A Amazônia: nem selvagem, nem
pulmão, nem celeiro do mundo
O teólogo
Leonardo Boff escreve sobre a Amazônia, afirma-a como " o templo da maior
biodiversidade" planetária e desfaz três mitos ao redor da floresta: ela
não é selvagem, nem é o pulmão do mundo e menos ainda futuro celeiro da
humanidade
por Leonardo Boff no portal brasil 24/7 – Sociedade e Luta Popular contra a Destruição da
Amazônia
Floresta Amazônica: templo da
biodiversidade planetária (Foto: brasil 24/7)
O Sínodo
pan-amazônico a se celebrar em Roma em outubro deste ano demanda sabermos
melhor sobre o ecossistema amazônico. Há que se desfazer mitos.
O
primeiro mito: o indígena como selvagem e genuinamente natural e por
isso em sintonia perfeita com a natureza. Regular-se-ia por critérios
não-culturais, mas naturais. Ele estaria numa espécie de sesta biológica face à
natureza, numa perfeita adaptação passiva aos ritmos e à lógica da natureza.
Esta
ecologização dos indígenas é fruto do imaginário urbano, fatigado pelo excesso
da tecnificação e da artificialização da vida.
O que
podemos dizer é que os indígenas amazônicos são humanos como quaisquer outros
humanos. E como tais, estão sempre em interação com o meio. Mais e mais a
pesquisa comprova o jogo de interação entre os indígenas e a natureza. Eles se
condicionaram mutuamente. As relações não são "naturais" mas
culturais, como nós, numa teia intrincada de reciprocidades. Talvez nisso os
indígenas têm de singular, distintivo do homem moderno: sentem e veem a
natureza como parte de sua sociedade e cultura, como prolongamento de seu corpo
pessoal e social. Não é como para os modernos, como um objeto mudo e neutro. A
natureza fala e o indígena entende a sua voz e mensagem. A natureza pertence à
sociedade e a sociedade pertence à natureza. Estão sempre se adequando
mutuamente e em processo de adaptação recíproca. Por isso são muito mais
integrados que nós.Temos muito a aprender da relação que eles entretém com a
natureza.
O segundo
mito: a Amazônia é o pulmão do mundo. Os especialistas afirmam que a
floresta amazônica se encontra num estado climax. Quer dizer, ela se
encontra num estado ótimo de vida, num equilíbrio dinâmico no qual tudo é
aproveitado e por isso tudo se equilibra. Assim a energia fixada pelas plantas
mediante as interações da cadeia alimentar conhece um aproveitamento total. O
oxigênio liberado de dia pela fotossíntese das folhas é consumido pelas
próprias plantas de noite e pelos demais organismos vivos. Por isso a Amazônia
não é o pulmão do mundo.
Mas ela
funciona como um grande filtro do dióxido de carbono. No processo de
fotossíntese grande quantidade de carbono é absorvido. Ora o carbono é o
principal causador do efeito estufa que aquece a terra (nos últimos 100 anos
aumentou em 25%). Caso um dia a Amazônia fosse totalmente desmatada,seriam
lançados na atmosfera cerca de 50 bilhões de toneladas de carbono por ano.
Haveria uma mortandade em massa de organismos vivos.
O
terceiro mito: a Amazônia como o celeiro do mundo. Assim pensavam os
primeiros exploradores como von Humbold e Bonpland e os planejadores
brasileiros no tempo dos militares no poder (1964-1983). Não é. A pesquisa
mostrou que "a floresta vive de si mesma" e. em grande
parte. “para si mesma” (cf. Baum, V., Das Ökosystem der tropischen
Regeswälder, Giessen 1986, 39). É luxuriante mas num solo pobre em humus.
Parece um paradoxo. Bem o esclareceu o grande especialista em Amazonas Harald
Sioli:"a floresta, cresce, de fato, sobre o solo e não do
solo" ( A Amazônia, Vozes 1985, 60). E o explica: o solo é somente
o suporte físico de uma trama intrincada de raízes. As plantas se entrelaçam
pelas raízes e se suportam mutuamente pela base. Forma-se um imenso balanço
equilibrado e ritmado. Toda floresta se move e dança. Por causa disso,quando
uma é derrubada, carrega várias outras.
A
floresta conserva seu caráter luxuriante porque existe uma cadeia fechada de
nutrientes. Há os materiais em decomposição no solo - a serapilheira - que são
folhas, frutos, pequenas raízes, excrementos de animais silvestres . Eles são
enriquecidos pela água que goteja das folhas e da água que escorre dos troncos.
Não é o solo que nutre as ávores. São as árvores que nutrem o solo.
Estes dois tipos de água lavam e carregam os excrementos dos animais
arborícolas e animais de espécies maiores como aves, macacos, coatis, preguiças
e outros, bem como a miríade de insetos que têm seu habitat na copa das
árvores. Existem ainda uma enorme quantidade de fungos e outro sem-número de
micro-organismos que juntamente com os nutrientes reabastecem as raízes. E
pelas raizes, a substância alimentar vai às plantas garantindo a exuberância
extasiante da Hiléia amazônica. Mas se trata de um sistema fechado, com um
equilíbrio complexo e frágil. Qualquer pequeno desvio pode acarretar
consequências desastrosas. O humus não atinge, comumente, mais que 30-40
centímetros de espessura. Com as chuvas torrenciais é carregado embora. Em
pouco tempo aflora a areia. A Amazônia sem a floresta pode se transformar
numa imensa savana ou até num deserto. Por isso que a Amazônia jamais
poderá ser o celeiro do mundo. Mas continuará a ser o templo da maior
biodiversidade.
Constatava
o especialista da Amazônia Shelton A. Davls ainda em 1978 e vale para
2019:"Neste momento está sendo travada uma guerra silenciosa contra povos aborígenes, contra camponeses inocentes
e contra o ecossistema da floresta na bacia amazônica" (Vítimas do
milagre, Zahar 1978, 202). Até 1968 a floresta estava praticamente intacta.
Desde então, com a introdução dos grandes projetos de hidrelétricas e do
agronegócio e hoje sob o anti-ecologismo do governo Bolsonaro, continua a
brutalização e devastação da Amazônia.
https://www.brasil247.com/blog/a-amazonia-nem-selvagem-nem-pulmao-nem-celeiro-do-mundo
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