por Rodrigo Martins na Carta Capital – Sociedade e Caos
Social Brasileiro
·
Em 2017, pela primeira vez em 15 anos, os 40% mais pobres tiveram
variação de renda pior do que a média nacional, aponta relatório da ONG Oxfam
·
Diretora-executiva da Oxfam Brasil, Kátia Maia prevê um enorme
retrocesso no combate às disparidades sociais, caso o Brasil não reveja as duras
medidas de austeridade adotadas nos últimos 2 anos
Foto: Tânia
Rego/Agência Brasil
Em 2017, havia cerca de 15
milhões de brasileiros na extrema pobreza, 11% mais do que no ano anterior
Em 2014,
o Brasil parecia disposto a se reconciliar com a parcela mais vulnerável da
população. Naquele ano, o País finalmente abandonou o vergonhoso Mapa da Fome
das Nações Unidas. Segundo o Banco Mundial, 29 milhões de cidadãos saíram da
condição de pobreza entre 2003 e 2014. Nesse mesmo período, o nível de renda
dos 40% mais pobres aumentou, em média, 7,1% em termos reais, enquanto o da
população geral cresceu 4,4%.
Infelizmente,
a roda da redução das desigualdades emperrou. Nos últimos anos, os brasileiros
voltaram a ser assombrados com o avanço da pobreza, o aumento da desigualdade
de renda no trabalho e até mesmo com a expansão da mortalidade infantil,
interrompendo um ciclo de queda de 26 anos.
Pior: não
há o mais pálido sinal de reversão da trajetória de regressão social, alerta o
relatório “País estagnado: um retrato das desigualdades sociais brasileiras”,
divulgado na manhã desta segunda-feira 26 pela Oxfam Brasil.
Em 2017,
pela primeira vez em 15 anos, os 40% mais pobres tiveram uma variação de renda
pior do que a média nacional. Nesse mesmo ano, havia cerca de 15 milhões
de brasileiros na extrema pobreza (7,2% da população), segundo os critérios
estabelecidos pelo Banco Mundial (renda percapita inferior a 1,90 dólar
por dia). O número é 11% superior ao de 2016, quando havia 13,3 milhões de
miseráveis (6,5% da população).
Não é
tudo. Os rendimentos médios dos negros encontram-se estagnados em relação aos
dos brancos há sete anos. Em 2016, a população negra ganhava o equivalente a
57% da remuneração das pessoas brancas. Em 2017, a proporção caiu para 53%. Na
prática, isso significa que os negros passaram a receber, em média, 1.545
reais, enquanto os brancos ganhavam 2.924 reais.
As desigualdades de renda entre
homens e mulheres e entre grupos raciais aumentaram (Foto:Tânia Rego/Agência Brasil)
Da mesma
forma, houve retrocesso no esforço de garantir a equiparação salarial entre
homens e mulheres. Segundo dados da Pnad Contínua do IBGE, elas ganhavam cerca
de 72% dos rendimentos dos homens em 2016, proporção que caiu para 70% no ano
passado. Trata-se do primeiro recuo em 23 anos.
O
relatório da Oxfam menciona ainda o avanço da mortalidade infantil,
que pela primeira vez desde 1990 voltou a crescer no País. Em 2016, foram
registradas 14 mortes para cada mil nascimentos, alta de 4,9% em relação ao ano
anterior.
Não por
acaso, o Brasil avançou uma casa no ranking das nações mais desiguais do
planeta, passando a ocupar em 2018 a 9ª posição em matéria de desigualdade de
renda medida pelo coeficiente Gini, entre 189 países analisados pelo Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).
Nos
gastos sociais, um retrocesso de 17 anos
A Oxfam aponta, entre as causas da regressão social, a crise econômica, fiscal e política iniciada no fim de 2014, que fez a renda despencar e o desemprego praticamente dobrar. A entidade questiona, porém, as drásticas medidas de austeridade adotadas desde então, a exemplo da Emenda Constitucional 95, que congelou por 20 anos os gastos públicos, incluídos os investimentos em saúde e assistência social.
A Oxfam aponta, entre as causas da regressão social, a crise econômica, fiscal e política iniciada no fim de 2014, que fez a renda despencar e o desemprego praticamente dobrar. A entidade questiona, porém, as drásticas medidas de austeridade adotadas desde então, a exemplo da Emenda Constitucional 95, que congelou por 20 anos os gastos públicos, incluídos os investimentos em saúde e assistência social.
Em 2016,
o espaço reservado para gastos sociais no orçamento federal retornou aos mesmos
níveis de 2001, segundo cálculos feitos pela entidade. Trata-se de um
retrocesso de 17 anos na priorização dos investimentos sociais contra as
abissais desigualdades que persistem no País.
“Ao se
tomar uma medida extrema para o controle de gastos, nada foi feito para
corrigir a profunda injustiça tributária vigente no Brasil”, afirma o
relatório, elaborado por Rafael Georges, coordenador de campanhas da Oxfam
Brasil. “A resposta apresentada até agora para a crise tem seguido na
contramão do que se aprende sobre política fiscal para redução de
desigualdades. No campo das despesas, reduziu-se o gasto social, tão importante
para proteger a base da pirâmide, ao mesmo tempo que, no campo das receitas,
foi mantido um sistema tributário que onera ainda mais essa base”.
A mortalidade infantil volta a
assombrar os brasileiros (Foto: Rovena Rosa/ABr)
De fato,
desde a promulgação da Constituição de 1988, os governos e o Poder Legislativo
mantiveram um maior peso na chamada tributação indireta, sobre bens e serviços,
cujos valores embutidos nos produtos são repassados indiscriminadamente para os
consumidores, sejam eles ricos ou pobres.
Essa
tributação indireta, a incidir sobre o consumo, chega a quase 50% da carga
tributária bruta do Brasil. Entre as nações desenvolvidas da OCDE, ela
corresponde a 33%, em média. Por outro lado, o Brasil é um dos
países que menos tributa renda e patrimônio. A arrecadação sobre esses dois
itens corresponde a pouco mais de 22% da carga tributária bruta. Entre os
países da OCDE, esse nível é de 40%.
Em
virtude de distorções como essa, os mais pobres acabam por pagar mais impostos
proporcionalmente do que os mais ricos.
Não
bastasse, o Brasil deverá abrir mão de mais de 283,4 bilhões de reais em renúncias
fiscais em 2018, como noticiou CartaCapital em abril
passado. Estimado pela Receita Federal, o valor é superior à soma dos
orçamentos da Educação e da Saúde: 107,5 bilhões e 131,4 bilhões,
respectivamente. As renúncias beneficiam, sobretudo, as empresas, enquanto
os investimentos sociais não resistem à navalha operada pelo governo.
Diretora-executiva
da Oxfam Brasil, Kátia Maia prevê um enorme retrocesso no combate às
disparidades sociais caso o Brasil não reveja as duras medidas de austeridade
adotadas nos últimos anos. “A Emenda 95 estaciona o Brasil no tempo. Não
permite que o País evolua, construa uma sociedade mais justa, tenha uma
economia mais robusta. Até porque a pobreza mina o desenvolvimento e a desigualdade
extrema gera violência”, afirma.
Ver a entrevista de Kátia Maia à Carta Capital em : https://www.cartacapital.com.br/politica/com-gastos-sociais-congelados-as-desigualdades-vao-se-aprofundar
Ver a entrevista de Kátia Maia à Carta Capital em : https://www.cartacapital.com.br/politica/com-gastos-sociais-congelados-as-desigualdades-vao-se-aprofundar
https://www.cartacapital.com.br/politica/reducao-da-desigualdade-de-renda-no-brasil-e-interrompida-alerta-oxfam
Nenhum comentário:
Postar um comentário
O comentário será analisado para eventual publicação no blog