Novos terremotos nas bolsas são ponta de iceberg. Décadas de
desigualdade e desregulação criaram um sistema predatório – mas extremamente
instável. Brasil é elo frágil e a fuga em massa de capitais já começou
·
O Brasil talvez seja o país subdesenvolvido mais exposto às atuais
turbulências mundiais. A dureza com que a crise financeira tem se manifestado
no país revela quanto este está vulnerável às crises mundiais. No ano passado,
a saída líquida de dólares da economia brasileira (entradas menos saídas) foi
de US$ 44,77 bilhões, maior evasão de divisas do Brasil em toda a série
histórica, iniciada em 1982
por José Álvaro de Lima Cardoso no
site OutrasPalavras – Sociedade e o Dito Mercado versus a Democracia
Foto no site OutrasPalavras
Impressiona
o nível da instabilidade nos mercados financeiros, de ações, e cambiais, mundo
afora. Estes mercados já vinham em ebulição nos últimos meses, mas por estes
dias está acontecendo um “estouro da bolha”, com bolsas despencando no mundo
todo, com quedas significativas nos EUA, Europa e Ásia, Brasil. O Ibovespa está
caindo mais de 13,92% hoje, sofrendo a quinta interrupção dos negócios em
apenas seis dias.
A
tremenda instabilidade nos mercados é a manifestação da doença, uma espécie de
febre, que alerta para o estado da infecção. A doença mesmo, o fundamento de
toda a turbulência é a própria crise do capitalismo. A crise atual é uma das
mais, se não for a mais grave crise da história do sistema. Caracteriza-se por
baixo crescimento, aumento dramático da desigualdade entre as classes sociais,
dominação do capital financeiro, endividamento das famílias, das empresas e dos
governos no mundo todo.
Na fase
atual do capitalismo (a financeira), as chamadas operações fictícias,
especulativas, tornam-se mais importantes que a própria produção real de
riqueza. Há um descolamento total entre a esfera real de produção de riqueza, e
a esfera financeira, do dinheiro. Isto significa que o volume de dinheiro e de
papeis circulando na economia mundial, é muito maior do que a riqueza real
existente. Há, portanto uma separação entre a produção de riqueza e sua
representação em dinheiro, o que é um imenso fator gerador de crises e de
instabilidades.
Segundo o
Instituto Internacional de Finanças (IIF, na sigla em inglês), a organização
mundial do setor bancário, a taxa de endividamento em relação ao Produto
Interno Bruto (PIB) mundial chegou ao recorde de 322% no terceiro trimestre do
ano passado, e a dívida total a quase US$ 253 trilhões1.
Para termos ideia do que significam estes números, o maior PIB do mundo, o
norte-americano, é de US$ 20,50 trilhões (2018).
Os
mercados acionários desabam porque os investidores correm para colocar seu
dinheiro em investimentos mais seguros: normalmente papeis da dívida
norte-americana. Numa conjuntura como essa, qualquer elemento mais grave não
previsto leva às turbulências. Mas o determinante no processo é a crise
capitalista caracterizada por baixo crescimento e financeirização, além do
risco de recessão global.
O Brasil talvez seja o país
subdesenvolvido mais exposto às atuais turbulências mundiais. A dureza com que
a crise financeira tem se manifestado no país revela quanto este está
vulnerável às crises mundiais. No ano passado, a saída líquida de dólares da
economia brasileira (entradas menos saídas) foi de US$ 44,77 bilhões, maior
evasão de divisas do Brasil em toda a série histórica, iniciada em 1982. Neste ano, os especuladores
estrangeiros já retiraram até a semana passada do mercado de ações, R$ 34,9
bilhões. Por dia de pregão da bolsa, neste ano, são R$ 918 milhões a menos de
investimento estrangeiro, contra um ritmo de evasão, em 2019, de R$ 179,5
milhões. Para termos uma ideia do que essa saída significa, em 2008, que era
até então o ano de maior saída de estrangeiros em termos reais (ou seja,
corrigidos pela inflação), a retirada, em média por pregão, foi de R$ 180
milhões.
Os
capitalistas estão tirando dinheiro do Brasil não por causa das asneiras que
falam Bolsonaro e sua equipe. Eles estão saindo do país em velocidade inédita
por conta da instabilidade na economia mundial e em função dos fundamentos da
economia brasileira, que são os piores possíveis. Não são as sandices ditas por
Bolsonaro que fazem os capitais estrangeiros sair em nível recorde do país e
sim a instabilidade que uma política de guerra contra a população pode trazer.
Tudo indica
que a crise que temos assistido ao nível mundial seja apenas o começo de um
processo que tende a ser cada vez mais dramático. Há uma propensão da crise se
desenvolver em forma de espiral, ou seja, realizar estragos cada vez mais
profundos e abrangentes.
A
pandemia do coronavírus está mostrando o prejuízo que pode significar,
principalmente em tempos duros, um governo ilegítimo, inepto e entreguista. No
mundo, a maioria dos países está tomando medidas no sentido de enfrentar a
doença com determinação (ampliação da saúde pública, ajuda financeira às
empresas atingidas, auxílio econômico a quem perde o emprego). O governo
brasileiro acelera medidas que não deram certo em nenhum lugar do mundo,
especialmente em tempos de colapso financeiro internacional. Medidas que vão no
sentido de retirar direitos, achatar salários de funcionários públicos, acabar
com programas sociais, desmontar o combate à fome e à pobreza, precarizar as
relações de trabalho, cortar o gasto social de uma forma geral e entregar
patrimônio público. Está uma maravilha para o 0,1% de super ricos, mas não se
sabe até quando o pais aguenta. Nos guiemos pelo realismo e aguardemos tempos
ainda mais difíceis.
1 Ver o artigo Coronavírus eleva o
risco de uma crise de crédito Endividamento atinge níveis recordes, num
mundo de juro baixo. Por John Plender
, divulgado no Financial Times, de Londres e reproduzido no jornal Valor de 06/03/2020
https://outraspalavras.net/mercadovsdemocracia/viagem-ao-fundo-do-poco-no-capitalismo-financeiro/
Nenhum comentário:
Postar um comentário
O comentário será analisado para eventual publicação no blog