“Nada de pânico, mas nada de negação”, diz
médico sobre o coronavírus, leia a transcrição da entrevista abaixo com o dr. Ronald Wolff, médico
que atua em movimentos populares na grande Porto Alegre
O
medicamento tem que ser prescrito por um médico e não pela propaganda no
horário da novela. Meu conselho, inclusive, é que se saia da frente da
televisão e vá conversar com o vizinho, com um amigo. As vezes temos uma
situação em que um adolescente tem problemas com drogas e um pai se pergunta:
“o que eu fiz para merecer essa situação?” A gente pode devolver a pergunta
dizendo: “o que tu não fez?” diz o dr. Ronald na entrevista...
Para
assistir a entrevista, acessar vídeo na Rede
Soberania* - https://www.facebook.com/redesoberania/videos/214809109715492/?t=1
por Luiz Müller em seu blog e no Brasil de Fato RS – Sociedade,
Saúde, Prevenção e Economia no Brasil com a doença Coronavirus
Nesta
semana (12março2020), o Rio Grande do Sul registrou os primeiros casos do coronavírus. A
Organização Mundial da Saúde (OMS) classificou a doença provocada pelo COVID-19
como uma pandemia. Já na China, epicentro da doença, o governo anunciou que o
pico acabou e os novos casos estão em queda.
Médico popular concedeu
entrevista à Rede Soberania – Sheyden Afro-Indígena
Médico do
Pronto Atendimento na Lomba do Pinheiro, zona leste de Porto Alegre, e assessor
de movimentos como o dos Pequenos Agricultores (MPA) e dos Sem Terra (MST), Dr.
Ronald Wolff conversou com a Rede Soberania sobre o coronavírus. Ele traz dicas
de prevenção e, ao mesmo tempo, fala sobre os interesses econômicos por trás de
casos como esse e sobre outros problemas de saúde pública que são muito mais
fatais, mas não ganham a mesma atenção por parte de mídia e do governo.
Apesar de
exigir cuidados como atenção redobrada com a higiene pessoal e ao frequentar
locais de grande aglomeração de pessoas, há um certo pânico relacionado à
doença que acaba fazendo com que a sociedade esqueça de problemas mais graves,
como a dengue, que segue adoecendo pessoas, principalmente nas periferias das
cidades. “Então, nada de pânico, mas nada de negação. Vamos tomar os cuidados
que sempre tomamos para não pegar gripe”, aponta o médico.
Confira a transcrição da entrevista
abaixo:
Rede
Soberania (RS): O que é o coronavírus?
Dr. Ronald: O corona é um vírus que se
tornou uma epidemia e depois uma pandemia, por todos os continentes. Foi
identificado primeiramente na China e depois se espalhou em vários países. É um
vírus que produz sintomas muito parecidos com os sintomas da gripe e do resfriado.
Produz tosse seca, febre, dor no corpo, dor de cabeça, a coriza (nariz
correndo). Se a gente não tivesse tido notícias do coronavírus, as pessoas
contaminadas seriam diagnosticadas com resfriado. Estão sendo tomadas várias
medidas nos países para conter essa disseminação, mas com relação à situação
mundial que temos, existe muito mais um pânico do que uma realidade.
RS: Qual
a diferença da gripe comum para o coronavírus?
Dr.
Ronald: São
praticamente iguais, o que muda é o código genético. Eu já vi geneticistas
renomados dizendo que é uma variante do vírus da gripe, outros dizendo que não.
O estudo do vírus não é tão simples, ele não é como outros seres que tem DNA,
com fita dupla em seu código, ele tem uma fita única. Então não tem DNA, mas
RNA, isso mais na biologia molecular. Mas é um vírus que produz efeitos
semelhantes ao da gripe.
A
contaminação também se dá igual à gripe, com transmissão pelo ar e pelo toque.
Então, todos aqueles cuidados que foram indicados para o H1N1 devem ser tomados
em relação ao coronavírus, assim como para a gripe comum. Pode matar? Claro que
pode. Mas a gente tem que deixar claro que precisamos tomar os cuidados porque
é ruim ter qualquer virose ou gripe. Mas não vejo motivo para pânico, por
enquanto, assim como foi nos anos anteriores com o H1N1, quando alguns pensavam
que morreriam milhões de pessoas, mas pouquíssimos casos causaram um dano
maior.
RS:
Quantas pessoas morrem de gripe comum atualmente no Brasil?
Dr.
Ronald: Esse
é um dado importante que faz com que a gente se pergunte: porque se cria toda
essa celeuma em cima de um surto ou epidemia, como foi também com o H1N1? Me
lembro que, no começo, o H1N1 havia causado sete mortes e saiu no Jornal
Nacional e em todas as redes. Mas a gripe comum mata em torno de 70 mil pessoas
por ano no Brasil. Aí morreram sete e teve toda essa exposição. Qual o
interesse por trás dessa divulgação com tanta intensidade, primeiro em relação
aos perigos da gripe suína, que depois foi renomeada para H1N1. Antes ainda,
havia tido a gripe aviária. Agora temos o coronavírus.
As
pessoas têm que ter, em relação ao coronavírus, a mesma atitude que tiveram com
o H1N1 e com as gripes: cuidados com a higiene e atenção para não estar em
lugares fechados com muita gente. Também não ir correndo para os serviços de
saúde por sintomas gripais comuns. Eu trabalho na emergência e, as vezes, o
saguão está cheio, com pessoas tossindo ali. Quem não tinha alguma coisa pode
sair com algo, então tem que cuidar aglomerações.
A gente
não gera o pânico, mas não podemos deixar de ter os cuidados necessários para
conter a disseminação do vírus e proteger as pessoas que têm a imunidade mais
baixa. Algumas pessoas têm uma suscetibilidade maior ao vírus: idosos, crianças
pequenas, pessoas que fazem tratamento para um tipo de câncer, pessoas que tem
HIV, algumas pessoas cardiopatas (que sofrem de doenças do coração). Nós temos
que cuidar para não estar circulante para essas pessoas estarem protegidas
também.
Essa
difusão é tão forte que as pessoas esqueceram a dengue, por exemplo, que há
pouco tempo era um pavor. Nós estamos em alerta laranja para a dengue, em uma
situação de vigilância epidemiológica gravíssima, e não se fala mais nisso
porque não é a bola da vez. Quem decide isso? Quem orienta qual é o pavor que a
população tem que passar agora? A dengue é pior que o coronavírus, e agora as
pessoas estão aí com pavor do coronavírus e não estão mais preocupadas com
cuidados como verificar se tem água parada nos pneus, em locais que podem
acumular água nas suas casas. Não se fala mais na dengue, mas ela está presente
em muitas comunidades de Porto Alegre. Em muitos bairros existe o mosquito
Aedes aegypti contaminando pessoas. É isso que faz com que a gente tenha essa
visão crítica da situação e se pergunte: por que não se fala mais em dengue?
RS: Quais
os interesses por trás disso?
Dr.
Ronald: O
coronavírus deu gripe na bolsa de valores, assim como outras tantas doenças que
movimentam trilhões de dólares. A bolsa de valores mexe com interesses. Eu
sempre gosto de citar o economista Eduardo Moreira, que precisa ser ouvido para
entender porque tem pobre e rico, porque tem profissões consideradas mais
bonitas e outras não. Ele coloca de forma metafórica a questão da queda na
bolsa de valores, relacionando com crianças brincando na areia num parquinho.
Elas brincam no lugar e a areia começa a espalhar, até que não tem mais aquele
montinho. Aí vem o pessoal responsável por manter o parque em ordem e coloca
areia novamente no local. Essa areia criou esse monte no parque, mas deixou um
buraco em outro lugar.
Toda a
vez que alguém ganha, alguém perde. Então as pessoas as vezes pensam: como o
governo é bom porque subiu a bolsa de valores. Mas isso só significa que os
ricos ganharam dinheiro. Eu não me importo muito quando a bolsa cai porque, as
vezes, quando os ricos perdem dinheiro, dificilmente vai para a mão dos pobres.
Na verdade, são outros ricos ganhando. Essa briga da bolsa é um critério para
decidir a qualidade de vida do 1% da população que é bilionária, que muito mais
atrapalha o mundo do que ajuda. São menos de duas mil pessoas no mundo que
concentram uma renda gigantesca, que resolveria todos os problemas não do
Brasil, mas do mundo.
Me deixa
preocupado porque essas duas mil pessoas definem, por exemplo, que doença vai
ter em tal continente, para onde vai se deslocar a mão de obra em tal ano nos
continentes. Então é isso, no fim o coronavírus vai fazer mal para quem está
mal, porque a gente tem a capacidade de excluir aquele que já é excluído. As
vezes, como vigilância epidemiológica, como sistema da saúde, ficamos mais
preocupados com as doenças de pessoas que têm mais condições de resolver seus
problemas. É muito sério isso, porque nós vivemos num mundo onde o melhor
remédio para as pessoas não terem doença é dois ou três pratos de arroz e
feijão por dia, e não amoxicilina três vezes por dia.
Estamos
num mundo em que vai fazer muito melhor se as pessoas conversarem, se
informarem, se andarem de bicicleta, do que ficarem na frente da televisão e
das redes sociais o dia inteiro. Isso é uma estratégia muito grande da mídia
internacional, de manter todos presos numa mídia e isolados dos outros. Isso as
torna reféns com mais facilidade. Estamos nos tornando cada vez mais reféns
daquilo que alguém quer que a gente assuma como verdade. E verdade, como dizia
Foucault, é um conjunto de procedimentos gerados por um jogo. Então, existiram
ideias que disputaram em um dado momento e um dado lugar, e uma dessas
“verdades” venceu. Por isso que a gente tem, na sociedade, coisas de
antigamente que hoje parecem tolas.
Temos que
ter muito cuidado com essas verdades, enquanto outras coisas são esquecidas.
Por exemplo, a cada 15 minutos uma mulher é agredida no Brasil. Temos uma
mortalidade de mulheres no país que nenhum desses vírus conseguiu suplantar até
hoje e ninguém está fazendo campanha ou rede de vigilância para proteger as
mulheres. Só das próprias mulheres, que se organizam e precisam lutar para
resolver os seus problemas, já que quando se fala em políticas para as
mulheres, se diz: “não vamos gastar muito com isso”. Por isso morrem muito mais
mulheres do que por doenças, mas isso não é tido como uma das causas de morte
contra as quais o governo deveria implementar políticas públicas para evitar,
assim como se faz política pública contra o coronavírus, o H1N1, acidentes de
trânsito.
Eu vejo
duas áreas em que não se produz política pública por interesse: a violência
contra a mulher e o uso de medicamentos. O uso de medicamento também produz
doença e morte, é a terceira causa de mortalidade no Brasil e em vários países,
e isso não é atacado por política de saúde.
RS:
Explica melhor isso. Como é que os remédios estão matando muita gente?
Dr.
Ronald: Nos
anos 2000, nos Estados Unidos, foi feita uma pesquisa sobre isso. Nesse ano,
houve 102 mil mortes e 2,6 milhões de internações graves em que a causa da
doença é o consumo de medicamento, prescrito, ou não, por um médico. Quanto
custaram essas internações? E nada foi cobrado da indústria farmacêutica.
No Brasil
é a mesma coisa. A indústria farmacêutica pauta muito os governos. Na época do
H1N1, por exemplo, o governo tinha que ter o Tamiflu no SUS. Mas os estudos
para verificar os benefícios do Tamiflu tiveram que ser interrompidos no
segundo estágio, porque estava matando mais que a própria H1N1. Na época,
tiveram campanhas e abaixo-assinados das pessoas exigindo que o governo tivesse
o Tamiflu. Com isso o governo fica refém da indústria farmacêutica.
Se as
pessoas morrem por uso do Tamiflu, isso não é noticiado. Agora, imagina se uma
pessoa morre de H1N1 numa cidade onde o prefeito se recusou a comprar o
medicamento por saber isso. Imagina o que aconteceria com esse prefeito. Na
outra eleição ele certamente vai estar rejeitado, isso se não for
criminalizado.
Hoje, no
Brasil, as pessoas que dirigiram os institutos de pesquisa vão sendo tiradas,
os ministérios vão sendo desmontados de pessoas capazes de abordar essa
situação com mais embasamento científico. E aí a gente vê o número de asneiras
que têm sido ditas por pessoas com um cargo nacional ou estadual importante. Se
consumem bilhões para a ciência avançar um milímetro por ano. A tuberculose,
hoje, tem cura, mas se morria no início do século 20. Foi a ciência que fez
isso e não a boa vontade de alguém. E hoje a ciência está sendo negada e estão
tirando as pessoas que têm capacidade de gerar ciência no Brasil. Daí voltamos
a ter doenças medievais. Já tivemos surto de cólera, retorno do sarampo, tudo
isso como consequência do obscurantismo da compreensão das coisas.
RS: Então
temos que parar de vacinar?
Dr.
Ronald: Não.
A vacina faz parte da ciência. A gente está chegando num momento bem próximo em
que teremos uma vacina contra o coronavírus. A vacina contra gripe para idosos
evita que se morra por gripe comum ou outras gripes. Nós estamos compreendendo
a ciência como benéfica e os medicamentos dentro disso. Os medicamentos fazem
bem para saúde quando ele é indicado para aquela situação, na dose certa e com
menor custo possível para a sociedade e para o cidadão. Quando bem prescrito, o
medicamento é um aliado da saúde.
Agora, a
automedicação ou a população sendo convencida de tomar medicamento pela
indústria farmacêutica, isso nós não somos aliados. Inclusive, o Brasil é um
país de quinto mundo por permitir propaganda de remédios na televisão. Em
países sérios, é proibido propaganda de medicamento na televisão, assim como é
de cigarro e de álcool. No Brasil, antes, tinha de cigarro e álcool.
O medicamento tem que ser
prescrito por um médico e não pela propaganda no horário da novela. Meu
conselho, inclusive, é que se saia da frente da televisão e vá conversar com o
vizinho, com um amigo. As vezes temos uma situação em que um adolescente tem
problemas com drogas e um pai se pergunta: “o que eu fiz para merecer essa situação?”
A gente pode devolver a pergunta dizendo: “o que tu não fez?” A gente entende que os pais
chegam cansados do trabalho e querem relaxar, mas a criança ficou o dia inteiro
sem os pais, ela quer o pai e a mãe. Vamos dar atenção, porque a gente se acostumou
a chegar do trabalho e ligar a televisão, mas a gente pode se acostumar a fazer
como era antigamente. Chega em casa, beija e abraça o filho, pergunta como foi
o colégio, abre o caderno e vê se tem tema para ele fazer. A criança gosta de
ter os pais preocupados com ela. A criança não pode ser secundarizada por conta
de uma novela ou mesmo de um programa jornalístico.
Tem uma
parábola que eu lembro sempre. A criança pergunta para o pai quanto ele ganha
por hora e ele diz que é cerca de R$ 100,00. Ela começa a juntar um dinheiro
aqui, outro ali, e quando junta os cem, dá ao pai e pede para ele então ficar
uma hora com ela. É uma parábola simples e que causa um sentimento profundo em
quem a escuta.
Quando
estamos espertos e comunicativos, a gente não se assusta com o coronavírus. A
gente vai querer saber o que está por trás de tanta notícia, se eu estou vendo
todo o dia o pavor na TV e não vi até agora ninguém com a doença. Nem eu que
sou médico vi. Enquanto isso, duas mil crianças morrem de frio e de fome por
hora no mundo.
RS: Como
saber se alguém está com o vírus?
Dr.
Ronald: São
três situações que fazem com que a gente defina um caso como suspeito de
coronavírus. Já falamos de febre, dor de cabeça, tosse seca e dor no corpo. Na
primeira situação, a suspeita se dá se a pessoa apresenta febre e mais um
desses outros sinais, somado ao contato com alguém que esteja com suspeita.
Outro caso é se a pessoa tem febre, um dos sinais é ter viajado para países
como Alemanha, Itália, China, Camboja, Irã, Coreia do Sul e do Norte e todos os
outros países que estão no mapa de maiores números de casos no mundo. Ou ainda,
ter um dos sinais citados, mesmo sem febre, mas ter tido contato com alguém que
tenha um caso confirmado. São esses os casos suspeitos que serão investigados.
RS: O que
determina se a pessoa teve contato?
Dr.
Ronald: Quando
se esteve a menos de dois metros de uma pessoa com suspeita ou com caso
confirmado, ou se esteve junto dentro de uma sala fechada. Se teve aperto de
mão, abraço, beijo. As vezes a gente recebe uma pessoa no aeroporto e dá um
abraço, um beijo, por exemplo.
Então
nada de pânico, mas nada de negação. Vamos tomar os cuidados que sempre tomamos
para não pegar gripe. Cuidar quando entra em sala de aula, num posto de saúde,
em locais públicos, quando se entra num local e se coloca a mão na maçaneta,
onde muitas pessoas colocaram a mão. O cuidado não é só com o coronavírus, mas
com outras tantas. Se botou a mão na maçaneta, quando dá uma coceirinha no
olho, não coça com a mão. Nem leva a mão ao nariz e ou boca.
Não
precisamos do coronavírus para a gente saber que precisa lavar as mãos, que
quando se chega em casa, não devemos nos atirar em cima da cama com a roupa que
veio de rua. Para a gurizada que veio da escola e sentou no chão, não tem nada
de errado em sentar no chão, mas para se atirar na cama, antes toma um banho e
bota uma roupa limpinha.
Só deve
ir ao serviço de saúde se tiver com esses sintomas, ou ainda se tiver falta de
ar, febre que não ceda com medicamento, sem energia. Daí sim, põe uma máscara e
vai no serviço de saúde. Se essa pessoa for diagnosticada, vai ser tratada e
isolada.
Edição: Katia Marko
Publicado: 12 março 2020
na * Rede Soberania – assista o
vídeo da entrevista do dr. Ronald Wolff em
https://www.facebook.com/redesoberania/videos/214809109715492/?t=1
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