O governo quer cortar gastos
primários através da Previdência Social e se nega a diminuir os juros que paga
aos credores da dívida brasileira
por
Helena Borges* para Intercep
Brasil – Sociedade e Parlamento
Golpista
UM DOS EFEITOS colaterais mais danosos da PEC do Teto, aprovada no ano passado, tem passado despercebido nos últimos meses: ela tornou a reforma da previdência obrigatória. Por ordem da emenda constitucional aprovada, o orçamento da Previdência (assim como de demais áreas) deverá ser “congelado” por vinte anos nos níveis de 2016, sendo corrigido apenas pela inflação. O problema é que a quantidade de idosos no país vai aumentar neste período, de acordo com dados do IBGE. Ou seja, para que orçamento da previdência se encaixe no teto, será obrigatoriamente necessário limitar o valor investido em aposentadorias.
Foto: Roberto Parizotti
Segundo dados do IBGE,
entre 2017 e 2037 a população com 60 anos ou mais vai praticamente dobrar,
passando de estimados 25,9 milhões de pessoas para a ordem de 50 milhões de
pessoas. Para manter o orçamento dentro do limite aprovado — ou seja, ajustado
nos níveis de 2016 apenas pela inflação — ou o valor da aposentadoria terá de
cair ou o número de beneficiários precisará ser duramente controlado, levando a parte mais rica da população a
recorrer à previdência privada. Mais uma vez, os mais afetados serão
os mais pobres, que dependem mais dos valores pagos pela Previdência Social.
Uma vez aprovado o teto, agora
a conta tem que fechar, obrigatoriamente. Não é à toa que o governo cogitou
tomar medidas drásticas, como forçar a reforma por meio de Medidas Provisórias caso ela não
seja aprovada em votação.
Resultados da PEC do teto dos gastos públicos - o que acontece se o teto
não for respeitado?
A emenda constitucional prevê
sanções para as esferas de poder que ultrapassarem os limites de gastos. O
órgão que desrespeitar seu teto (nesse caso, a Secretaria de Previdência)
ficará impedido no ano seguinte de, por exemplo, contratar pessoal ou dar
aumento aos seus funcionários, criar novas despesas ou, no caso do Executivo —
do qual a Previdência faz parte — conceder incentivos fiscais.
Em outras palavras, ou a pasta respeita o teto, ou entra em colapso. Acontece
que o limite imposto é tão conservador que, no caso da Previdência, o colapso é
inevitável em ambos os caminhos.
Aproveitando a mesma metáfora
utilizada pelo ministro Henrique Meirelles e pelo presidente Michel Temer,
segundo os quais a economia de um país pode
ser vista como a de uma família —
ignoremos momentaneamente o fato de que a comparação é falaciosa e errada, mas
consideremos apenas pela licença poética —, é como se uma família se
comprometesse a cortar os gastos pela metade, mas depois percebesse que assim
vai faltar dinheiro até para o arroz com feijão. Só que, no caso da PEC, se a
“família” não respeitar o limite, todos perdem seus empregos e os já parcos
salários.
Ocorreram muitas tentativas para que os parlamentares entendessem a o
teto dos gastos públicos - não foi por falta de aviso dos especialistas
Tudo isso foi explicado para os
parlamentares em diversas reuniões realizadas no próprio Congresso antes de as
duas casas aprovarem a PEC, sempre com a presença de economistas e
especialistas que registraram suas críticas ao novo regime fiscal.
Durante uma audiência na Comissão de Assuntos
Econômicos, por exemplo, realizada em Brasília em novembro, a
professora de economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Esther
Dweck explicou aos parlamentares que, uma vez aprovada, a PEC do Teto exigiria “diversas outras reformas,
das quais a revisão dos mínimos constitucionais de saúde e educação e a Reforma
da Previdência são só o começo”. A economista foi direta e franca:
“Os únicos alvos da PEC são as
despesas primárias, que, no Brasil, são justamente o principal elemento de
distribuição de renda que a gente teve nos últimos tempos”.
Muitos parlamentares brasileiros não sabem responder o que é despesa
primária
Entre os outros especialistas
que passaram pelo Congresso para explicar os efeitos danosos da PEC, a auditora
fundadora do movimento “Auditoria Cidadã da Dívida” Maria Lúcia Fattorelli foi
ao Senado para falar especificamente sobre como a PEC 241 impactaria na
Previdência Social. Ela explicou que o limite conservador,
contrastado com o crescimento previsto da população idosa, exigiria elevados
cortes nos benefícios previdenciários.
Fatorelli conta que foi com sua
equipe para a porta do plenário antes da votação da PEC para fazer uma simples
pergunta a cada parlamentar que entrava: “O senhor sabe o que é despesa
primária?”. A auditora ri amargamente do resultado: “Eles diziam que não
sabiam! Eu sinto apenas não ter uma câmera na hora”.
Foto: Roberto Parizotti /
CUT
O principal problema de os
parlamentares afirmarem não saber o que são despesas primárias é que a PEC do
Teto trata especificamente delas.
Despesa primária é como se
chama a parte do orçamento público que trata da manutenção do Estado. É quanto
dinheiro se gasta em serviços básicos prestados à população, como saúde,
educação e, claro, aposentadoria. Sem entender o que são despesas primárias, os
parlamentares não conseguiriam ler sequer a exposição de motivos da PEC do Teto,
que as cita como foco principal da emenda constitucional:
“A raiz do problema fiscal do
Governo Federal está no crescimento acelerado da despesa pública primária. No
período 2008-2015, essa despesa cresceu 51% acima da inflação, enquanto a
receita evoluiu apenas 14,5%. Torna-se, portanto, necessário estabilizar o
crescimento da despesa primária, como instrumento para conter a expansão da
dívida pública. Esse é o objetivo desta Proposta de Emenda à Constituição”.
Dentro das despesas primárias, a Previdência toma o maior percentual: 46%. A
Emenda Constitucional do Teto manda “congelar” por 20 anos todas as despesas
primárias, entre elas os gastos com Seguridade Social, que, segundo o Artigo
194 da Constituição, são relativos “à saúde, à previdência e à
assistência social”.
Trecho da Emenda
Constitucional 95, que determina o congelamento do orçamento da Seguridade
Social por 20 anos
Despesas primárias são pouco mais da metade do orçamento público no
Brasil
O que a exposição de motivos da
emenda não mencionou é que as despesas primárias são apenas parte do orçamento.
Segundo o Relatório de Acompanhamento Fiscal
do Senado, publicado em fevereiro, os gastos da União de 2016
totalizaram R$ 2,67 trilhões. Desses, R$1,32 trilhão foram utilizados com
despesas primárias. Já os gastos com pagamento de juros e amortização da dívida
pública foram de R$1,13 trilhão, o equivalente a 42% do Orçamento Geral da
União. Esses gastos ficarão de fora do “congelamento” feito pela emenda
constitucional. O mesmo relatório do senado afirma que “a cada ponto percentual
reduzido na Selic [a taxa de juros], a economia estimada para o erário é de R$
28 bilhões”.
Ou seja:
1_ O gasto com pagamento de
juros e amortização é da mesma ordem de grandeza que a soma de todas as
despesas feitas para manter os serviços prestados pelo Estado a seus cidadãos
(saúde, educação, segurança, Previdência…);
2_ O gasto com juros poderia
ser reduzido caso o Banco Central diminuísse a taxa Selic;
3_ O governo, no entanto, tem
preferido cortar gastos primários (via Previdência) do que diminuir os juros
que paga aos seus credores.
Por último, porém não menos
importante: de fato, o governo vem diminuindo os juros a passos de formiga,
baixando 3 pontos percentuais nos últimos 9
meses. Assim o Brasil deixou o posto de maior pagador de juros do
mundo. Agora, tem uma taxa real de 4,30% ao ano e perde apenas para a Rússia,
com 4,57%. No entanto, não por coincidência, após as delações da JBS o Banco
Central avisou que o ritmo de redução será ainda menor daqui
em diante.
https://theintercept.com/2017/06/19/reforma-da-previdencia-ja-foi-garantida-e-voce-nao-viu-como-a-pec-do-teto-selou-o-destino/
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