Diante de ameaças só resta à sociedade civil se fortalecer via movimentos populares e sociais, grupos identitários e sindicatos, comunidades religiosas e partidos políticos progressistas. Há que buscar “um outro mundo possível” e intensificar a educação política, crítica e participativa dos segmentos excluídos e vulneráveis. Fora do povo não há salvação. Nem libertação
por frei
Betto* no site freibetto.org –
Sociedade e Terra em Risco pelo Grande Capital
O capitalismo agravou a crise climática, a
desigualdade social, o poderio bélico. As estações do ano parecem
enlouquecidas: faz calor em pleno inverno e frio intenso no auge do verão.
Furacões, ciclones e secas são como se Gaia (nascida do caos, foi a ordenadora do Cosmos,
acabando assim com a desordem e a destruição em que se
encontrava, criando a harmonia na mãe natureza)
arreganhasse os dentes para morder a espécie humana que, em busca insaciável de
lucro, não cessa de violentá-la.
Os desastres ambientais quintuplicaram nos últimos
50 anos: des-matamento, queimadas, contaminação das águas fluviais e marítimas.
Esses crimes matam 115 pessoas por dia no planeta e dão prejuízo diário de US$
202 milhões. Em 2021, o planeta perdeu 11,1 milhões de hectares de florestas
tropicais (World Resources Institute (WRI)/ Universidade de Maryland,
EUA). Mais de 40% da perda da vegetação nativa mundial aconteceu no
Brasil. A floresta amazônica, que se estende por 9 países, já perdeu 30%
de sua cobertura vegetal devido à pressão dos exportadores de madeira nobre e
do agronegócio dedicado à pecuária e à produção de soja, exportadas para a Europa
e a China e a mineração que destrói florestas e envenena rios.
Comunidades indígenas e camponesas são afetadas
pela mineração predatória. O garimpo ilegal extrai ouro e diamante utilizando
mercúrio, que contamina as águas e a terra. Em nenhum período anterior da
história se utilizaram tantos agro-tóxicos, em detrimento da fertilidade do
solo, com extermínio da biodiversidade e poluição dos rios, lençóis freáticos e
a atmosfera.
A ciência já comprovou que o agro-tóxico glifosato
– o mais vendido no mundo – provoca câncer. Mais de 42 mil agricultores estadunidenses
ganharam direito à indenização por terem sido expostos ao glifosato, um
poderoso herbicida que mata ervas daninhas e o que se cultiva, exceto sementes
transgênicas.
As águas dos mares estão cada vez mais poluídas por
plásticos e outros dejetos humanos, que eliminam muitas espécies de peixes e
aniquilam a vida marinha. O uso crescente de fertilizantes químicos provoca a
acidificação das águas oceânicas. No Oceano Pacífico, por exemplo, há uma
grande mancha de lixo que se estende por 1 milhão de quilômetros
quadrados.
As cidades são poluídas pelo dióxido de carbono
emitido pela queima de combustíveis fósseis (principalmente nos países
industrializados depois da revolução industrial como na Europa, EUA, Japão,
Canadá e China entre outros), que aumenta as doenças respiratórias. E a Covid
veio agravar a crise sanitária da humanidade, pois a destruição da bio-diversidade
e a expansão das fronteiras agrícolas pelo agronegócio provocam o aumento de
zoonoses, ou seja, a transmissão de enfermidades de animais para seres humanos.
As comunidades indígenas e camponesas, que ao longo
da história protegeram e cuidaram da bio-diversidade, são vítimas de violências
permanentes. O capital trata de agredi-las para assumir o controle dos
territórios protegidos.
A crise sócio-ambiental, tão denunciada pelo papa
Francisco em sua encíclica “Laudato Sí” (Louvado sejas), afeta a economia, a
política e a ética. Bilhões de pessoas sofrem falta de alimentos, água,
moradia, terra, emprego, educação e renda, e são obrigadas a migrar
(principalmente devido as guerras).
A quem culpar por colocar a humanidade em risco?
O único responsável é o sistema capitalista movido
por sua desenfreada ganância de apropriação privada das riquezas e crescimento
exponencial de lucro. Assim, impede a proteção de nossos biomas, a redução dos
fluxos migratórios e a distribuição de uma renda básica a todos os 8 bilhões de
habitantes da Terra.
A crescente privatização do Estado nega à
humanidade suficientes direitos trabalhistas e sociais. Fracassa a democracia
formal e se ampliam os espaços dos governos autoritários. O capitalismo inocula
nas pessoas, sobretudo crianças e jovens, forte tendência ao individualismo e ao
consumismo. Os vínculos de solidariedade cedem lugar ao ódio e as diferenças –
sexuais, étnicas, políticas – se tornam intransigentes divergências (conflitos
violentos).
As mais poderosas corporações transnacionais não
respeitam fronteiras, leis, Estados, governos e direitos dos povos. Empresas
como Bayer, BASF, Monsanto, Syngenta e DuPont fabricam agrotóxicos, exploram a
mineração predatória, multiplicam veículos e sistemas de energia elétrica
movidos a combustíveis fósseis. Coca-Cola, Pepsi e Nestlé controlam o mercado
de água e considerável parcela do mercado mundial de alimentos. Associados,
estão os bancos e o capital financeiro.
Somam-se a essas empresas e bancos as poderosas
corporações de tecnologia que controlam a opinião pública, como Amazon,
Microsoft, Google, Facebook/Meta, Apple e Instagran.
Por sua vez, os governos encobrem os crimes
corporativos e a grande mídia, dependente da publicidade desse conglomerado,
evita denunciar as violações cometidas pelas corporações e apontar os
culpados.
Diante de tais
ameaças só resta à sociedade civil se fortalecer via movimentos populares e
sociais, grupos identitários e sindicatos, comunidades religiosas e partidos
políticos progressistas. Há que buscar “um outro mundo possível” e intensificar
a educação política, crítica e participativa dos segmentos excluídos e
vulneráveis. Fora do povo não há salvação. Nem libertação.
*Frei
Betto é escritor, autor de “Por uma educação crítica e participativa” (Rocco), entre
outros livros.
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