por Caio de Freitas Paes e Tatiana Dias*
no The
Intercept – Sociedade e Crime em
Brumadinho
Três anos depois da Samarco em Mariana, mais um mar de lama invade Minas
Gerais. Moises Silva/O Tempo/Folhapress
No final do ano passado, em uma reunião no centro de Belo Horizonte, conselheiros, advogados e
representantes da sociedade civil e empresas de mineração decidiam o futuro da
exploração de ferro na região. Eles discutiram o pedido da Vale S.A. de ampliar
a capacidade da Mina Córrego do Feijão, que explora ferro em Brumadinho, na
região metropolitana de Belo Horizonte. Ambientalistas viram problemas na expansão.
Alguns conselheiros e a mineradora insistiram na liberação. Mesmo controverso,
o pedido da Vale – que aumentaria a capacidade da mina em 88% – foi aceito em
dezembro do ano passado.
Interessada
em expandir seus negócios na região, a Vale sequer cuidou do que já funcionava.
Hoje, pouco mais de um mês depois, uma das barragens de rejeitos daquela mina,
desativada desde 2015, se rompeu. Há pelo menos 58 mortos, 349 desaparecidos e um
impacto ambiental ainda incalculável – que pode chegar até o Rio São Francisco. Há quem diga que o desastre é ainda pior do que foi o da Samarco em
Mariana.
Mais uma
vez, não foi por falta de aviso. A presença da Vale na região estava na mira de
entidades de proteção ambiental e dos moradores da região que, em dezembro do
ano passado, protestaram contra a expansão da mineração. E o governo do petista
Fernando Pimentel em Minas Gerais sabia bem que o processo de licenciamento
daquela mina era problemático. Ainda no final do ano passado, o secretário de
Meio Ambiente, Germano Luiz Gomes Vieira, recebeu uma carta do Fórum Nacional
da Sociedade Civil na Gestão de Bacias Hidrográficas, o Fonasc, pedindo que o
processo de licenciamento fosse suspenso. A entidade estava em uma disputa
dentro do Copam, o Conselho de Políticas Ambientais de Minas Gerais,
responsável pela licença, tentando impedir que o processo da mineradora
avançasse.
A entidade
constatou uma série de inconsistências no processo de licenciamento. Para
começar, ele sequer seguiu os ritos tradicionais: em vez de ter as licenças
prévia, de instalação e de operação, no chamado modelo trifásico, a Vale
conseguiu cortar caminho por meio da chamada licença LAC1. Isso aconteceu
graças a uma mãozinha do governo mineiro, que aprovou uma deliberação que
garante que empreendimentos de mineração de grande porte, antes classe 6,
fossem enquadrados como classe 4, que tem um procedimento mais simples.
Item 5 2 Relato De Vistas FONASC (VALE)26 pages
O Fonasc
classificou o pedido de expansão – que aumentaria em 88% a capacidade de
extração, inicialmente prevista para seguir até 2032 – dentro da “classe 4″
como uma “insanidade”. É a mesma classe em que está, por exemplo, a
problemática mineração da Anglo American, também em Minas Gerais. “É gravíssimo
porque, na realidade, são de grande porte e grande potencial devastador”, disse
Maria Teresa Corujo, conselheira ambiental, durante a reunião que decidiu pela
liberação do projeto.
Em uma
carta enviada no dia 30 de novembro de 2018, o Fonasc, do qual Corujo faz
parte, pediu a Breno Esteves Lasmar, presidente da Câmara de Atividades
Minerárias, a retirada da pauta do pedido de licenciamento da Vale. Além da
“insanidade” de ter o seu impacto minimizado, o pedido da mineradora tinha
problemas técnicos – não havia apresentado a correta delimitação da área, por
exemplo.
Uarlen
Valerio/O Tempo/Folhapress
Os
pareceres também minimizaram os impactos ambientais ao dizer que o
empreendimento ficaria em uma área já alterada pelo homem. Ignoraram, porém,
que a expansão atingiria o Parque Estadual da Serra do Rola Moça, terceiro
maior do país em regiões urbanas. Ao atingir o parque, coloca em risco as
mananciais que a unidade de conservação protege – cursos d’água como Taboão,
Rola Moça, Barreirinho, Barreiro, Mutuca e Catarina; todos servem ao
abastecimento da população da Região Metropolitana de Belo Horizonte.
Secretaria do Meio Ambiente
classificou as reclamações como ‘questões meramente procedimentais’.
Yuri
Rafael de Oliveira Trovão, presidente suplente da Câmara de Atividades
Minerárias, no entanto, decidiu seguir com o processo. A entidade, então, subiu
um degrau e escreveu ao secretário de estado de Meio Ambiente de Minas Gerais,
Germano Luiz Gomes Vieira, alegando “necessidade imediata do controle de
legalidade da decisão” de Trovão.
O parecer
da secretaria de Meio Ambiente mineira foi lido na reunião da Câmara de
Atividades Minerárias. Para Germano, os problemas apontados pelo Fonasc eram
irrisórios, “questões meramente procedimentais”, e a mudança do tipo de licença
requisitada pela Vale tinha sido devidamente anunciada à sociedade por
publicação no Diário Oficial do Estado. Dizia ainda que não haveria “qualquer
prejuízo ambiental” se o procedimento seguisse os ritos e fosse discutido
durante o encontro.
Ali, dia
11 de dezembro, cinco representantes de órgãos do Governo do Estado de Minas
Gerais, três de entidades ligadas ao setor produtivo mineiro e o Conselho
Regional de Engenharia e Agronomia de Minas Gerais (Crea-MG) votaram a favor do
licenciamento, enquanto apenas o Fonasc votou contra. Um mês depois, a barragem
da Vale em Brumadinho se rompeu.
Segundo a
secretaria estadual do Meio Ambiente, “o empreendimento, e também a barragem,
estão devidamente licenciados”. O governo diz que a barragem “não recebia
rejeitos desde 2015 e tinha estabilidade garantida pelo auditor, conforme laudo
elaborado em agosto de 2018″.
Comunidades reclamam há mais de uma década da Vale
Durante a
reunião que concedeu a licença à Vale, moradores de Casa Branca contaram os
problemas que enfrentam, como a crônica falta de água que assola a comunidade.
“Alguém
vive aqui sem água? Nós estamos vivendo uma crise hídrica já, à beira de um
colapso hídrico. Na hora que faltar água, nós vamos nos lembrar do dia de hoje,
de tudo que está sendo falado aqui e do que possivelmente vai ser votado aqui
hoje. quem está falando que não vai faltar água? A empresa responsável por
Bento Rodrigues, a empresa responsável por Mariana, a empresa responsável pelo
rio Doce. Vocês se esqueceram disso?”, disse Ka Ribas, um dos representantes da
comunidade.
Em
dezembro do ano passado, eles chegaram a fazer uma manifestação contra a
concessão de novas licenças de mineração na região.
Moradores
da região reclamam há mais de 10 anos sobre desmatamento ilegal e a má
qualidade da água contaminada pela mineração – a comunidade registra um alto
número de problemas dentários por conta no minério de ferro na água.
O minério
de ferro é extraído do local desde os anos 1950, e a Vale S.A. opera a mina
desde 2003. Foi em 2015 que entrou com o pedido para ampliar a capacidade das
minas Córrego do Feijão e Jangada, respectivamente nas cidades de Brumadinho e
Sarzedo. Como é praxe nesse tipo de licenciamento, são necessários estudos de
impacto e a análise de ambientalistas e pesquisadores para calcular a
viabilidade de um empreendimento – e seus respectivos custos ambientais e
sociais. Muitos desses estudos são problemáticos.
E vale lembrar: as mineradoras
estão entre as principais interessadas em afrouxar as regras de licenciamento ambiental, que está em
discussão na Câmara. E o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, já mostrou
que é da turma que defende a “agilidade” no processo de
licenciamento.
https://theintercept.com/2019/01/25/barragem-brumadinho-vale/
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