As
instituições brasileiras, todas, estão trabalhando com a ideia de afastar a
população e seus anseios do exercício real de poder
No Blog de Fernando Horta* - Sociedade
e Jogo Político Brasileiro
Figura da internet
Na década
de 90, Robert Putnam publicava um livro chamado “Comunidade e Democracia: a
experiência da Itália Moderna” em que ele compara os governos do Norte e do Sul
da península para descobrir quais práticas redundavam em sistemas mais
responsivos e quais não. O resultado é surpreendente. A democracia não é
garantida pelas instituições. Você pode ter imprensa livre, partidos livres,
votação, judiciário independente e tudo mais que quiser colocar e, ainda assim,
não ter uma democracia. Simplesmente porque as instituições encontram formas de
burlar a necessidade de serem responsivas. A “imprensa livre” pode ser dominada
por poucas corporações e refletir o interesse econômico delas, os partidos
podem ter regras de acesso aos cargos que afastam a grande massa dos seus
próprios filiados do exercício real de poder, os sistemas de sufrágio podem ser
organizados de tal forma que o voto popular seja minorado em seus efeitos e o
judiciário pode invocar regras e princípios hermenêuticos que não estejam em
consonância com as ideias de máxima representação e de igualdade sociais e
política plenas.
Enxergou
o Brasil aí? Viu que temos as “instituições funcionando” sem estarem com a
lógica determinada a buscar a maior participação e responsividade? Viu que as
instituições brasileiras, todas, estão trabalhando com a ideia de afastar a
população e seus anseios do exercício real de poder? Percebeu que é este o
motivo de estarmos todos nos sentindo incapazes politicamente, como quem berra
dentro de uma sala fechada sem mais ninguém a ouvir?
Putnam
argumentava que nenhuma instituição garante a democracia, mas que locais onde
existissem uma maior “cultura democrática”, “cultura participativa”, tinham
maiores chances de desenvolverem sistemas com maior resposta ao cidadão.
Regiões em que as pessoas se acostumavam se associarem em clubes de livro,
associações esportivas, clubes comerciais, associações de bairro e etc.,
acabavam por criar instituições mais transparentes e que eram mais representativas.
Em suma, o cidadão participando é que garante a democracia. E participação não
é a mesma coisa que voto.
Agora
olhe para o mundo e veja os níveis de abstenção nas eleições. Nos EUA, apenas
60% dos eleitores realmente vota, na Europa a média é um pouco menor que isto.
No Brasil, entre votos brancos, nulos e abstenções, chegamos a quase 30% nos
últimos pleitos. Com uma campanha feroz para fazer parecer que política é algo
criminoso e afirmando que nada muda, apesar dos votos, fica claro que o objetivo
é afastar as pessoas do poder. No Congresso tramitaram propostas de mudança nas
votações e no sistema eleitoral cujo objetivo era REDUZIR a efetiva capacidade
de participação. Agora, ameaçam com o sistema parlamentarista, que por si só
não quer dizer maior ou menor participação, mas que colocado “à moda
brasileira” representa sim o alijamento completo da população.
A solução
para o problema brasileiro (e mundial) é o contrário do que liberais e
fascistas hoje defendem. Não é menos política, não é menos participação. Os
liberais querem a todo custo tornar o voto facultativo e os fascistas acabar
com todo voto contrário a si. Nenhuma das opções aumenta efetivamente a
resposta do sistema à sociedade, especialmente dentro da história brasileira.
Voto facultativo apenas nos transformará numa sociedade de brancos, urbanos e
ricos votantes e o controle do judiciário sobre a política (dizendo quem pode
ou não se candidatar e em que condições) é ainda mais venal. Não há democracia
quando um grupo de pessoas togadas decide quem pode ou não concorrer, mais
ainda quando esta decisão se dá de formas estranhas e esdrúxulas, como hoje
ocorre no Brasil. Cassio Cunha Lima, por exemplo, só é senador por liminar de
Gilmar Mendes, que passou por cima da absurda Lei da ficha Limpa. Agora, o
Ministério Público quer decidir quem pode ou não se candidatar, e nosso sistema
político ainda é sujeito a inúmeras outras regras de proporcionalidade que
fazem com que políticos com menos votos se elejam no lugar de outros mais
votados.
Há lógica
por trás destas medidas. Todas elas podem ser sustentadas por argumentos mais
ou menos racionais. A pergunta é: a lógica é inclusiva ou exclusiva? O objetivo
é aumentar o efetivo poder do cidadão ou reduzir e tentar burlá-lo? No meu
entendimento, o objetivo é diminuir a participação efetiva, seja tirando
candidatos “indesejáveis”, seja criando regras para aumentar o poder financeiro
(através dos “puxadores de votos”, por exemplo) em comparação com o voto.
Estamos
longe de termos uma cultura política forte no Brasil. O golpe deu certo porque
recolocou em prática um sistema histórico no Brasil: governo não responsivo,
sem controle da população fazendo o que bem entende. Foi assim na República
Velha, foi assim na ditadura varguista, foi assim no período militar e agora
voltou. De fato, a frustração é de saber que o Brasil convive bem com o
autoritarismo em todas as instâncias, desde o marido que manda na mulher, até o
pai que espanca o filho, passando pelo PM que manda no bairro chegando a um
vice-presidente sem voto e um congresso sem vergonha na cara que desmontam o
país.
A solução
é mais participação. A solução é organização política. A solução passa por
levarmos a política para todos os aspectos da vida. Da reunião de condomínio à
reunião de pais na escola. Da escolha do presidente do clube de futebol à
famosa “democracia corintiana”. Lutemos por mais política e nunca por
menos.
*Fernando Horta - Graduação em
história pela UFRGS e mestrado em Relações Internacionais pela UnB. Atualmente
é doutorando da UnB.
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em :
https://jornalggn.com.br/blog/fernando-horta/o-voto-e-o-sentimento-de-impotencia-politica-por-fernando-horta
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