Filósofo marxista analisa eleição de Bolsonaro e
fissuras do campo popular desde a ditadura militar de 1964, até a vitória do grupo bolsonarista e a continuidade...
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O antipetismo não é que as pessoas sejam burras, reacionárias,
fascistóides. É como se dissessem: "Você não enxerga pelo que estamos
passando e ainda nos chamam de burras e reacionárias? Nossa vida, independente
de governo, tem sido uma desgraça". As políticas compensatórias, que é o
jargão oficial, elas são, de certa maneira, insensíveis para o padecimento
geral dos assalariados, daqueles que estão na engrenagem social.
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É um voto, para usar uma
terminologia de uma socióloga americana, dos insurgentes contra os
entrincheirados. Chegar ao ponto de você considerar um beneficiário de um
programa como Bolsa Família como um entrincheirado, como um privilégio, não é
fácil de entender isso. Eu não me contento com as explicações que estão
circulando por aí. É um nó. Estamos fazendo uma entrevista sobre um beco sem
saída.
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Por mais que se fale em financiamento externo ou fake news, isso é
absolutamente irrelevante. O fato de que um pequeno grupo folclórico, até
então, de extrema direita conseguiu, por uma espécie de sexto sentido, enxergar
alguma coisa diante de si e, pelo simples faro, dizer 'é a nossa hora' e
contornar um sistema político e de financiamento de campanha, contornar os
grandes partidos políticos, golpear a mídia e fazer quase 60 milhões de votos.
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Raiva, ódio, rancor, ressentimento não nascem por geração espontânea. Há
uma matéria-prima que estava fermentando na sociedade brasileira há muito tempo
e nós não queríamos enxergar. Se nós computarmos os quase 60 milhões de votos
do bolsonarismo, teria
um número irrisório de pessoas que estariam dispostas a violar, linchar, matar,
estuprar, humilhar e barbarizar.
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Como a decepção vai ocorrer
rapidamente porque ele não vai entregar nada do que prometeu, vai ocorrer uma
grande frustração e uma migração para o outro campo. Só que esse campo só se
manifesta em movimentos eleitorais. O problema da esquerda é que ela está
calculando que por mais que essa derrota eleitoral, por mais acachapante que
seja, ela é recuperável. Seguramente, o vencedor vai enfiar os pés pelas mãos e
não vai conseguir entregar o que prometeu. E eu digo: o Brasil está
ingovernável, este é um problema fundamental.
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Mas o que nós temos agora é um comportamento destrutivo da classe
dominante brasileira que está apostando todas as fichas em tirar sua castanha
do fogo com o braço da delinquência fascista. Ferre-se o resto. E isso é
realmente o inacreditável. Houve várias chances de acordo desde que se
instaurou a crise da Era Lulista. Mas eles resolveram puxar o tapete,
fazer o impeachment e abrir a porteira do inferno. Um caos político e social.
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As universidades que já eram
mais à esquerda, situadas em um campo mais esclarecido e progressista, vão
continuar. Não haverá recrutamento de professores de extrema direita, os
cursos não vão ser degradados, o Olavo de Carvalho não será o ideólogo, o novo
Paulo Freire da universidade brasileira.
por Rute Pina e Emilly Dulce no Brasil de Fato
– Sociedade e A Incógnita na Luta Democrática Brasileira
Arantes foi um dos mais importantes intelectuais ligados ao Partido dos
Trabalhadores (PT), até romper com o partido, em 2003 / Foto: Brasil de Fato
Conhecido
por definir o Brasil como uma "democracia de baixa intensidade" ou
"democracia racionada", o filósofo Paulo Arantes não explicaria o
fenômeno Bolsonaro por essa perspectiva. Para analisar a vitória do candidato
da extrema direita nas eleições deste ano, o professor aposentado do
departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP) questiona,
inicialmente, qual é o tipo de regime que vivemos desde o fim da ditadura
militar (1964-1985). Segundo ele, o Brasil está ingovernável e o pilar desse
contexto é o renascimento da política como luta.
"A
encrenca brasileira é essa: abriu-se a porteira da absoluta ingovernabilidade
no Brasil. O que nós temos agora é um comportamento destrutivo da classe
dominante brasileira que está apostando todas as fichas em tirar sua castanha
do fogo com o braço da delinquência fascista. Ferre-se o resto. E isso é
realmente o inacreditável. Houve várias chances de acordo desde que se
instaurou a crise na Era Lulista. Mas eles resolveram puxar o tapete, fazer o
impeachment e abrir a porteira do inferno. Um caos político e social",
avalia, em entrevista ao Brasil de Fato.
Arantes foi um dos mais
importantes intelectuais ligados ao Partido dos Trabalhadores (PT) até
romper com o partido, em 2003. Autor de 12 livros e importante pensador
marxista, ele avalia que o campo popular precisa mirar sua política para além
da próxima eleição.
"O
prisma para se entender o que ocorreu agora é o renascimento da política. Nós
não imaginávamos. Quando eu digo nós, eu estou falando, sobretudo, da esquerda.
Nós estávamos completamente anestesiados com um tipo de esquerda que se
consagrou com a abertura [pós ditadura], dos anos 1990 em diante, que é uma
esquerda que pensa em governo e não se imagina fora dele, uma esquerda para
governar. Essa é a grande novidade do petismo e, portanto, gestionária",
argumenta o filósofo.
Confira a
entrevista na íntegra.
Brasil de
Fato: Você sempre alertou para o que chamamos de "democracia de baixa
intensidade". E agora, nestas eleições, tivemos a consolidação de
candidatos como Jair Bolsonaro e uma bancada forte de deputados, por exemplo,
do MBL [Movimento Brasil Livre], de movimentos que pautaram sua campanha no
ódio, em posições antidemocráticas. O que significa a ascensão destes
movimentos neste contexto?
Paulo
Arantes: Está todo
mundo em um estado catatônico. A expressão "democracia de baixa
intensidade" não sei se ainda a adotaria. É uma analogia com "guerras de baixa intensidade". O Lincoln Secco
prefere uma denominação do [Carlos] Marighella, democracia racionada.
Por um
lado, eu acho que eu não começaria discutindo pela questão da democracia para
entender o fenômeno Bolsonaro. Não é que tenhamos uma democracia ruim,
incompleta, de baixa intensidade, racionada, assim por diante, que tornou
possível a vitória dele. Teria sido possível uma vitória do outro lado e, nem
por isso, eu iria desqualificar porque a democracia não é intensiva, digamos
assim. Eu acho que a boa pergunta seria que regime é esse no qual nós vivemos
desde o fim da ditadura?
O prisma
para se entender o que ocorreu agora é o renascimento da política. Nós não
imaginávamos. Quando eu digo nós, eu estou falando, sobretudo, da esquerda. Nós
estávamos completamente anestesiados com um tipo de esquerda que se consagrou
com a abertura [pós ditadura] em diante, dos anos 1990 em diante, que é uma
esquerda que pensa em governo e não se imagina fora do governo. Uma esquerda
para governar. Essa é a grande novidade do petismo e, portanto, gestionária.
De tal
maneira nós estávamos impregnados por essa ideia que nós, de certa maneira,
tínhamos abandonado a ideia clássica de política como conflito social
canalizado em torno de algumas grandes expectativas – e nos aferramos à ideia
de gestão, governo e administração. E eu acho que estava subentendido que
não haveria mais política. No fundo, era isso: a política tinha se resumido na
disputa dos fundos públicos e políticas orçamentárias alternativas e como
encaminhar esses fundos através de políticas públicas conquistadas ou
implementadas através de negociações com o Congresso, lobbys e assim por
diante.
A ideia
de eleição ou alternância de poder praticamente era uma rotina sem nenhum
significado político. Isto é, por mais acirrados que fossem os embates nas
campanhas eleitorais que acontecessem de dois em dois anos – e dá uma ilusão de
mobilização em torno de projetos, mas são projetos de poder em disputa
eleitoral. E isso não muda estruturalmente nada. Se a gente imagina a
alternância do FHC e Lula, a política econômica basicamente tem um fundo comum.
Tanto é que se tira e põe o [Henrique] Meirelles, que é pau para toda obra. Nós
achávamos que não haveria mais inovação política, que seria representada pelos
dois projetos que se alternavam, tucanos, ortodoxia e um governo social,
digamos assim. Mas o pano de fundo era o mesmo. Nós, nos anos 1990, definimos
quais eram os dois projetos em disputa e, a partir disso, eles poderiam se
alternar sem que houvesse nenhuma quebra, nenhum tipo de ruptura.
O que, de
certa maneira, indica que nós havíamos desistido da ideia de política
enquanto transformação ou como conquista, luta. Ora, a direita reinventou isso. Nós
estamos presenciando um retorno da política pela extrema direita, se nós imaginarmos que
havia um bloco só de centro-direita e centro-esquerda que convergia ao centro e
a política era uma variação macroeconômica em torno disso e uma maior
intensificação ou não de programas sociais compensatórios, emancipatórios.
Do ponto
de vista do rumo nacional a ser disputado, nada mais poderia ocorrer. E eis que
de maneira surpreendente, a partir de 2013, aparece uma nova direita. E essa
nova direita dá um trança-pé e contorna a centro-direita e a centro-esquerda ao
mesmo tempo, o que faz com que ambas apareçam configurando um só establishment.
Então, o lulismo está sendo defenestrado assim como o tucanismo, porque são
identificados como parte do establishment. Não é apenas demagogia
populista contra o sistema porque eles foram identificados como tal, são
governos. E a grande reviravolta que aconteceu foi contra o establishment. E em
condições que nem a esquerda mais exasperada poderia imaginar.
Para o filósofo, o golpe, da
centro-direita, foi apropriado pelos campos conservadores extremistas. Foto:
Fábio Flora/ Brasil de Fato
Como o
senhor avalia o papel das fake news nesse contexto?
Por mais que se fale em
financiamento externo ou fake news, isso é absolutamente irrelevante. O fato de
que um pequeno grupo folclórico, até então, de extrema direita conseguiu, por
uma espécie de sexto sentido, enxergar alguma coisa diante de si e, pelo
simples faro, dizer 'é a nossa hora' e contornar um sistema político e de
financiamento de campanha, contornar os grandes partidos políticos, golpear a
mídia e fazer quase 60 milhões de votos. Em cinco anos. Exatamente de 2013 a
2018. Essa é a novidade.
Ora, em
função dessa grande novidade, que é uma ameaça, a pergunta pela democracia fica
prejudicada. A pergunta é: o que estamos entendendo por democracia quando nós
entendemos essa grande vitória política da extrema direita como uma ameaça à
democracia? Que democracia existia antes que nos estão ameaçando? E, se nós
ganhássemos, que tipo de democracia era essa que permitiria esse tipo de
vitória?
Então, eu
acho que não raciocinaria nestes termos. Eu disse de maneira clara e fazendo
uma tirada, se existe alguma política leninista no Brasil neste momento, ela foi feita pela
extrema direita. Havia uma vanguarda informal. Eles se organizaram, interpretaram um movimento de rebelião de massas
que foi 2013, disseram para aqueles que foram às ruas qual era o programa deles
(que eles não sabiam ao certo
qual era, não era apenas corrupção), o que eles estavam buscando, por que eles
estavam indignados, por que a corrupção os deixava naquele estado, o que
significava os megaeventos… E, em três anos, derrubaram a presidenta. Souberam
surfar num golpe malogrado. O impeachment era golpe de centro-direita clássico
que não deu o que eles imaginavam, que era reconduzir e abreviar essa
alternância que estava se prolongando demais. Eles aproveitaram a primeira
chance para encurtar o caminho. Mas quando eles atalham o caminho, é outro
bloco que entra e leva a rapadura.
Isso é
uma coisa inacreditável. Ninguém imaginava que isso pudesse acontecer. E
aconteceu só que não é um grupo organizado. É um grupo exaltado, com princípios
mais exóticos e anti-democráticos possíveis e que não sabe bem o que quer, em
termos programáticos. Eles não têm
programa de governo. É qualquer coisa que abra para a economia de pilhagem, que
vai acontecer. É como se fosse um conglomerado de lobbies que vai disputar
anos de poder econômico, que vai se desmanchando.
E o pano
de fundo, a trilha sonora da extrema direita que garante o apoio popular e de
massas eleitoral para esse projeto que não existe. Se perguntarem qual é o
programa de governo deles, ninguém saberia dizer.
Esses
movimentos se sustentaram, nos últimos cinco anos, pelo discurso de ódio e por
um antipetismo latente. Como eles vão conseguir, no governo, se sustentar sem
projeto de governo? Eles vão conseguir permanecer sustentados apenas por esse
ódio e alimentando esse inimigo? O Bolsonaro em sua primeira entrevista, por
exemplo, não abriu mão do projeto de tipificar movimentos como o MST como
terroristas…
Tudo
aparece como uma catástrofe de tal envergadura que temos a tendência de falar
em um antes e depois. Claro que há um antes e um depois. E o que vem por aí não
se sabe direito. Mas acontece que não há
uma ruptura com o que tinha antes. Quando se fala em criminalizar os movimentos
sociais, há quanto tempo nós falamos em criminalização dos movimentos sociais?
E há quanto tempo nós estamos em uma coalização democrática popular? Não é
preciso acrescentar nenhuma legislação nova para enquadrar qualquer movimento
social.
É uma
intensificação de coisas que já vinham ocorrendo por um período histórico. Não
houve, nenhum momento, talvez nos fins dos anos 1980 – talvez até 1987 no caso
do MST em que ele fosse considerado um protagonista social construtivo, que a
ruptura dele era encarada como um benefício geral para o país, com reforma
agrária, entre outras coisas. Isso foi um breve instante em que isso ocorreu.
Fora esse breve instantes, eles sempre foram criminalizados, massacrados.
Massacre de camponeses ainda é uma coisa recorrente no Brasil. De modo que,
quando dizem que agora haverá uma tipificação penal em que movimento social
passa a ser terrorista e uma ocupação passa a ser um ato de terror e será
reprimido como tal; do ponto de vista dominante, isso sempre foi encarado
assim. Nosso temor é que essa ameaça se cumpra de maneira mais intensificada e
mais generalizada. É uma diferença de grau para o que tinha antes, mas não
uma mudança qualitativa, que antes não havia e agora tem.
Eu acho que a resistência se
equivoca um pouco achando que é tudo absolutamente novo e nós estamos
desarmados. Nós já estávamos desarmados há muito tempo. Algo que é novo é essa
nova direita nas ruas, há cinco anos, e com um eleitorado de 60 milhões que
optou pela figura do ódio, raiva, preconceito.
O senhor
tem evitado caracterizar esse movimento como fascista, mas afirmou que estamos
em um período em que monstros aparecem. O Mano Brown, em um comício, deu
uma declaração parecida e disse que viu "muito dos seus se tornarem
monstros". Como podemos caracterizar esse fenômeno?
Em comício, Mano Brown criticou
as esquerdas e se disse assustado com "amigos que se tornaram
monstros". Foto: Brasil de Fato
Raiva, ódio, rancor, ressentimento
não nascem por geração espontânea. Há uma matéria-prima que estava fermentando
na sociedade brasileira há muito tempo e nós não queríamos enxergar. Se nós
computarmos os quase 60 milhões de votos do bolsonarismo, teria
um número irrisório de pessoas que estariam dispostas a violar, linchar, matar,
estuprar, humilhar e barbarizar.
O que é mais assustador é que o Bolsonaro não enganou ninguém. Ele fala disso há muito tempo. E
agora passou a ser verossímil. Ele não está enganando ninguém e não há razão
achar que seja apenas bravata. Então, por que que as pessoas não ligam para
isso? Como não são 60 milhões de fascistas, o que significa uma maioria
esmagadora de pessoas para as quais esse discurso não conta, não
afeta, que podem ficar indiferentes a isso, simplesmente virar o rosto
para o outro lado? Isso é o que eu acho mais terrível. Não é o fato de que o
fascista seja um brutamontes e vá barbarizar – é da natureza dele, não pode
fazer nada que não seja isso. O mais assustador é que haja essa imensa
maioria que vira a cara para o outro lado e fica indiferente. E não é
apenas por medo. Eu não diria cumplicidade porque as pessoas ficariam
horrorizadas se assistissem a um ato de selvageria, com pessoas sendo oprimidas
e massacradas. Mas isso não as afeta nessa vontade de ser indiferentes a um
horror que é anunciado. Significa então que tudo é possível.
As
comparações históricas são muito complicadas, mas no entre-guerras na Alemanha as pessoas tendiam a virar o rosto para o
outro lado. Havia uma espécie de consentimento. E isso é o mais aterrorizante.
Ou
chegamos a um ponto que nós não entendemos mais como uma pessoa pode raciocinar
friamente, articuladamente e racionalmente quando votam e aderem [à campanha de
Bolsonaro]. Eu não falo dos apoiadores fanáticos, mas aquele que faz o voto
estratégico no Bolsonaro e diz que não concorda com homofobia, racismo, xenofobia.
Se deve imaginar que a vida se tornou tão
invivível que, mesmo alguém que fala coisas horríveis, eu tendo a dar um
desconto porque eu quero mudar, não dá mais para viver desse jeito. Então,
mesmo que Fulano diga que vai fazer todos os horrores que ele promete, eu acho
que isso ainda não está na altura do preço que eu estou pagando pela minha vida
cotidiana, como assalariado, desempregado, precarizado, esculachado de tudo
o que é jeito. Tornou-se invivível para dois terços da população. É uma reação
que pede algum tipo de mudança.
E, nessas
circunstâncias, quem sofre diretamente é o establishment, de qualquer campo
político. O antipetismo não é que as
pessoas sejam burras, reacionárias, fascistóides. É como se dissessem:
"Você não enxerga pelo que estamos passando e ainda nos chamam de burras e
reacionárias? Nossa vida, independente de governo, tem sido uma desgraça".
As políticas compensatórias, que é o jargão oficial, elas são, de certa
maneira, insensíveis para o padecimento geral dos assalariados, daqueles que
estão na engrenagem social. Elas protegem quem está fora, mas fecha os olhos
para quem está dentro do olho do furacão. E isso é
considerado intolerável e o fato de perseguirem, por exemplo, desvios da
norma sexual, isso, para eles, não vai alterar nada. É apenas um bode
expiatório para qual você canaliza tudo aquilo que te angustia. E esse tipo de
curto-circuito não funciona mais e as pessoas sabem disso – e isso que é o
espantoso porque o bolsonarismo não está escondendo nada. Eles estão dizendo
o que eram. Mesmo durante dois meses intensos de campanha. O enigma está
aí. E enquanto a gente não decifrar isso vamos tomar no lombo mais uma bela
temporada.
E o
senhor tem uma pista?
Eu não
tenho nenhuma pista que seja razoável. A gente leu quilômetros de sociologia
sobre a realidade contemporânea brasileira. Mas não explica. Todo o repertório
clássico de psicologia das massas para decifrar o que seria um fascismo
contemporâneo, não há como encontrar uma descrição razoavelmente coerente.
É
complicado imaginar por que as pessoas fizeram este tipo de aposta. Estamos
realmente desnorteados e nenhuma explicação clássica satisfaz. É claro que eu
posso descrever o que é bolsonarismo, da ditadura militar, posso falar da lei
de anistia que não aconteceu. Mas tudo somado não dá para explicar nessa
conjuntura que virou pelo avesso em cinco anos.
Para Arantes, entender a migração
de votos de Lula para Bolsonaro é "a pergunta de um milhão de doláres".
Foto: Ricardo Stuckert / Brasil de Fato
Outro
fenômeno que aconteceu nessas eleições é o voto em Lula – que até então
liderava as pesquisas de intenção de voto no primeiro turno – terem se
convertido em votos para o Haddad, mas também em nulos, brancos e uma parcela
se reverteu também para Bolsonaro. Quem é esse eleitorado?
Essa é a
pergunta de um milhão de dólares. Os dados e mapas eleitorais ainda não foram
totalmente desagregados… É difícil entender o que é uma revolta conservadora,
dentro da ordem – que é uma das definições clássicas do fascismo. É um voto, para usar uma terminologia de uma
socióloga americana, dos insurgentes contra os entrincheirados. Chegar ao ponto
de você considerar um beneficiário de um programa como Bolsa Família como um entrincheirado,
como um privilégio, não é fácil de entender isso. Eu não me contento com as
explicações que estão circulando por aí. É um nó. Estamos fazendo uma
entrevista sobre um beco sem saída.
Nós
encontramos situações que são análogas ao que foi o fascismo histórico que é
uma reação de autoproteção da sociedade. A gente não está conseguindo explicar
absolutamente nada.
Então, existem 60 milhões de
pessoas que nós temos que ganhar. E qual o caminho para dialogar com essas
pessoas que, muito provavelmente, uma parcela delas será a primeira a sentir e
ser atingido por algumas medidas desse governo?
Pois é. Como a decepção vai ocorrer rapidamente
porque ele não vai entregar nada do que prometeu, vai ocorrer uma grande
frustração e uma migração para o outro campo. Só que esse campo só se manifesta
em movimentos eleitorais. O problema da esquerda é que ela está calculando que
por mais que essa derrota eleitoral, por mais acachapante que seja, ela é
recuperável. Seguramente, o vencedor vai enfiar os pés pelas mãos e não vai
conseguir entregar o que prometeu. E eu digo: o Brasil está ingovernável,
este é um problema fundamental.
Nós
continuamos a investir na frustração possível de um eleitor que vai ocorrer,
fatalmente, daqui a dois anos. Nós estamos pensando em termos eleitorais e
partidários – os eleitores possíveis para implementar nossas políticas que são
bem ou mal sucedidas. Nós não pensamos
jamais o que foi o que aconteceu lá atrás para nós perdemos desse jeito, esse
outro jeito que nós imaginávamos ser possível fazer no fins dos anos 1980 e
1990 que era política de massa. Nós continuamos apostando nisso, não no
fundamento insurrecional por assim dizer – com toda a cautela possível – desse
voto.
E ele foi um voto de protesto,
óbvio que foi. Foi um voto para varrer do mapa tucanos, petistas. Mas nós
estamos pensando que precisamos recuperar isso enquanto gesto eleitoral e não o
que apareceu ali, que não é para ser trabalhado como uma massa uniforme, para
mobilizar, fazer as velhas políticas antigas dos movimentos sociais. Nós não
sabemos o que fazer, mas há uma coisa se preparando aí. E vai mudar.
O que PT e companhia está
pensando em fazer? Exatamente o que foi feito nesses últimos cinco anos. Isso
significa que a OAB, tribunais, ministérios públicos estão aí para conter a
onda violenta que vem aí, esse rescaldo do fascista que ganha alguma coisa e se
sente empoderado. E no médio prazo, o que nós vamos fazer? Exatamente o que
eles fizeram e nós vamos repetir porque essa é a lógica: ninguém vai mais governar.
Daqui a seis meses ou um ano, está correndo um processo de impeachment.
Então, nós começamos pela
desestabilização via oposição e essa desestabilização é fácil fazer porque
temos setores organizados, no nosso campo, que podem por areia na máquina pelos
erros que eles vão cometer. Inevitavelmente, eles vão enfiar os pés pelas mãos
com a Previdência, na nova reforma dentro da reforma trabalhista. Isso posto,
nós começamos no Congresso a desarticular a base parlamentar deles,
inviabilizar o governo e, quando a mídia também mudar (a Folha já mudou).
Mas a
mídia é tucana, não é bolsonarista, ela simplesmente está tirando a
lasquinha dela e mostrando que está disposta a qualquer coisa, inclusive
um governo delinquente como o bolsonarismo. Mas, se não der certo, eu os rifo.
Então, como essa maré vai virar, nós podemos, regimentalmente como
está na Constituição brasileira, impichá-lo, como eles fizeram conosco.
Mas isso
não resolveria a crise política, não?
A encrenca brasileira é essa:
abriu-se a porteira da absoluta ingovernabilidade no Brasil. É o que ficou
claro na greve dos caminhoneiros, quando os militares se apavoraram, porque
viram que não tinham um efetivo para controlar aqui, as milícias tomaram conta
em boa parte e o conflito para onde vai a conta, ficou migrando. Não há mais nenhum tipo de
acordo de concertação social entre as várias categorias sociais, empresários,
bancos, agronegócio… Não há mais acordo possível. Ficou claro isso nos
últimos cinco anos. Tanto é que ocorreu o impeachment, que era absolutamente
desnecessário.
Havia a
possibilidade de um rearranjo da casa, como foi no fim da ditadura, para o
campo que pode ser chamado de democrático, que vai da extrema esquerda até a
centro direita, e repactuarmos alguma coisa depois nos moldes da Constituição de 1988. Como foi no
fim da ditadura. Mas o que nós temos
agora é um comportamento destrutivo da classe dominante brasileira que está
apostando todas as fichas em tirar sua castanha do fogo com o braço da
delinquência fascista. Ferre-se o resto. E isso é realmente o
inacreditável. Houve várias chances de acordo desde que se instaurou a crise
da Era Lulista. Mas eles resolveram puxar o tapete, fazer o impeachment e
abrir a porteira do inferno. Um caos político e social.
Você
acompanhou a trajetória do PT, desde o seu início. E agora, se encerra um
capítulo para o partido. Quais são as perspectivas para o partido?
Encerra,
mas não encerra. O futuro do PT não é dos
mais terríveis não. A perspectiva deles não é desoladora, nós é que estamos
agoniados e aflitos. Eles têm a primeira bancada no Congresso, governadores no
Nordeste, militância e um partido estruturado. O PSL é um partido socialmente
desqualificado. Não há nenhuma força no campo popular capaz de substituir o PT
com verossimilhança e como alternativa de poder e voto. Então, eles pensam, nós
estamos no caminho. Enquanto não aparecer nada que nos suplante enquanto
alternativa de poder e política social, por inércia, toda a política
progressista de esquerda no Brasil cai no nosso colo. É inevitável. Não é
ganância, sede de poder hegemônico. Eles querem sempre hegemonizar tudo, mas
não podem fazer de outro jeito. O PT está atravessado no meio do caminho e a
esquerda que está à esquerda do PT não ofereceu nenhuma alternativa credível.
Para eles, a perspectiva não é ruim não. Eles podem, inclusive, perfeitamente
ganhar a prefeitura daqui a dois anos.
E aí
continua o jogo e isso é o mais incrível dessa conjuntura. Nós estamos aqui
agoniados e o empenho deles é normalizar toda a situação. Não é que eles estão
dizendo que o Bolsonaro seja bonzinho, normalizado que ele possa ser,
assimilado, incorporado e será amansado se colocarmos uma focinheira nele
durante quatro anos. Eles estão se comportando como se isso fosse possível,
então é o que basta. Se disputa eleição, as instituições, o sistema eleitoral e
o TSE estão aí, então nós vamos fazer uma campanha que nós sabemos que vai ser
feita na mídia social, não mais com financiamento direto. E nós podemos voltar
ao poder e continuar a não sair. Isso é o inacreditável.
Nós
estamos ainda, por assim dizer, na era Geisel. Trata-se de neutralizar os dois
extremos. E como se neutraliza um dos extremos? Fingindo que ele não é um
extremo, procedendo normalmente para a próxima campanha eleitoral.
Você
citou um texto de um colunista da Folha dizendo que o Bolsonaro é o
anti-Geisel. A gente está nessa era Geisel, mas vem o Bolsonaro e ganha?
Ele é o
anti-Geisel, não o anti-Lula. Todo o comportamento do petismo, do lulismo é
impedir qualquer tipo de radicalização, dizendo "nós não somos nenhuma
ameaça ao ordenamento jurídico, ao poder estabelecido, nós
acatamos". O Lula foi vítima de uma
injustiça política, um erro judiciário, mas há duas outras instâncias ainda
para corrigir esse erro. Ele não fugiu do país, não foi embora, não chamou a
insurreição, acatou às leis, mas com o desejo de que seja feita a justiça
porque é inocente e foi condenado sem provas. Isso é dizer: "não temos
nada a ver com esse extremo, cedo ou tarde o bolsonarismo vai cair".
Essa assombração social não vai refluir, esse é o problema. E ele se comporta
como se fosse um acidente de percurso e a normalidade vai continuar a imperar,
com todas as instituições e partidos. Vão,
finalmente, reconhecer que o PT não é nem um bicho de sete cabeças, nem um
extremista, não é radical, é uma alternativa de governo que está se revezando
há muito tempo.
Com
relação à academia, a gente viu, nas últimas semanas, uma perseguição com
relação a alguns manifestos e o senhor
chegou a ser citado pelo próprio Bolsonaro nessa questão do Haddad, dizendo que
o senhor era um doutrinador marxista. Qual é o papel da universidade nesse
sentido? Quais são as ameaças para a produção do conhecimento em um governo
Bolsonaro?
Por
enquanto, é pura especulação. O que a
extrema direita faz, além de aprontar, aterrorizar e atemorizar? Só sabem fazer
isso. Por exemplo, as grandes escolas da Universidade de São Paulo (Direito,
Politécnica e Medicina) já são conservadoras, com professores titulares
conservadores, que têm seus próprios centros de financiamento e fundações,
então já é de direitta.
Bom,
então o que eles vão fazer? Vão pegar as três unidades que são
caracteristicamente de esquerda na Universidade de São Paulo (Filosofia, ECA e
Educação). Eles podem fazer piquetes para
atemorizar professores e alunos, vai haver denúncia em sala de aula. O que
eles querem é que nós fiquemos aterrorizados, mas há uma espécie de inércia
estrutural da instituição universidade pública, as particulares não vão mexer,
porque é um comércio, eles não vão aterrorizar um comerciante que está vendendo
seu produto e tem quem consuma pacificamente.
Quando
começam essas ameaças, a opinião pública fica escandalizada, mas nem tanto, e
passa. Aí, sim, começam as políticas
do dito desmonte das universidades públicas, ou as políticas educacionais
que vão aparecer, como o ensino a distância, que são lobbys funcionando, que
vêem fronteiras de acumulação na educação do ensino básico e médio.
Justiça Eleitoral ordenou,
durante a campanha, a retirada da faixa "UFF Antifascista", em
Niterói (RJ). Foto: Brasil de Fato
Do ponto de vista ideológico, não
é uma reversão. Por exemplo, na minha faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras, uma parte dos meus colegas são tucanos razoáveis, não são nada de
extrema direita, pelo contrário. O que eu vou fazer com eles? Não faz sentido.
Acontece que existem muitas novas
federais perdidas pelo Brasil afora que são mais vulneráveis a esse tipo de
guerrilha, de expedição punitiva, de atemorização, mas vai interferir na
contratação de professores, nos concursos públicos? Bom, nem a ditadura
conseguiu fazer isso. Abre um edital para contratação de professores de
Sociologia na Universidade do Cariri, o MBL vai lá impugnar o concurso, colocar
quadros? A gente
está muito atemorizado com isso, com aquela avalanche de mandados da Justiça
Eleitoral na última semana e nos dois últimos dias de campanha, achando que
isso vai ser o cotidiano das universidades nos próximos quatro anos. Elas serão
atemorizadas, têm todo o debate sobre o Escola Sem Partido, etc.
A
universidade vai ficar nesse embate ideológico para alimentar a excitabilidade
na esfera pública brasileira. Mas, em termos concretos, eu não vejo o que eles
podem fazer de pior. O que pode acontecer de pior, sim, é no governo, no
ministério, onde não sabemos ainda o que eles pensam sobre o que fazer com as
federais, a não ser ameaçar os reitores com cortes de verbas. Mas, eles já estão a pão e água há quatro
anos. Mais do que isso, sucatear, entregar para organizações sociais, é claro
que eles podem fazer muito estrago do ponto de vista administrativo central,
mas isso é um embate que já vinha acontecendo desde a desaceleração nos anos
Dilma.
Vai,
talvez, se intensificar uma espécie de plano descendente, mas o plano inclinado
para baixo já tem um bom tempo. Então, claro, que a universidade vai dizer:
"nós resistimos, nós protestamos contra aquela deputada de Santa Catarina
que pediu para denunciar [os professores]". Abaixo-assinado todo mundo
assina, 150 mil assinaturas, isso vai acontecer sempre. Mas, estamos muito mais organizados e mobilizáveis do que era há 50
anos, então não é assim, nós estamos entregando a rapadura muito rápido. As
universidades que já eram mais à esquerda, situadas em um campo mais
esclarecido e progressista, vão continuar. Não haverá recrutamento de professores
de extrema direita, os cursos não vão ser degradados, o Olavo de Carvalho não
será o ideólogo, o novo Paulo Freire da universidade brasileira. Nós
estamos raciocinando com parâmetros antigos, em um período histórico anterior.
A luta vai ser diferente, não sabemos ainda.
É claro
que se você entrar em uma sala de aula em um instituto de educação e se deparar
com uma turma de 50 alunos urrando boçalidades, é diferente, aí você vai entrar
no dia a dia de uma escola de ensino fundamental e médio da periferia.
No início
da entrevista, você comentou sobre o renascimento da política…
Como luta
e não como gestão. Pela primeira vez, o que se exprime nas eleições, uma
espécie de impulso político que não se resumia a gerar ou gerir políticas
públicas clássicas, era tomar o poder com embate político. E eles foram à rua ganhar no grito, nas redes sociais, e claro,
ganharam na base da mentira. A pessoa foi lá, com paixão, e ganhou a
insatisfação popular, souberam canalizar um determinado rumo que significou uma
vitória política avassaladora. Portanto, eleição e luta política fazem sentido
e podem fazer a diferença e mudar para uma coisa que nós não sabemos o que é
ainda. Eu sei que não vai haver governo, no sentido real mesmo, vai haver um
pandemônio, um deus nos acuda, todo mundo puxando o tapete de todo
mundo, lobby de tudo quanto é jeito, banqueiros, agronegócio, bala… A Taurus,
por exemplo, vai ficar sozinha e não vai deixar eles quebrarem o monopólio
dela, que é o que eles querem para botar uma série de empresas na indústria
bélica brasileira.
A
política voltou a isso e nós estamos completamente desarmados, desarvorados,
sem saber o que fazer, porque deixamos de fazer política há muito tempo, era só
gestão e governo e por aí afora.
A
correlação de forças mudou completamente, mas não vai ter mais governo, não vai
ter mais gestão como nós conhecemos. Os
tucanos fazem e nós fazíamos, até intercambiava, os nossos programas eram mais
ou menos semelhantes, melhor ou pior geridos. É claro que vai continuar Prouni,
Bolsa Família, FIES, mas tudo degradado, por inércia, não é uma inovação como
foi na época dos tucanos essa gestão que eles fizeram. Então, a política
voltou, mas aonde está o Estado? O Estado são as forças armadas, só, então
outra incógnita: o que esses militares que estão lá vão fazer? Nós
temos poucas entrevistas, poucos indícios, ninguém está pesquisando quem eles
são, quais são os conflitos internos nas forças armadas, sobretudo no Exército,
não sabemos, apenas suposições. Mas, o novo é isso, que os caras ganharam e
ganharam a rua. O fato de que você tem gente vociferando, mesmo que seja
energúmenos, que sejam coisas horripilantes, é uma energia política em
movimento e que está passando por cima.
E nós não
conseguimos empolgar ninguém, é essa a verdade. O cara é um líder de massa e o
nosso está lá na cadeia e ninguém levantou um dedo. No ABC, no Sindicato, foi o pessoal que o Boulos conseguiu arregimentar
no MTST ali do pedaço, não tinha mais de cinco mil pessoas. Seria uma história
que seria bem diferente, mas os 30 anos pregressos não justificariam
esperar um milhão de pessoas na Paulista. Se, por acaso, o Bolsonaro
perdesse não ia sair barato.
"Quem se mobilizou e encarou a nova realidade? Não foi o petismo, o
lulismo. Foram os secundaristas e as mulheres". Foto: Julia Dolce/Brasil
de Fato
Como a
esquerda pode voltar a encantar e a fazer essa política? Quais são as fissuras
e brechas?
Sinceramente,
eu não sei. Há 50 anos a derrota foi
acachapante, a força hegemônica do campo popular era o Partido Comunista
Brasileiro e ninguém tinha nada para pôr no lugar, que, estrategicamente,
perdeu tudo. Apostou em coisas impossíveis, como dispositivo militar, burguesia
nacional e por aí afora. Perdeu tudo. Não saiu desmoralizado, mas saiu
desacreditado. O primeiro movimento foi uma dissidência do Partido Comunista,
que foi para a necessidade de luta armada, que também perdeu. A partir de 1974,
o jogo começa a mudar com a via de governo institucional e, até aquele momento,
não existia nada, só um conglomerado de partidos chamado MDB e pouquíssimos
movimentos sociais surgindo, além do pólo industrializante do ABC.
Em menos de 10 anos, você tinha um campo constituído, que é o que está se
esfacelando agora. Então apareceu uma coisa nova que ninguém imaginava, depois
do PCB o que poderia acontecer, inclusive o fim da União Soviética.
O que vai acontecer depois do fim
do PT? O PT não vai morrer tão rápido quanto foi o PCB, que demorou de 10
a 15 anos até os sindicatos passarem para a Chapa 2, para as oposições
sindicais. O que vai aparecer no lugar do PT é o próprio PT se refundando. As refundações do Partido
Comunista Italiano não deram certo. Nós não sabemos por enquanto o que está aí.
A não ser mobilizações eleitorais efêmeras em torno de gestão, isso ficou para
trás. Podem até ganhar a prefeitura, mas não é o novo que vai aparecer. O que
vem depois não sabemos, são grandes novidades. Por exemplo, veio o impeachment,
quem se mobilizou e encarou a nova realidade? Não foi o petismo, o lulismo.
Foram os secundaristas e as mulheres. Essas coisas novas ninguém pode prever.
Quem é que imaginava que ia ter uma coisa daquelas dimensões com os
secundaristas? Tem dois meses de transição, o que vem pela frente? O que eles
vão aprontar a partir de janeiro? Vamos saber como vai ser a reação. É claro que o PT vai querer hegemonizar tudo
isso para ganhar as próximas eleições daqui há dois anos, e vão conseguir,
porque não tem nada para colocar no lugar, nada que os substitua. Quando
apareceu alguma coisa que substituiu o antigo Partido Comunista Brasileiro, ele
simplesmente desapareceu, depois virou um partido de esquerda.
*
Atualizada em 17/11/2018 às 8:08. O entrevistado afirmou "o lulismo está
sendo defenestrado assim como o tucanismo, porque são identificados como parte
do establishment", ao contrário do que foi públicado na primeira versão da
publicação.
Edição:
Pedro Ribeiro Nogueira
https://www.brasildefato.com.br/2018/11/13/abriu-se-a-porteira-da-absoluta-ingovernabilidade-no-brasil-diz-paulo-arantes/
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