatorial
no STF durante a democracia. “Não acho que devamos superestimar o legado
específico da ditadura. O judiciário era um poder altamente institucionalizado
antes dela, tinha suas regras de funcionamento, seus hábitos, costumes e
procedimentos. O Supremo deu incontáveis mostras de como podia tomar decisões
desagradáveis ao governo militar”, ressalta. Nesse sentido, lembra que “a
Constituição de 1988 trouxe importantes modificações para o Judiciário pelo
alargamento de suas competências e pela ampliação da judicialização como um
todo”.
O cientista político da Unicamp concorda que o
funcionamento do STF mudou, ampliando suas atribuições, mas resume o novo
contexto reafirmando a ausência de democratização: “Na verdade, ele ganhou
muito mais poder, mas sem controle social. Nós temos instituições muito
autônomas e com muito poder e pouco controle”.
Almeida opina ainda que “a democratização não é de
submissão desses órgãos ao poder político eleito, tampouco de submetê-los ao
voto popular. Em certo sentido, o fortalecimento do Ministério Público, o
surgimento de causas coletivas, foi uma democratização, no sentido de ampliar
acesso e conquistar direitos. Os poderes políticos deram espaço. Eram demandas
não atendidas pelos governos e parlamentares eleitos. Mas isso foi limitado e
sem controle social e externo”.
É preciso destacar, neste contexto, a complexidade
do debate em torno do STF, como pondera Mafei. Ele lembra que mesmo durante a
ditadura o colegiado tomou medidas que desagradaram a ditadura em eventos que
geraram atritos entre julgadores e governante: “Os então governadores Mauro
Borges (Goiás) e Miguel Arraes (Pernambuco), por exemplo, foram beneficiados
por habeas corpusque
enfureceram os militares, que ensaiaram desobedecer à ordem concedida pelo STF.
Nesse contexto, o mesmo Ribeiro da Costa, que saudara o golpe contra Jango,
defendeu pública e duramente a liberdade decisória da corte. Chegou a bater
boca com Costa e Silva, então ministro da Guerra, pelos jornais”.
“Após este conflito, é possível dizer que, em
matérias mais diretamente ligadas aos conflitos políticos da época, como
liberdade de expressão e crimes contra a segurança nacional, a posição do
tribunal foi oscilante: às vezes faziam duros discursos contra abusos do
governo, mas poucas foram as decisões da corte que efetivamente causaram
constrangimentos aos militares que os obrigassem a reformar suas práticas”,
contextualiza.
Edição: Vanessa
Martina Silva
https://www.brasildefato.com.br/2017/04/01/guardiao-da-constituicao-especialistas-analisam-papel-do-stf-nos-golpes-de-64-e-16/
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