No campo
progressista brasileiro, os últimos anos foram de intensa disputa e articulação
frente aos inúmeros retrocessos protagonizados, em boa parte, por mandos e
desmandos do Poder Judiciário, o qual atualmente tem sua mais representativa
figura como ministro da Justiça do governo de Jair Bolsonaro, de péssima fama
mundial, cujo filho e primeira dama devem explicações sobre repasses de valores
por motorista, entre outras calamidades. O campo jurídico protagonizou embates
e resistência de pessoas que se colocaram como defensoras da resistência
democrática.
por Brenno Tardelli, na Carta Capital – Sociedade e Judiciário
Brasileiro Fora de Controle Social
Dentre as
figuras do campo jurídico que se opuseram, destaca-se Carol Proner, professora
de Direito Internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, uma das
integrantes fundadoras da Associação Brasileira Juristas e uma das
organizadoras de livros críticos a sentença do Triplex de Sérgio Moro. A
jurista tem articulado inclusive no campo da política internacional, onde além
de palestras e encontros com a comunidade intelectual, Carol foi recebida já
mais de uma vez pelo papa Francisco, o qual está interessado em saber mais
sobre a política de austeridade e também de medidas de exceção promovidas pelo
Judiciário brasileiro.
Foto de encontro com o pontífice. Crédito: Arquivo pessoal/Instagram
A visita
mais recente ocorreu na última terça-feira 11 de dezembro, quando Carol foi recebida na
companhia do cantor, compositor e seu namorado Chico Buarque, além do advogado
argentino Roberto Carlés para entrega de um documento sobre o “lawfare”. Em
visita na residência privada do pontífice, a Casa de Santa Marta, no Vaticano,
o encontro durou aproximadamente 45 minutos, e passou por vários temas da
política brasileira, como a prisão do ex-presidente Lula. Para ela, “está claro
que o Papa considera Lula um preso político”.
Em
entrevista à CartaCapital, Carol contou sobre o encontro com Francisco,
explicou o que é lawfare e como a perseguição política pela via judicial tem
sido feita no país. Carol ainda fez duras críticas a Sergio Moro, recentemente
empossado como ministro da Justiça do presidente Jair Bolsonaro, acusado de
inúmeros desvios na campanha. A jurista ainda trouxe o conceito de lawfare,
central na combinação de meios e métodos de combate jurídico para tornar
possíveis os planos geoestratégicos de disputa econômica e política, valendo-se
da produção da instabilidade que somente o implacável combate à corrupção é
capaz de produzir.
Confira
na íntegra da entrevista:
CartaCapital:
Como foi
o encontro com o Papa?
Carol
Proner: O Papa
Francisco, para além de um líder espiritual, é também um líder político e um
chefe de Estado, de modo que exerce uma tríplice tarefa, e o faz de modo
exímio, pois tem enfrentado questões tabu dentro da própria igreja. Para nós,
assim como na visita que fizemos em agosto, a sensação é a de distinção por
sermos recebidos por um ator internacional maior. E ainda mais, na própria
residência, de modo tão cordial e com uma atitude fraterna e solidária ao povo
brasileiro e latino-americano. A atitude do pontífice é marcada pela
simplicidade e humildade de quem está ouvindo e sentindo a dor dos demais, de
modo que a sensação que transmite é a de cumplicidade com as nossas aflições.
Nas duas
visitas, nós relatamos a crise do Estado Democrático de Direito que vive o
Brasil desde 2016, agravada pelos dois anos de austeridade e restrições
políticas e econômicas do governo que substituiu a ex-Presidenta Dilma
Rousseff. Nós também falamos da crise dos poderes, da judicialização da
política e dos atos de exceção dentro da democracia. Os representantes de outros
países mencionaram seus processos que, em muito, coincidem com os nossos, em
especial quanto à criminalização dos movimentos sociais, políticos e de luta
por direitos. É curioso que, justamente no aniversário da Declaração Universal
dos Direitos Humanos, que acaba de completar 70 anos, tenhamos que conversar a
respeito dos retrocessos e da liquefação das instituições estatais e das
organizações internacionais diante do avanço do capitalismo neoliberal total,
este que não está disposto a fazer concessão à democracia.
Papa Francisco discursa no World Food Day, em 2017. ©FAO/Giuseppe
Carotenuto.
CC: Como o pontífice reagiu à prisão
de Lula?
CP: Se contarmos a visita do
Embaixador Celso Amorim em agosto, quando o Papa Francisco mandou uma mensagem
a Lula, além do rosário abençoado e enviado por um mensageiro, só este ano já
são três encontros para saber do Brasil. Relembro aqui que, em 2016, ele
admitiu ao prêmio Nobel da Paz, Adolfo Pérez Esquivel, estar muito preocupado
com as consequências negativas que a crise traria para toda a região, com a
possibilidade de grave retrocesso democrático. Apesar de não falar diretamente
do caso Lula – o que compreendemos pela posição que ocupa – o pontífice sempre
reafirma o que disse na homilia de 17 de maio, quando criticou o papel da mídia
em difamar pessoas públicas, comparando a um processo de perseguição nas arenas
quando a multidão grita para ver a luta entre mártires ou gladiadores. Relembro
as palavras do pontífice publicadas na Vatican News: “Criam-se
condições obscuras para condenar uma pessoa” (…) “A mídia começa a falar
mal das pessoas, dos dirigentes e, com a calúnia e a difamação, essas pessoas
ficam manchadas. Depois chega a justiça, as condena e, no final, se faz um
golpe de Estado”. No encontro de agosto, ele também disse estar preocupado
com a situação da América Latina, que está acompanhando de perto. Referindo-se
ao inobservado princípio da presunção de inocência, ele disse reconhecer que é
muito grave a inversão de valores e que hoje as pessoas precisam provar que são
inocentes.
Para mim,
está claro que o Papa considera Lula um preso político.
CC: Vocês entregaram um relatório
sobre lawfare ao Papa. O que seria isso?
CP: Há muita curiosidade a respeito
do relatório que apresentamos no Vaticano e que, entre outras coisas, tratou do
fenômeno do lawfare e das guerras jurídicas na América Latina. Ora, em
primeiro lugar é preciso entender que esse conceito não é novo. Toda crítica à
modernidade enfrenta o problema do uso perverso do direito como instrumento de
dominação e opressão, assim como já serviu para fundamentar regimes de exceção,
guerras comerciais e guerras humanitárias. No entanto, o que parece novidade é
a forma como tem sido engendrado pelos militares norte-americanos para definir
novas estratégias de combate por intermédio do direito. Um dos principais
autores de referência é o general Charles J. Dunlap, aposentado da Força Aérea
dos EUA, que descreve lawfare como “um método de guerra não
convencional pelo qual a lei é utilizada como meio para alcançar um objetivo
militar”.
O direito
é considerado a partir da capacidade de realizar o que, de outra forma,
exigiria o emprego da força militar tradicional, capacidade cinética (letal) ou
outras capacidades militares tradicionais.
Há
consenso, no meio militar contemporâneo, e não só nos Estados Unidos, em
considerar as leis como elemento central nos conflitos do século XXI. Um exemplo
recente pode ser visto na prisão da executiva chinesa Meng Wanzhou, do grupo de
telefonia Huawei, presa quando estava fazendo conexão aérea no Canadá, pela
suspeita de que a empresa teria realizado negócios com o Irã que são proibidos
por Washington.
CC: E em relação ao combate à
corrupção?
CP: Para além da guerra comercial, a
se imiscuir nas liberdades civis em nome de interesses maiores, o que muitos
pesquisadores do tema têm considerado preocupante é que a estratégia também
pode se utilizar do combate instrumental à corrupção sistêmica para fins
políticos, violando direitos individuais e coletivos e trazendo graves
consequências para a democracia. O que estamos constatando é que o combate à
corrupção sistêmica tem, digamos, uma preferência por alvejar experiências
progressistas de governo, seus partidos e líderes. O êxito do mecanismo é
evidente, pois utiliza a legitimidade da lei e dos atores do sistema de justiça
(a legislação, a jurisprudência, a legitimidade dos juízes, procuradores, a
polícia/violência legítima) e a cumplicidade da mídia hegemônica, para promover
perseguição política a um inimigo/alvo pela via judicial. Essa constatação é a
que foi percebida pelo Papa Francisco na homilia de 17 de maio.
Levando
em consideração que a perseguição é seletiva, com raras exceções, o ataque
seletivo às esquerdas representa, a contrario sensu, o elogio da gestão
privada, asséptica e profissional da direita em detrimento do paquidérmico
setor público intervencionista e estatista das esquerdas. Representa, em suma,
a defesa da gestão técnica e asséptica contra o amadorismo corrupto que
contamina os populismos de esquerda. Como discurso de fundo, retomam-se as
tradicionais bandeiras do neoliberalismo dos anos 80 – ineficiência da máquina
pública, desperdício do Estado, enriquecimento de líderes – mas com um requinte
de época: a forma de combater a esquerda no século XXI parece ser bem mais
sofisticada e agressiva, pois a corrupção passou a ser tratada como um mal
transnacional, equivalente ao tráfico de drogas ou ao terrorismo internacional.
Carol Proner em entrevista coletiva após encontro anterior com o
pontífice, ocorrido em agosto. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
A
corrupção é enunciada por expertos de think tanks, ONG’s, mídia, como um câncer
que corrói as bases da democracia e, desde o âmbito militar, é considerada uma
das principais ameaças à segurança continental. Não raro, notamos a associação
da corrupção dos países vizinhos – empresas e agentes públicos e privados – à
questão da segurança interna dos Estados Unidos, seja para desqualificar
governos, seja para engrossar o argumento de danos colaterais aos cidadãos norte-americanos.
Vejamos o caso dos acionistas estrangeiros e os processos movidos contra as
empresas estatais brasileiras, Petrobras e Eletrobras. A indenização que a
Petrobras terá de pagar aos cidadãos e empresas norte-americanas por lesão a
acionistas chega à cifra de US$ 2,95 bilhões, ou seja, quase 10 bilhões de
reais.
O lawfare
é, nesse sentido, uma estratégia central na combinação de meios e métodos de
combate jurídico para tornar possíveis os planos geoestratégicos de disputa
econômica e política, valendo-se da produção da instabilidade que somente o
implacável combate à corrupção é capaz de produzir.
Como
resultado, vemos o refluxo dos governos progressistas, acuados, defendendo-se
das acusações por meio de frágeis leis estatais ao tempo em que o ataque provém
do poderoso enquadramento na exceção a um mal maior, um crime de contornos
transnacionais, de apelo universalista humanitário.
CC:
Trata-se, então, de uma guerra jurídica assimétrica?
CP: Sim. Há uma diferença dramática
no tipo de “armamento” dessa guerra profundamente assimétrica. De um lado, a
defesa dos acusados procura recorrer ao arsenal do garantismo liberal de
legislação pátria para fazer valer, entre outros, o due process of law,
os princípios do contraditório, da ampla defesa, do juiz imparcial, da
presunção de inocência. De outro lado, com um jargão supranacional dos
crimes mais caros à humanidade, o ataque vem na forma de pré-julgamento, via
mídia hegemônica, do cometimento de crimes típicos de organizações criminosas a
ameaçar a democracia do planeta. De um lado está o réu; do outro, acusadores,
julgadores, delatores, opinião pública, exceção jurídica, criminalização,
execração pública e sanção (prisão, inabilitação política). Os justiceiros
contra a corrupção são tratados como heróis a salvar a democracia contaminada
pelas práticas corrosivas, lembrando aqui a analogia do pontífice quanto às
arenas de gladiadores.
Bom, isso
é notório no Brasil, contra Lula e o petismo, na Argentina, contra Cristina
Fernandes e o kirchnerismo, no Equador, contra Jorge Glass, Rafael Correa e o
correísmo, mas não só. Cresce, dentro dos países, a pressão pela alteração de
legislação das organizações criminosas para enquadrar aqueles que resistem
organizadamente, os que contestam o sistema capitalista ou os que lutam por
direitos, como sindicatos de trabalhadores e movimentos de camponeses e por
moradia. A criminalização dos movimentos sociais e políticos é uma forma – não
tradicional – de neutralizar a oposição a um projeto econômico extremamente
violento e antidemocrático. Seria esse um objetivo de guerra?
É aqui que
acreditamos estar presente uma armadilha cruel, que faz desse sistema um modelo
pérfido a trair a confiança da opinião pública e de setores nacionalistas de
boa fé. Qualquer democrata estará de acordo em fortalecer mecanismos de combate
à corrupção, mas seria essa a melhor forma? O modelo brasileiro está em
conformidade com a legislação internacional de combate a corrupção? É cuidadoso
com o próprio país quanto às garantias de funcionamento econômico, político,
jurídico e social do Estado Democrático de Direito? A resposta é um eloquente
não!
Vejamos,
com honestidade, as consequências da Operação Lava Jato, a responsabilidade da
megaoperação no desmantelamento dos setores econômicos nacionais, o impacto no
desemprego direto e indireto, a imagem irreversivelmente danificada de nossas
empresas nacionais e estatais. Será mesmo que é correto comparar a Lava Jato à
operação Mani Pulite da Itália? O que acham, os italianos, dessa comparação?
Quanto ao direito, quem aceita debater publicamente a legalidade dos métodos do
ex-magistrado Sérgio Moro e a legitimidade do comportamento dos agentes do
Ministério Público de Curitiba diante da vexatória exposição do power point
contra Lula? Não há muitos, entre os especialistas, os que têm coragem de
defender Sérgio Moro e o silêncio conveniente prevalece.
Avalio
que esse período histórico do Brasil será lembrado como de grande vergonha para
todos nós, um vexame total para o nosso sistema de justiça.
CC: A nomeação de Sérgio Moro para
ministro da Justiça compromete a investigação da Lava Jato?
CP: É evidente que compromete. A
conduta excepcionalmente ativista de Sérgio Moro sempre foi objeto de críticas
contundentes por parte da comunidade jurídica nacional e internacional,
rendendo manifestações em artigos especializados e livros compostos por
centenas de autores. Em diversos episódios, restou evidente a violação do
principio do juiz natural no critério da imparcialidade, que deve reger o justo
processo em qualquer tradição jurídica. Um juiz deixa de ser independente quando
cede a pressões decorrentes de outros Poderes, das partes ou, mais grave, a
interesses alheios e obscuros à estrita análise do processo. Um juiz que traz
para si a competência da maior operação anticorrupção da história do Brasil não
pode pretender atuar sozinho, à revelia dos demais Poderes e declarando
extintas ou suspensas determinadas regras jurídicas para atender ao clamor
popular anticorrupção. Um juiz com tal concentração de poder deveria ser
exemplo de máxima correição no uso de procedimentos jurídicos, tanto pelos
riscos às liberdades dos acusados como pelos efeitos nocivos de caráter
econômico inexoravelmente provocados pela investigação de agentes e empresas.
Recém empossados presidente Jair Bolsonaro e ministro da Justiça Sergio
Moro. Foto: José Cruz/Agência Brasil
No
entanto, o que se viu nos últimos anos foi o oposto. O comportamento de Moro,
percebido com clareza até pela imprensa internacional, ao noticiar um
julgamento sem provas e a prisão política de Lula, foi a de um juiz-acusador,
perseguindo um réu específico em tempo recorde e sem respeitar o amplo direito
de defesa e a presunção de inocência garantida na Constituição. Foram muitos
abusos desde o início, incluindo a interferência ilegal para frustrar uma ordem
de soltura determinada por um desembargador.
O
coroamento da cronologia de anomalias foi quando Sergio Moro, ainda na condição
de magistrado, atuou como político, aceitando o cargo de Ministro da Justiça
antes mesmo da posse do Presidente eleito e, gravíssimo, tendo negociado o
cargo durante o processo eleitoral, assumindo um dos lados da disputa, conforme
narrado pelo General Hamilton Mourão. Tal movimentação pública e ostensiva do
juiz confirma a ilegalidade de sua atuação político-partidária em favor de uma
candidatura, o que se vincula ao ato de divulgação do áudio do delator Antonio
Palocci para fins de prejudicar uma das candidaturas em disputa.
É tudo
muito escandaloso e suscita perguntas conspiratórias: afinal, por que o Moro
viaja tanto para os Estados Unidos? Com quem ele se encontra? Qual foi a
formação que ele recebeu? Por que alguém deixa uma carreira de 22 anos de
magistratura e aceita ingressar num governo mal afamado e cujo futuro está
destinado ao fracasso? Fico imaginando se os militares que apoiam o Moro sabiam
dessas idas e vindas dele e de membros do Ministério Público a outros países,
portando documentos, informações a respeito de nossas empresas de energia aos
órgãos de administração de justiça e de segurança dos Estados Unidos. Por fim,
quem controla este senhor? E já que o assunto é o Papa, recupero uma passagem
do Evangelho de João, quando Jesus expulsa os cambistas do Templo de Jerusalém:
quem nos defenderá dos vendilhões do templo?
O
silêncio da Suprema Corte é extremamente constrangedor.
Pagaremos
um preço alto. O ativismo e a parcialidade do juiz Sérgio Moro não abalam
apenas a segurança dos casos por ele julgados, mas transferem desconfiança a
respeito da ética e da independência com que conduzirá também o Ministério da
Justiça e da Segurança Pública, um ministério ampliado, no momento em que
prevalecem as ameaças de perseguição e criminalização dos movimentos sociais e políticos
como discurso oficial de governo.
CC: Como entender a guerra jurídica
dentro do contexto de interesses regionais maiores. O que é guerra híbrida?
CP: É isso que nós queremos
entender. Já somos um grupo que transita informações e análises entre vários
países para tentar entender a conexão dos recentes acontecimentos com
estratégias maiores. Às vezes, e outro dia alguém disse isso numa das reuniões,
parece até o surgimento de um novo Plano Condor. Há um analista russo, Andrew
Korybko, que criou um conceito que pode ajudar. Ele trabalha a noção de guerras
híbridas, nas quais as tradicionais ocupações militares vêm sendo substituídas
por operações indiretas para a mudança de regime, sendo muito mais econômicas e
eficazes do ponto de vista político.
O livro
de Korybko, “Guerras híbridas, das revoluções coloridas aos golpes” (traduzido
ao português pela editora Expressão Popular), descreve os mecanismos dessas
práticas incomuns, brandas, de interferência não violenta usada para combater
governos não alinhados. Desde o final de 2010, a onda de protestos que surgiu
no mundo árabe, a partir da Tunísia, estendendo-se à Argélia, Jordânia, Egito e
Iêmen (conhecida como Primaveras Árabes) deixou evidente a repetição dessas
novas técnicas político-militares evocadas em nome de conceitos fluidos, como o
é a defesa da democracia e da liberdade. Agora, parece que temos um novo
conceito fluido e bastante eficaz, o combate à corrupção “sistêmica” como
estratégia para desestabilizar as instituições democráticas sem a necessidade
do uso de armas.
Andrew Korybko, pensador russo, tem desenvolvido pesquisa sobre as
“guerras híbridas”
O
conhecimento do modus operandi dessas estratégias passa a ser essencial
para entender tanto a eleição de Trump como a de Bolsonaro, bem como para
explicar a viciada votação do Brexit e vários outros fenômenos que se apoiam em
notícias falsas, distorção da opinião pública, manipulação da informação. No
contexto dessas técnicas que – é certo que ainda são pouco conhecidas –
consideradas de quarta geração (teorias como a dos cinco anéis, desenvolvida
pela Força Aérea dos Estados Unidos, combinada com a teoria do caos aplicada às
guerras híbridas – produção e administração do caos), o jurídico instrumental é
somente uma peça na engrenagem. Mas é uma peça central.
A
existência de um articulado sistema jurídico, alinhado aos objetivos das
guerras híbridas, é uma grande ideia. Potencializa ainda mais os objetivos
estratégicos de desestabilizar, inviabilizar ou substituir um governo hostil,
ou seja, potencializa o objetivo final da guerra indireta: um golpe, a troca de
um regime. Impossível não enxergar aqui o bloqueio de Lula como candidato às
eleições de 2018 e a ascensão de Bolsonaro via fake news. As vantagens
em relação aos métodos tradicionais de guerra, são indiscutíveis, e os
resultados, devastadores e imprevisíveis, já que derretem a institucionalidade
do Estado Democrático de Direito.
É
assustador. Mas o que podemos fazer? Estudar, observar, pensar. A melhor forma
de reagir à construção desse edifício punitivo da judicialização da política,
que afeta as organizações da sociedade civil e os movimentos sociais, será bem
conhecer os mecanismos e estratégias, denunciar e armar resistência. Como dito
no início, revelar a perversidade e a deturpação de propósitos do combate
adequado à corrupção é papel de qualquer democrata, pois não é exagero
reconhecer que o lawfare vem se convertendo num dos maiores perigos para a
democracia do mundo e não somente para a América Latina.
https://www.cartacapital.com.br/justica/carol-proner-relatorio-entregue-no-vaticano-mostra-lawfare-no-pais/
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