Se prevalecer o veredito que alcançou maioria no STF, talvez o tratamento se estenda ao conjunto da camada dirigente. Nesse caso, uma regra profunda da formação desta sociedade estará abalada e, quem sabe, até as prisões melhorem
por André Singer, no site Contexto Livre, para site fAlha – Sociedade e Brasil sem-Rumo
A maioria do Supremo Tribunal
Federal (STF) mexeu no vespeiro ao propor a limitação do foro privilegiado.
Expor centenas de parlamentares a julgamentos na primeira e segunda instâncias,
com o seu eventual encarceramento, desloca pedra básica da construção
estamental brasileira. Em revanche, no prazo decorrente do estranho pedido de
vista de Dias Toffoli, a Câmara pode até ampliar a perda de foro para áreas do
Judiciário, o que potencializaria o escopo da mudança.
As regras que dão imunidade ao
exercício da atividade pública visam a garantir a independência necessária seja
para legislar, julgar ou governar. Desde esse ponto de vista, retirar garantias
dos que fazem as leis, emitem sentenças ou administram o bem público pode
sujeitá-los ao poder do dinheiro ou da força. Ocorre que, no Brasil (e não só
aqui), as garantias acabaram por servir como proteção contra acusações de
crimes comuns. Isso nada tem a ver com o sentido original do instituto, às
vezes até o inverte, pois ajuda a manter nos cargos os que os exercem de
maneira argentária.
A situação vai chegando a tal
ponto que criminosos entram em pleitos eleitorais apenas para fugir da Justiça,
o que perverte completamente o sentido do processo. Ao limitar o foro
privilegiado apenas às infrações relacionadas ao próprio exercício do mandato,
o STF faz um ajuste necessário à revalorização dos parlamentos e da democracia.
Mas o alcance da medida não para
aí. Dada a profunda desigualdade tupiniquim, o sistema penitenciário, ao qual
poderão ser lançados figurões no futuro, constitui um espectro assustador para
a elite do poder. No famoso diálogo gravado entre o senador Romero Jucá
(PMDB-RR) e o ex-senador Sergio Machado (PMDB-CE), o último chamava o cárcere
de Curitiba, por exemplo, de "torre de Londres", mesmo que as
condições dos políticos presos sejam bem melhores do que as da maioria dos
detentos.
Por alguns séculos, a famosa
construção no centro da capital inglesa era o local para onde se enviavam os
prisioneiros que perdiam as lutas intestinas da realeza. Acabou associada a
local de torturas e execuções. A metáfora é reveladora, pois cair na prisão
comum, desde o ângulo da oligarquia pátria, equivale a transitar do céu para o
inferno.
Até aqui, alguns poucos petistas
e peemedebistas estrelados, mas sem mandato, foram parar nas "torres de
Londres" paranaense ou carioca. O PSDB até agora escapou. Se prevalecer o
veredito que alcançou maioria no STF, talvez o tratamento se estenda ao
conjunto da camada dirigente. Nesse caso, uma regra profunda da formação desta
sociedade estará abalada e, quem sabe, até as prisões melhorem.
http://www.contextolivre.com.br/2017/11/mexer-no-foro-abala-o-estamento.html
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