“A
diferença entre 1,5ºC e 2ºC de aquecimento é a diferença entre a prosperidade e
a pobreza, a vida e a morte, entre proteger ‘o menor destes pequeninos’ e
ignorar seus pedidos de ajuda”, disse o cardeal John Ribat
por Brian Rowe* na
revista Instituto Humanitas Unisinos on-line** – Sociedade e Mudança
Climática Global
Foto na
revista IHU
É diante
desse pano de fundo que a última Cúpula do Clima das Nações Unidas foi aberta na Polônia
nesta semana. O Vaticano e organizações
católicas, com base nos ensinamentos papais de João Paulo II até Francisco, uniram-se ao esforço
mais amplo dos primeiros dias da conferência e daqueles que o antecederam para
imprimir nos líderes mundiais a necessidade de uma resposta mais rápida para
enfrentar “um desafio civilizacional”, pois os cientistas projetam que o
perigoso aquecimento do planeta está a apenas décadas de distância.
A
conferência anual das Nações Unidas sobre as mudanças
climáticas, a COP-24, começou no dia 2 de
dezembro em Katowice, Polônia, um histórico centro de mineração de
carvão em um país que lidera a Europa na produção desse produto. Embora
a fonte do combustível tenha estimulado o crescimento mundial desde a Revolução Industrial, sua
queima também emitiu dióxido de carbono na atmosfera, um dos gases do efeito
estufa que aprisiona o calor e aumenta a temperatura global desde os anos 1880.
Embora Katowice
seja considerada a cidade “mais verde” da Polônia, os primeiros
participantes da COP-24, que tem várias empresas
de carvão entre seus patrocinadores, observaram exposições de carvão no centro
de exposições e relataram uma espessa poluição pairando sobre a cidade do sul
do país.
O que
também está pairando é um sentimento de pressentimento, se o atual ritmo de
resposta às mudanças climáticas persistir.
“Estamos
em apuros. Estamos em grandes apuros com as mudanças climáticas”, disse
o secretário-geral da ONU, António Guterres, proferindo
poucas palavras em seu discurso de abertura da conferência.
“É
difícil exagerar a urgência da nossa situação. Mesmo quando testemunhamos
impactos climáticos devastadores causando estragos em todo o mundo, ainda não
estamos fazendo o suficiente, nem avançando o suficiente, para evitar uma
disrupção climática irreversível e catastrófica”, afirmou.
Acordo de Paris
Na COP-24, espera-se que os
líderes mundiais finalizem um livro de regras para implementar o Acordo de Paris, incluindo o
modo como os países irão relatar o seu progresso, ou a sua falta, no
cumprimento de suas promessas nacionalmente determinadas de reduzir as emissões
de gases de efeito estufa.
O evento
também será a primeira vez que eles oficialmente avaliarão até onde chegaram em
relação às metas que eles estabeleceram em dezembro de 2015. Por meio do Acordo de Paris, 195 países
concordaram em trabalhar juntos para manter o aumento da temperatura média
global “bem abaixo” de 2ºC e em trabalhar para limitá-lo a 1,5ºC.
Relatórios
recentes de órgãos científicos da ONU destacaram as “diferenças
robustas” entre um mundo com 2 graus de aquecimento e um mundo com 1,5 grau.
Meio grau a menos de aquecimento significa evitar que centenas de milhões de
pessoas caiam na pobreza, ao mesmo tempo que protege mais de 420 milhões da
exposição a ondas severas de calor, e dezenas de milhões, dos mares em
ascensão.
“Estamos
vendo em nossos programas que precisamos ajudar as pessoas a se adaptarem às mudanças
climáticas, já que a frequência e a gravidade dos choques ameaçam manter as
pessoas em um ciclo de pobreza”, disse Lori Pearson, assessora sênior de
política de alimentos e mudanças climáticas da Catholic Relief Services,
que está em Katowice para a primeira semana da COP-24.
Riscos a pobres e jovens
O cardeal
John Ribat, de Port Moresby,
Papua Nova Guiné, em um editorial do dia 27 de novembro no jornal Catholic
Herald, do Reino Unido, afirmou que as consequências das mudanças
climáticas “não são igualmente suportadas”, que os muito pobres e os muito
jovens “são mais propensos a viver em uma casa que pode ser varrida por uma
forte tempestade. Eles são mais propensos à falta dos recursos necessários para
escapar do caminho da tempestade. Eles são mais propensos a não ter nenhum modo
para reconstruir uma casa, replantar um campo, reiniciar uma escola”.
“A
diferença entre 1,5ºC e 2ºC de aquecimento é a diferença entre a prosperidade e
a pobreza, a vida e a morte, entre proteger ‘o menor destes pequeninos’ e
ignorar seus pedidos de ajuda”, disse.
Pearson afirmou que é “essencial” que a
reunião complete o livro de regras do Acordo de Paris para garantir a
sua implementação e sucesso. Junto com isso, a CRS e outras organizações
católicas de ajuda estão buscando uma reafirmação dos objetivos do acordo
climático.
“Esperamos
ver os compromissos reforçados diante do novo relatório [do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas]
e do entendimento de que as mudanças estão acontecendo mais rapidamente do que
as estimativas anteriores previam”, disse.
Em um
comunicado antes da COP-24, a Caritas Internationalis, a
macro-organização de ajuda da Igreja Católica, pediu que todos os
governos “adotem metas mais ambiciosas e substituam os combustíveis fósseis por
energias renováveis, sustentáveis e ecológicas até 2050, no máximo”. A Caritas Internationalis está
com uma delegação em Katowice, na
Polônia.
A
necessidade de descarbonizar a economia global até meados do século para evitar
o aquecimento de 1,5ºC foi reiterada no último relatório, divulgado em outubro,
do Painel Intergovernamental das Nações Unidas sobre
Mudanças Climáticas. Ele previu que, com as atuais taxas
de emissão, o planeta está no caminho para alcançar esse nível ainda em 2030.
Um
relatório separado das Nações Unidas reafirmou que os
planos de redução de emissões que os países apresentam em Paris são
“inadequados”, mantendo o aquecimento em 3ºC até o fim do século, e que, na
ausência de ações mais ambiciosas, o planeta ultrapassará a marca do 1,5ºC até
2030.
Além
disso, a maioria das nações – incluindo os Estados Unidos, Canadá,
África do Sul e a União Europeia – estão atrasadas em suas
primeiras promessas em Paris.
Vinte dos
anos mais quentes registrados ocorreram nos últimos 22 anos, sendo que 2018
está no caminho para ser o quarto mais quente. As emissões aumentaram novamente
em 2017, após três anos de estabilização. O ano passado testemunhou incêndios
maciços na Califórnia e inundações severas em Kerala, na Índia.
Pedido de ação ambiciosa e imediata
“Os
impactos das mudanças climáticas nunca foram piores. Essa realidade está
nos dizendo que precisamos fazer muito mais, que a COP-24 precisa fazer
isso acontecer”, disse Patricia Espinosa,
secretária-executiva da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças
Climáticas.
O “pedido
de ação ambiciosa e imediata” também foi feito no fim de outubro pelos bispos
presidentes de cinco Conferências Episcopais
continentais, em uma declaração conjunta instando os delegados da COP-24
a buscarem a transformação nos setores de energia, agricultura e finanças,
assim como a defenderem “passos ousados” dentro da comunidade católica mais
ampla “para viver a mudança que pedimos a partir dentro das nossas
instituições”.
Em seu
discurso na segunda-feira, 3 de dezembro, o cardeal Pietro Parolin, secretário de Estado vaticano e um
dos líderes da delegação da Santa Sé, ampliou a “proximidade, apoio e
encorajamento” do Papa Francisco à reunião sobre
o clima. Parolin disse que os dados
científicos “mostram claramente a necessidade urgente de uma ação rápida”, mas
que a tecnologia sozinha não vai resolver “uma questão cada vez mais moral do
que técnica”.
“Estamos
diante de um desafio da civilização em benefício do bem comum. (...) Diante de
uma questão tão complexa como as mudanças climáticas, em que o indivíduo
ou a resposta nacional em si não é suficiente, não temos outra alternativa
senão fazer todos os esforços para implementar uma resposta coletiva
responsável e sem precedentes, com a intenção de ‘trabalhar juntos para
construir a nossa casa comum”, disse Parolin, citando Francisco.
“Ainda é
possível limitar o aquecimento global”, acrescentou Parolin, “mas, para
isso, será necessária uma vontade política clara, voltada para o futuro e forte
para promover, o mais rápido possível, o processo de transição para um modelo
de desenvolvimento livre dessas tecnologias e comportamentos que influenciam a
superprodução de emissões de gases de efeito estufa”. Tal modelo promoveria
padrões sustentáveis de consumo e de produção, além de fomentar uma mudança no
estilo de vida, disse.
O chefe
da diplomacia vaticana também ressaltou a importância de uma “transição justa
da força de trabalho”, tema que ganhou fôlego na Polônia em termos do
que a quase eliminação do carvão como fonte de energia significa para as
famílias e comunidades cuja subsistência depende disso.
“A
transição justa da força de trabalho e a criação de trabalho decente são
significativas e devem ser combinadas com a devida atenção a aspectos como o
respeito aos direitos humanos fundamentais, a proteção social e a erradicação
da pobreza, com atenção especial às pessoas mais vulneráveis aos extremos
climáticos”, disse Parolin.
Impacto ambiental e consumo
O
presidente Donald Trump declarou sua
intenção de retirar os Estados Unidos do Acordo de Paris na primeira
oportunidade (novembro de 2020) – o único país a fazer isso, embora o
recém-eleito presidente brasileiro Jair Bolsonaro também tenha
sugerido uma medida semelhante. Trump cancelou a realização da próxima
conferência climática da ONU – e foi o único resistente entre os líderes
mundiais na recente cúpula do G20 em relação a uma declaração conjunta
para reafirmar o Acordo de Paris.
O governo
Trump rejeitou amplamente um
relatório divulgado na sexta-feira, 23 de novembro, de 13 agências federais que
resumiram como as mudanças climáticas já estão impactando os Estados
Unidos e as ameaças que elas representam para a saúde humana, as
comunidades costeiras, a infraestrutura e a economia.
“Para
aqueles que vivem em países mais ricos, isso significa que devemos estar muito
mais cientes do nosso impacto ambiental e encontrar modo de reduzir esse
impacto, especialmente em nossos padrões de consumo”, disse o Catholic
Climate Covenant em um comunicado sobre o Fourth National Climate Assessment.
O jornal New
York Times informou na segunda-feira, 3 de dezembro, que o governo Trump está acelerando os
esforços para iniciar a perfuração de petróleo no Refúgio Nacional de Vida
Selvagem do Ártico, no Alasca, antes da eleição de 2020. Na COP-24,
a delegação dos Estados Unidos deve realizar um evento no dia 10 de
dezembro para promover o carvão e os combustíveis fósseis, segundo a Reuters.
A delegação oficial dos Estados Unidos realizou um evento semelhante no ano
passado, na COP-23, em Bonn, na Alemanha.
Nesse
mesmo dia, a Pontifícia Academia das Ciências
realizará seu próprio simpósio de um dia inteiro na Universidade da Silésia,
em Katowice, reunindo líderes religiosos e cientistas. Copromovido pela Academia Polonesa de Ciências e
pelo Centro Nacional Francês para a Pesquisa Científica,
o evento está intitulado “Salvaguardando o nosso clima, promovendo a nossa
sociedade”.
Ele
contará com a presença do chefe climático da ONU, Espinosa; o
arcebispo Marcelo Sánchez Sorondo,
chanceler da Pontifícia Academia das Ciências; o prêmio Nobel Mario Molina; e o arcebispo de Gniezno,
Dom Wojciech Polak, primaz da Polônia.
Insua disse ao NCR que está
ficando cada vez mais claro para ele que a aliança entre ciência e religião é o
caminho a seguir para elevar o nível de ação, e particularmente de ação
urgente, sobre as mudanças climáticas ao mesmo patamar daquilo que os
cientistas dizem ser necessário para evitar consequências catastróficas. Uma
“urgência dramática” foi a mensagem que os cientistas levaram para uma reunião pré-COP-24
realizada pela Pontifícia Academia das Ciências em meados de novembro.
“Os
cientistas estão gritando para nós, pedindo-nos para mudar de rumo”, disse Insua,
que compareceu ao evento.
Em uma
declaração introdutória a essa reunião, Sorondo e Massimo Inguscio,
presidente do Conselho Nacional de Pesquisa da Itália,
disseram: “Somos a última geração que pode deter as mudanças climáticas
antes que elas provoquem mudanças irreversíveis em nosso planeta. O tempo está
quase acabando, e ações devem ser tomadas imediatamente, por todos, em todo o
mundo”.
“Mas
resta a esperança”, disseram, citando a Laudato si’, de que “a
humanidade ainda tenha a capacidade de trabalhar junto na construção da nossa
casa comum”.
Em seu
editorial, o cardeal Ribat disse que as negociações na COP-24
“podem ser um marco no caminho” iniciado em Paris há três anos, “uma
oportunidade para que os líderes mundiais demonstrem a coragem e a clareza
moral que todos nós desejamos”.
“Por
outro lado, elas podem ser uma desculpa para proclamações desanimadas,
declarações de apoio vacilantes e decepção para os milhões de pessoas em todo o
mundo que olham para eles com esperança.”
*Publicação:
National Catholic Reporter em 04-12-2018.
**Tradução:
Moisés Sbardelotto
Para ver o artigo completo,
acessar:
http://www.ihu.unisinos.br/585312-cop-24-comeca-na-polonia-com-dados-cientificos-claros-e-respostas-climaticas-incertas
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