Implicações psicossociais da teologia moral
“Isso ocorre em menor escala, mas na mesma proporção discriminatória, entre os membros de uma família ou de um grupo específico que avaliam o comportamento de seus integrantes segundo o modelo ideologicamente padronizado adotado”, fr Betto
por Frei
Betto no Correio da Cidadania – Sociedade e Ser Humano Amoral ?
A concepção de pecado atrelada a uma visão individualista, aliada a um
moralismo desencarnado e a uma casuística policialesca, foi objeto
da mais severa repulsa de Jesus. Os escribas e fariseus pagavam religiosamente
os impostos previstos. Não tocavam nos objetos considerados impuros.
Prescreviam a pena de morte para a mulher adúltera. No entanto, transgrediam
os pontos mais importantes da lei: a justiça, a misericórdia e a fidelidade
(Mateus 23, 23).
Por sua atitude amorosa, Jesus desafiava todos os falsos moralismos. Para
os judeus, a mulher era um ser inferior ao homem, os samaritanos eram
tidos como hereges e as prostitutas, apedrejadas em público. Mas, à beira
do poço de Jacó, Jesus se abriu em longa conversa com uma mulher samaritana
que já havia vivido com cinco maridos! (João 4, 1 42).
Na tentativa de fugir a essa casuística que, por tanto tempo, perturbou
mentes delicadas e escrupulosas, os tratados de moral passaram a abordar
a questão do pecado segundo a concepção conhecida por "ética de situação".
Os atos da pessoa deixam de ser tomados isoladamente. Considera se agora
o contexto em que ela vive, sua história pessoal, os fatores que a induziram
a fazer isto ou aquilo, as consequências para si e para os outros.
Um mesmo
ato pode ser praticado por diferentes pessoas sem que, necessariamente,
tenha o mesmo peso moral. Não se parte do ato em si, como se objetivamente
ele fosse "bom" ou "mau", mas da situação concreta em
que a pessoa foi levada a praticá lo.
Nos últimos anos, a psicologia e as demais ciências que tratam da mente e
do espírito humanos passaram a ter influência decisiva na noção de pecado.
Podemos considerá lo como um ato livre e consciente, praticado por uma
pessoa responsável, em ofensa a Deus e ao próximo. Ou mesmo à natureza.
Mas, quem
é essa pessoa? A liberdade não é algo que a pessoa conquista ao completar
7, 14 ou 21 anos. Nenhuma idade, nem a da razão, determina o momento a
partir do qual a pessoa se torna um ser plenamente responsável por todos os
seus atos. A vida é um aprendizado de liberdade. É sempre inacabado, pois
a pessoa vive também presa aos mecanismos de seu inconsciente, aos fatores
biogenéticos de seu desenvolvimento, aos determinismos fisiológicos,
psicológicos e sociais, dos quais nem tem consciência, porém moldam a sua
maneira de pensar e viver.
As ciências que têm por objeto a psique humana vieram em socorro da teologia
moral apontar, lá no fundo do nosso inconsciente, a complexidade do ser
humano. Essa complexidade não pode, contudo, ser justificada, em última
instância, por fatores meramente psicológicos.
Experiências
realizadas em hospitais psiquiátricos revelam que muitos desequilíbrios
biopsíquicos têm sua origem nos desequilíbrios da própria ordem social.
Quando um sistema social determina a discriminação entre os seus membros,
fundada no antagonismo entre as classes, cria se um consenso para o qual
não faltam "bases científicas" de que certos elementos são irremediavelmente
desajustados e irrecuperáveis: os criminosos, os psicopatas, os homossexuais,
os esquizofrênicos, as prostitutas, os neuróticos, os agressivos, os
depressivos, enfim, todo o conjunto de "loucos" condenados a
viver marginalizados e desprezados.
Isso ocorre em menor escala, mas na mesma proporção discriminatória,
entre os membros de uma família ou de um grupo específico que avaliam o
comportamento de seus integrantes segundo o modelo ideologicamente
padronizado adotado. Qualquer um que não se enquadre nesse modelo
corre o risco de ser obrigado a suportá-lo ao preço de graves conflitos internos
e de tornar se suspeito de, no mínimo, estar doente.
Assim,
será convidado a submeter se a um tratamento para curar se de seus
"desequilíbrios" e de suas "neuroses", a fim de readaptar
se ao modelo que dita as regras de convívio e relacionamento entre os
demais.
Mas para Jesus essa gente “diferente” são os filhos e filhas preferidos
de Deus. E devem ser amados assim como são amados por Deus.
Publicado no Correio da Cidadania: 06/08/2021
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