Com dados de 2019 a março de 2022 do sistema de notificações do Ministério da Saúde, mostra que essas intoxicações levaram a 439 mortes entre 14.549 pessoas intoxicadas por agrotóxicos no Brasil, conforme levantamento feito pela Agência Pública e Repórter Brasil
Atualmente, a lei define que não podem ser comercializados ou produzidos agrotóxicos que tenham substâncias teratogênicas (que podem causar danos a fetos ou mulheres grávidas), carcinogênicas (que provoca ou estimula câncer), mutagênicas (que induzem ou produzem mutações), distúrbios hormonais ou danos ao aparelho reprodutor, segundo a advogada Naira, que acompanha a tramitação do PL no Congresso
Campanha
contra os agrotóxicos e o PL 6299 realiza mobilização virtual na região Sul do
Brasil
por Pedro
Neves no Brasil de Fato –
Sociedade e Risco de Mortes no Brasil
pelo Uso de Agrotóxicos
O Projeto de Lei (PL) 6.299/2022, mais conhecido como PL do Veneno, foi aprovado em 19/fev/2022 na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) do Senado e segue para o plenário. O projeto foi aprovado na Câmara em fevereiro/2022. O presidente da comissão, senador Acir Gurgacz (PDT-RO), deu parecer favorável ao substitutivo que facilita ainda mais o registro, a produção, venda, utilização e dificulta a fiscalização dos agrotóxicos.
A proposta atualmente em tramitação tem origem
à 20 anos no projeto de lei do então senador Blairo Maggi em 2002. A ele foram
apensados outros projetos relacionados ao afrouxamento das regras – por isso
ganhou o apelido de “Pacote do Veneno”. De interesse dos ruralistas, dos
fabricantes e vendedores de agrotóxico, o projeto de lei segue para votação no
plenário, devido ao regime de urgência.
Devido a esses
perigos, o PL está sendo chamado de “Pacote do Veneno” por diversas entidades
da sociedade, que estão se mobilizando contra sua aprovação. Segundo a Campanha Permanente Contra os
Agrotóxicos e Pela Vida, o avanço desta pauta vai se somar ao
cenário preocupante atual, em que mais de 2 mil tipos de agrotóxicos já foram
liberados nos últimos quatro anos.
Para levantar esse debate, a Campanha tem realizado
seminários virtuais em cada uma das regiões do Brasil. Com os estados da região
Sul, o evento foi realizado em 18/fev/2023, onde representantes dos três
estados traçaram um panorama do uso de agrotóxicos nos seus territórios.
A live foi reproduzida na íntegra e, logo abaixo, é
apresentado imagem do resumo no youtube (6 minutos de vídeo) da fala da Naiara
Bittencourt, que é advogada popular e acompanha a tramitação dos diversos
projetos de lei na Câmara, em comissões, até o substitutivo que reúne todas as
propostas de alteração que hoje se chama de Pacote do Veneno.
Pacote
do Veneno traz riscos à saúde da população como câncer e deformações em recém-nascidos
Naiara afirmou que o debate sobre o PL 6299/02
precisa ser ampliado, pois traz inúmeras ameaças a saúde da população. Mas não
somente isso, também apresenta um risco à biodiversidade e à soberania nacional.
Ela começa relatando que a lei atual dos
agrotóxicos é do ano de 1989, sancionada um após a aprovação da atual
Constituição Federal, trazendo algumas conquistas importantes quanto à proteção
e fiscalização do uso de agrotóxicos. Desde então, relatou, diversos ataques
tentam afrouxar a legislação para facilitar registro de agrotóxicos.
Afirmou também
que, ao longo dos anos, diversas entidades realizaram estudos e notas técnicas
sobre os perigos do atual Pacote do Veneno. Essas informações estão compiladas
no Dossiê Contra o
Pacote do Veneno e em Defesa da Vida, para ver acessar: https://www.abrasco.org.br/site/wp-content/uploads/2021/04/SUMARIO-DOSSIE2.pdf
O primeiro perigo importante que citou foi que o PL muda o nome de agrotóxico para pesticida, camuflando o que o produto realmente é. O objetivo, segundo a advogada, é tornar um termo que já é bastante conhecido mais brando, menos agressivo.
Naiara chama muita atenção para um risco iminente à
saúde: atualmente, a lei define que não
podem ser comercializados ou produzidos agrotóxicos que tenham substâncias
teratogênicas (que podem causar danos a fetos ou mulheres grávidas),
carcinogênicas (que provoca ou estimula câncer), mutagênicas (que induzem ou
produzem mutações), distúrbios hormonais ou danos ao aparelho reprodutor.
Se aprovado, o Pacote do Veneno irá retirar todas
essas proibições e estabelecer que não poderão ser produzidos ou
comercializados somente os produtos que contenham "riscos
inaceitáveis".
"Eu pergunto para vocês: o que é um risco
'inaceitável'? Esses riscos são baseadas em estatísticas, ou seja, quantas
vidas a gente pode sacrificar para dizer que um risco é aceitável ou
não?", questiona Naiara.
Durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), 14.549 pessoas foram intoxicadas por
agrotóxicos no Brasil. Levantamento inédito feito pela Agência Pública e
Repórter Brasil, com dados de 2019 a
março de 2022 do sistema de notificações do Ministério da Saúde, mostra que
essas intoxicações levaram a 439 mortes — o que equivale a um óbito a cada
três dias. Nesse período, o Brasil bateu o recorde de aprovações de pesticidas,
com mais de 1.800 novos registros, metade deles já proibidos na Europa. O
governo de Bolsonaro também foi marcado pelo avanço na tramitação do Projeto de
Lei 1459/2022, apelidado de “Pacote do Veneno”, que pode facilitar ainda mais a
aprovação dessas substâncias.
Já em números absolutos, o município que mais
registrou intoxicações por agrotóxicos foi Recife, com 938 notificações no
período. A pesquisadora da Fiocruz Pernambuco e vice-coordenadora do GT de
Agrotóxicos da instituição, Aline Gurgel, reforça que o número maior de
registros de casos em um território não significa necessariamente uma maior
ocorrência de casos.
Para o médico e professor aposentado que
coordenou o Observatório do Uso de Agrotóxicos e Consequências para a Saúde
Humana e Ambiental da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Guilherme
Cavalcanti de Albuquerque, a intoxicação recorde desse recorte da população
pode estar relacionada ao racismo estrutural, que faz com que homens negros
executem trabalhos mais precarizados, como o de aplicador de agrotóxicos. “A
população negra é uma população a quem foi negado por séculos o acesso à
educação e, mesmo quando há educação qualificada, o racismo estrutural impõe
maior dificuldade para acesso a trabalhos menos agressivos. Resta mais aos
negros esse tipo de trabalho prejudicial à saúde”, afirma.
Lavouras de soja, fumo e milho são campeãs em intoxicações
Os casos
de intoxicação registrados entre 2019 e 2022 aconteceram principalmente em
lavouras de soja, fumo e milho. A soja correspondeu a 802 registros e o milho,
523. Os números altos nesse tipo de lavoura, de acordo com os pesquisadores,
podem estar relacionados ao tamanho das plantações desses cultivos, onde os
pesticidas costumam ser pulverizados em larga escala, normalmente por aviões, o
que aumenta as chances do agrotóxico se espalhar para fora da plantação.
A pesquisadora da USP Larissa
Bombardi indicou que as plantações de soja, milho, cana-de-açúcar e algodão são
o destino de 79% das vendas de agrotóxicos no Brasil. O Atlas Geografia do uso
de agrotóxicos no Brasil e conexões com a União Europeia, publicado em 2017,
mostra que 52% do veneno vai para plantações de soja e 10% para o milho.
Já os produtos usados em
plantações de fumo registraram 734 intoxicações nos dados do Ministério da
Saúde. O professor Albuquerque aponta que, apesar de não estar entre as
principais lavouras em extensão no país, o cultivo de fumo é um dos que mais
usa agrotóxicos. “Além disso, o cultivo exige contato muito próximo do
trabalhador com o fumo contaminado pelo agrotóxico. Isso faz com que a
incidência de intoxicação nesse plantio seja proporcionalmente maior”, comenta.
Órgãos
técnicos Anvisa, Ibama e Mapa, responsáveis por análise de riscos irão perder
poder
Além disso, relata que no modelo atual três órgãos
são responsáveis pelo processo de aprovação ou não de um agrotóxico, sendo um
da área da saúde, outro do meio ambiente e um terceiro da agricultura.
Respectivamente, cumprem esse papel a Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).
Se a lei for aprovada, o Mapa passará a concentrar um
"superpoder", nas palavras de Naiara. O Ministério poderá aprovar o
veneno e o Ibama e a Anvisa irão somente homologar ou não as avaliações.
"O Ibama e a Anvisa terão suas competências
diminuídas. O Estado passa a dar uma 'super prioridade' para eficácia
agronômica, em detrimento da saúde humana e do meio ambiente", relata com
preocupação a advogada.
Pacote
do Veneno PL 6299/22 incentivará a utilização de agrotóxicos
Outro fato considerado alarmante é o fim da
possibilidade de reavaliação da aprovação de um agrotóxico. Com a lei atual, a
aprovação vale para sempre, mas diversas entidades podem requerer um processo
de avaliação, com base em dados e experiências científicas.
Se aprovado o PL 6299/2002, a possibilidade de
reavaliar o uso de um agrotóxico vai ficar exclusivamente nas mãos do
Ministério da Agricultura, dificultando essa reanálise.
Naiara cita também que os servidores públicos
federais ficarão restritos nas análises e serão obrigados a fazer muito
rapidamente laudos que são complexos e que podem botar a vida das pessoas em
risco. Além disso, colocará nas mãos dos engenheiros agrônomos maiores
responsabilidades, como a autorização para misturar produtos, sem que se saiba
o resultados destes usos de agrotóxicos misturados.
Hoje, uma mistura de dois ou mais agrotóxicos tem
que ser aprovada pelos órgãos de regulação e controle. Se o PL 6299 virar lei,
essa responsabilidade vai ficar a cargo da figura do engenheiro agrônomo.
"Essas misturas de produtos químicos podem
gerar um produto novo, as reações desses produtos podem ser inesperadas, cujo
efeito não conhecemos. Além disso, a prescrição de receituário agronômico antes
da ocorrência da praga pode gerar uma proliferação de um mercado de
receituários de gaveta", afirmou Naiara.
Antes de finalizar a fala, a advogada também falou
da questão da regulação da propaganda nas mídias e redes digitais, algo que o
Pacote do Veneno simplesmente ignora, ao possibilitar a propagação desse tipo
de comunicação.
Também lançou um alerta sobre a competência
legislativa de estados e municípios. Com a lei atual, os governos estaduais
podem criar leis sobre o consumo, produção, comércio e armazenamento de
agrotóxicos, sendo que os governos municipais podem criar leis sobre o uso e o
armazenamento. O Pacote do Veneno fala que os estados e municípios podem
legislar sobre esses mesmos temas, desde que "fundamentado
cientificamente", transferindo a responsabilidade dos órgãos técnicos e
específicos para as Câmaras de Vereadores e Assembleias Legislativas.
Edição:
blog Mangue do Cachoeira
Publicado
no BdF: 19 de Agosto de 2021
Fonte: https://www.brasildefators.com.br/2021/08/19/campanha-contra-os-agrotoxicos-e-o-pl-6299-realiza-mobilizacao-virtual-na-regiao-sul-do-brasil
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