Os privilegiados nutrem-se do verbo dos escribas(mídia) a soldo do baronato(elite)
e lhes repetem as frases feitas e as mentiras, a tevê do Plimplim cuida de
atingir porções da população inclusive com suas novelas, filmes e documentários...
por Mino Carta na revista Carta Capital – Sociedade e Brasil
Medieval
Foto Empresa
Brasileira de Comunicação
O próprio STF atirou ao lixo a
Constituição que lhe cabia defender, com a pronta adesão das quadrilhas
instaladas no Executivo e no Legislativo
Há um
importante contraponto à tradicional resignação do povo brasileiro e à impávida
normalidade imposta às ruas pelo comportamento da minoria privilegiada: a força
de Lula continua in crescendo. As pesquisas admitem até que ele poderia
ganhar no primeiro turno. Cerca de 40% dos eleitores não desistem da
liderança do ex-presidente. Dadas as circunstâncias, um toque
revolucionário clama na preferência.
Dois
espaços são visíveis. Um, material, a dizer que Lula não sairá da prisão, antes
de mais nada pela determinação do Judiciário politizado e pela velhacaria da
mídia. Dois, cultural, diria mesmo intelectual, e nele se manifesta com nitidez
a vontade popular.
Existe um
conflito evidente por ora controlado, destinado a explodir, porém, mais cedo ou
mais tarde. Certos nós algum dia terão de ser desatados, quem sabe com o apoio
do mundo democrático e civilizado.
Difícil
explicar ao cidadão europeu ou ao liberal estadunidense o fato inaudito: um
país do tamanho e da importância do Brasil sofreu um golpe de Estado perpetrado
em conjunto pelos próprios poderes da República com o suporte midiático
praticamente maciço, para impedir a eleição de Lula.
O próprio
STF atirou ao lixo a Constituição que
lhe cabia defender, com a pronta adesão das quadrilhas
instaladas no Executivo e no Legislativo. E dos barões do dito jornalismo
nativo, e dos seus capatazes, capitães do mato e escravos resistentes.
A
despeito de um vago ar de modernidade, o Brasil não deixou de ser terra de predação,
onde os aborígenes, em vez de receber miçangas e adereços, foram dizimados por
heróis chamados bandeirantes pela história perenemente manipulada, enquanto
navios negreiros alcançavam suas costas para desembarcar mão de obra
escravizada território adentro.
Quando a
independência foi proclamada por um príncipe aflito por desarranjos
intestinais, a população do País era mais negra do que branca e ninguém se deu
conta da mudança política.
Afora os
mandatos de Lula, dois momentos da nossa história apontaram para uma pátria
digna. Em Minas, na segunda metade do século XVIII, na região encantada em
torno de Ouro Preto, embora explorada brutalmente pelos colonizadores
portugueses que com as dádivas da terra reconstruíram Lisboa destruída pelo
terremoto.
No Brasil
na sua inteireza, de Getúlio Vargas a Jango Goulart, Juscelino no meio, quando
nasceu a Petrobras, o País tornou-se a décima quinta potência industrial do
mundo e foram elaboradas as chamadas reformas de base por alguns cidadãos de
muita fé e insólita coragem.
A quadra
setecentesca em Minas, definida como Inconfidência, exibe uma cálida,
surpreendente sintonia com as ideias iluministas europeias, tanto na política
quanto na cultura. Os mineiros do recanto primaram na arquitetura, na
escultura, na música, na pintura dos retábulos, com algumas investidas na
poesia. Ao cabo, Tiradentes, o alferes, foi esquartejado.
Jango
Goulart e Leonel Brizola teriam o mesmo fim se vivessem no século XVIII, em
1964 foram derrubados pelo golpe, quando os militares se prestaram ao serviço
sujo. A casa-grande sempre ganhou a parada, e está ainda de pé.
Inútil
dissertar sobre a mediocridade reinante onde a ignorância e o provincianismo
são apanágio de ricos e super-ricos, e sempre foram. Os do fim do século XIX e
começo do passado saíam de viagem, preferivelmente a Paris, e embarcavam com
pistola de cabo de madrepérola no cinto e vacas leiteiras para garantir um bom
café da manhã. A influência cultural era então a francesa. Mais tarde, trocaram
a Ville Lumière por Miami.
Apesar da
natural dificuldade em entender o que acontece no Brasil do futebol e do
carnaval, cresce a repulsa internacional à prisão de Lula, a contradizer as
regras mais elementares do Direito . Como anota Leonardo Sakamoto, na sua
coluna no UOL, a demanda do Comitê dos Direitos
Humanos da ONU a favor da participação de Lula no próximo
pleito “é o terceiro revés sofrido pelo governo brasileiro em instituições
multilaterais nos últimos dois meses”.
O golpe
de 2016 e suas consequências chamam a atenção do mundo para os efeitos daninhos
do estado de exceção. A 3 de agosto especialistas das Nações Unidas condenaram
o corte de gastos sociais do governo Temer e no início de junho passado a
Organização Internacional do Trabalho solicitou explicações sobre a reforma
trabalhista até novembro próximo, diante da suspeita de que desrespeita a
Convenção de 1998, a tratar de sindicalização e negociação coletiva.
Mas que
respeito merece um país onde no ano passado cerca de 64 mil cidadãos foram
assassinados? Cidades brasileiras figuram entre as mais perigosas do mundo,
mesmo que estas vivam em estado de guerra.
E que
respeito pode haver por um país tão desigual, onde educação e saúde são
reservadas aos ricos, embora aquela de forma precária e certamente eivada de
preconceitos e desinformação histórica? Quanto à saúde, avulta a sinistra
informação de que quase 50% do território nacional carece de saneamento básico.
Quando
adolescente já me irritava entre o fígado e a alma o verso do samba, Mangueira,
o teu cenário é uma beleza. Visto de qual ponto de observação? Era também o
tempo de outro samba, ou marchinha que fosse, a afirmar O teu cabelo não
nega, mulata,/ porque és mulata na cor,/ mas como a cor não pega, mulata,/
mulata eu quero o teu amor. Sustentava-se então a ausência absoluta de
preconceito racial. E há mesmo algo ainda mais profundo, a incompatibilidade
irreversível entre o Brasil e a democracia.
Rara a
consciência do semelhante, comum a prática da rasteira, do passa-moleque, do
golpismo em todos os matizes e níveis possíveis. De resto, como instalar a
democracia no país da mídia de mão única, porta-voz da casa-grande? Os recentes
eventos de Roraima provam que a informação falsa se torna habitual, como no
caso da agressão contra refugiados
venezuelanos, exemplo deplorável de xenofobia de marca
fascistoide.
Os
privilegiados nutrem-se do verbo dos escribas a soldo do baronato(elite) e lhes
repetem as frases feitas e as mentiras, a tevê do Plimplim (Rede Globo) cuida
de atingir porções da população inclusive com suas novelas. Trata-se de impedir
o nascimento de uma opinião pública, e nem se fale de uma sociedade civil.
Quem
acredita na existência de tais misteriosas entidades trafega na névoa. O Brasil
não atingiu a Idade da Razão, e dela se afasta até transpor a fronteira da
insanidade e o monstruoso desequilíbrio social nos mantém na Idade Média.
A
Inconfidência Mineira e o período 1950-1964 prometiam a contemporaneidade do
mundo, a casa-grande incumbia-se do imediato retorno ao passado cada vez mais
entrevado. Só me pergunto como se dá que o esquartejamento do rebelde
Tiradentes seja celebrado com direito a um singular feriado a glorificar o
surto revolucionário.
Hoje o
mundo civilizado nos encara e haverá de perceber a nossa medievalidade com a
mesma clareza com a qual condena a prisão de Lula culpado por ser o favorito de
um pleito que, sem ele, não passa de uma fraude.
É como
conferir ao Judiciário a condição de primeiro motor do golpe, enquanto as
sondagens dilatam o favoritismo do preso sem crime. Imaginar o futuro é sempre
prova de vitalidade e ouso agora pressentir um fio de esperança na incerteza do
dia de hoje.
https://www.cartacapital.com.br/revista/1018/por-que
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