Rascunho
de documento preparado por cientistas que será submetido ao Painel Intergovernamental sobre
Mudanças Climáticas (IPCC) conclui que modo de produção agrícola e consumo atual não são
sustentáveis, acelerarão degradação e levarão milhões à pobreza
por Jamil Chade no blog do Reinaldo Azevedo – Sociedade e Agricultura que Destrói o Planeta
Pasto queimado às margens da
BR-319 próximo de Humaitá, no sul do Amazonas Foto: Lalo de Almeida
-11.ago.2018/Folhapress
GENEBRA – A sociedade terá
de mudar a forma pela qual produz, transporta e até consome alimentos se quiser
evitar um desastre social e climático nas próximas décadas. Essa é a principal
conclusão de um rascunho de um novo documento que será considerado pelo Painel
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), a partir de agosto.
O
documento obtido pelo UOL, datado de final de abril, já
sofreu algumas mudanças desde então e passou por edições para sua consideração
final. Mas fontes confirmaram que as linhas gerais continuam as mesmas, assim
como os alertas.
Ganhador
do prémio Nobel da Paz, o IPCC tem sido o responsável por revelar ao mundo a
dimensão das transformações climáticas que enfrenta o planeta. De uma forma
técnica e não política, os cientistas do IPCC constatam agora que, da forma que
está organizada hoje, a agricultura não é sustentável e pode aumentar a pressão
sobre florestas e sobre a própria temperatura média do planeta.
Propondo
praticamente uma nova relação entre a sociedade e o uso da terra, os
especialistas são categóricos: se nada for feito, os preços de alimentos
aumentarão, as populações estarão menos resistentes às mudanças climáticas e o
impacto pode ser "irreversível" sobre a fome e sobre os ecossistemas,
dos quais a humanidade depende.
Hoje, o
desmatamento contribui com cerca de 10% a 15% das emissões de CO2. Desde 1961,
5,3 milhões de quilômetros quadrados foram transformados em terras aráveis, o
equivalente a dois terços da Austrália. Para os cientistas, "a taxa e
extensão geográfica de exploração de terras nas últimas décadas é sem
precedentes na história humana". Isso, segundo o novo documento, levou à
perda de biodiversidade e acelerou degradação de terras.
Hoje,
segundo eles, 22% de emissões de gases de efeito estufa tem origem na
agricultura e no uso da terra. Considerando todo o sistema alimentar global –
produção, transporte e consumo – o setor representaria 30% das emissões.
A
produção agrícola é ainda responsável por metade das emissões de metano e 75%
de N20, taxa que dobrou desde 1961. Ouso de fertilizantes se multiplicou por
nove, enquanto a área irrigada dobrou. Segundo os cientistas, a irrigação para
a agricultura hoje consome 70% do uso de água potável no planeta.
Atualmente,
72% da cobertura terrestre é alvo de um uso de sociedades e até 33% é destinado
a produção de alimentos e energia.
Mas, ao
mesmo tempo que a produção ganha uma nova dimensão, os cientistas alertam que o
desperdício de alimentos aumentou em mais de 40% desde 1961 e hoje está acima
de 25% de toda a produção. Enquanto isso, o consumo de carnes e óleos dobrou
desde os anos 60.
Ou seja,
o planeta está usando mais terras, mais água, mais fertilizantes para um
consumo que desperdiça cada vez mais e baseado em uma produção
o insustentável.
o insustentável.
Impacto
Com tal
expansão, a constatação dos cientistas é de que, hoje, 25% das terras no mundo
estão ameaçadas de degradação e a população mais vulnerável ao impacto disso
será a mais pobre. Atualmente, 500 milhões de pessoas vivem em áreas que passam
por desertificação, 300% acima dos números existentes em 1961.
O
desafio, porém, é como lidar com tal cenário, num ambiente de pressão cada vez
maior para aumentar a produção de alimentos e do próprio clima.
Um dos
fatores seria a pressão econômica, que poderia ampliar desafios ambientais,
levando a uma maior conversão de ecossistemas naturais em terra aráveis. Mas o
informe alerta que o aquecimento global já é um desafio real para a produção de
alimentos.
De acordo
com o rascunho do informe, mudanças climáticas irão criar um estresse adicional
sobre as terras, exacerbando riscos relacionados com desertificação, degradação
de terras aráveis e segurança alimentar.
De acordo
com os cientistas, o aumento da temperatura terrestre foi de 1,4 graus Celsius
desde 1850, contra uma média para o planeta de 0,87 grau. A tendência,
portanto, deve continuar.
A
intensidade de eventos climáticos extremos também aumentou e a previsão é de
que as ondas de calor serão mais frequentes, mais intensas e mais longas. Uma
das previsões é de que a seca pode se ampliar em regiões como o sul da
Amazônia.
Assim, a
constatação é que mudanças climáticas exacerbam degradação de terras e até
mudando rotas de ciclones e ciclos de chuva.
2.fev.2013 – Há dez anos, o
governo federal lançava em Guaribas, no sul do Piauí, o Programa Fome Zero, com
o objetivo de erradicar a miséria (AGÊNCIA BRASIL)
Fome
Para os cientistas,
as mudanças climáticas e a degradação de terras atuam como
"multiplicadores de ameaças" para vidas já precárias, deixando essas
populações vulnerável para eventos climáticos extremos. A consequência será
será um aumento da pobreza e insegurança alimentar.
Em
algumas áreas, a produção de milho, trigo e algodão já estão sofrendo, além da
queda de pastagem. Também há o risco de uma queda de produtividade de certos
cultivos em áreas tropicais.
Se para
diversos países, a quebra de safras pode resultar em um colapso do PIB, a outra
faceta de tal tendência será o aumento no preço dos alimentos. Uma vez mais,
serão os pobres que mais sofrerão.
Uma das
previsões chega a apontar para o aumento do preço médio de cereais em 29% até
2050, justamente por conta das mudanças climáticas.
Segundo o
rascunho do informe, a "estabilidade do abastecimento de alimentos deve
cair" por conta da magnitude e frequências de eventos extremos, afetando
as cadeias alimentares pelo mundo.
O que
também se constata é um ciclo vicioso. Quanto mais a agricultura atual
pressiona o clima, mais os efeitos ambientais acabam voltando a afetar a
capacidade de produção de alimentos.
O
informe, por exemplo, alerta que existe um risco real de que as mudanças
projetadas de uso de terras vão continuar a elevar as temperaturas no século
21, justamente ao tentar produzir para uma população cada vez maior.
A própria
desertificação gerada pelo modelo agrícola e as emissões de CO2 por conta da
atual exploração de terras acabarão exacerbando ainda mais as mudanças
climáticas que, por sua vez, voltarão a afetar a agricultura.
Para os
cientistas, o risco futuro de mudanças climáticas não depende apenas da
elevação das temperaturas, mas como populações, o consumo de alimentos e o uso
de terras vão evoluir.
Os mais
ricos e aquela parcela da população com mais tecnologia resistirão melhor. Mas
os demais ameaçam ver suas vidas ainda mais fragilizadas.
Novas dietas
Para os
cientistas, não existem dúvidas: medidas precisam ser adotadas por governos
para rever o atual modelo de produção de alimentos, tornando o campo mais
produtivo e mais sustentável.
O
informe, porém, deixa claro que apenas reformar o campo não seria suficiente.
No setor do consumo, os especialistas sugerem medidas para incentivar dietas
mais equilibradas, mais saudáveis, com políticas para diversificar o consumo de
alimentos. Isso, segundo eles, aumentaria a resistência às mudanças climáticas.
Para que
esse consumo sofra uma mudança, a sugestão é de que governos implementem
políticas para diversificar o abastecimento de alimentos nas escolas, além de
incentivos para seguro saúde e campanhas de conscientização para mudar hábitos.
Ao
aumentar o consumo de frutas, grãos e legumes, sociedades estariam abrindo uma
oportunidade real para reduzir emissões de CO2.
Outra
recomendação é reduzir o desperdício, tanto na produção, como no transporte e
no consumo final.
Juntas,
as mudanças de dietas e redução de perdas na produção poderiam liberar 5,8
milhões de quilômetros quadrados de terras.
Etanol
Outra recomendação
do documento se refere à produção de bioenergia, principalmente com o avanço de
cultivos em diversas partes do mundo. De forma pontual, o uso de energia a
partir de produção agrícola pode fazer sentido e até ter um impacto positivo.
Mas, para os cientistas, uma produção em larga escala coloca pressão extra
sobre o uso de terras e aumenta a concorrência pela água.
Portanto,
o informe sugere que deva haver um limite para o recurso ao etanol e outras
alternativas. Caso contrário, a proliferação de amplas áreas de monocultura
para bioenergia pode aprofundar os desafios climáticos para o planeta.
"O
uso generalizado de vários milhões de quilômetros quadrados podem afetar o
desenvolvimento sustentável com o aumento de riscos, potencialmente consequências
irreversíveis, para segurança alimentar, desertificação e degradação de
terras", alertam.
Na
avaliação do grupo, a produção de biomassas em monoculturas, irrigadas e com
fertilizantes pode levar à degradação dos solos.
Área de desmatamento em Porto
Seguro, regiao sul da Bahia Diego Padgurschi – 17.mai.2017/Folhapress
Mais
regulação
No
rascunho do documento que é, no fundo, uma proposta de uma nova forma de pensar
o abastecimentos de alimentos no planeta, os especialistas deixam claro que
cabe aos governos uma ação decisiva para promover essa transformação.
A
combinação de pressões vindas de variação climática, mudanças climáticas
geradas pelo homem e mudanças no uso da terra representariam uma ameaça de
pobreza e contribuiria para "o aumento de fome e doenças".
A
recomendação é para que haja maior regulação sobre a forma de produzir e do uso
da terra para proteger pessoas e solos. Políticas públicas, portanto, ajudariam
a resistir à instabilidade.
Com a
meta de garantir a segurança alimentar e o bem estar, os cientistas sugerem
políticas para frear a degradação dos solos, como medidas para incentivar a
gestão de terras.
Uma das
opções seria por meio da diversificação do sistema de produção alimentar,
considerado como uma "estratégia chave" para reduzir riscos gerados
pelas mudanças climáticas. Também se pede uma produção mais eficiente.
Os
cientistas não escondem que tais transformações na agricultura vão exigir maior
financiamento, medidas de proteção social a quem está no campo e mesmo esquemas
de seguro de saúde. Mas eles acreditam que essas medidas podem "reduzir de
forma importante a vulnerabilidade de humanos às mudanças climáticas".
Outra
recomendação para ajudar na conservação é ainda a de dar mais poder e acesso às
terras a grupos marginalizados ou minorias, como indígenas e mulheres. Isso
seria uma forma de reduzir a pobreza e também criar maior resistência das
comunidades às mudanças climáticas. Para que isso consiga ser obtido, o maior
envolvimento de populações locais nos debates sobre uso da terra e seu
monitoramento precisa ocorrer.
Segundo o
rascunho do documento, a aposta na conservação e gestão sustentável de terras
tem retorno. Para cada dólar investido em gestão sustentável da solos, de 3 a 6
dólares seriam em termos para a economia, beneficiando inclusive a comunidade
global.
Mas os
cientistas também alertam que, hoje, políticas que acentuam a pobreza e
degradação são "barreiras" para um desenvolvimento mais resiliente da
sociedade. Uma ação poderia evitar vulnerabilidade de "milhões de pessoas
à degradação, desertificação e fome".
Para
eles, o custo da inação supera o custo da ação, inclusive para a estabilidade e
prosperidade econômica.
https://jamilchade.blogosfera.uol.com.br/2019/07/27/mudanca-climatica-exigira-transformacao-na-producao-agricola-mundial/
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