A esquerda na encruzilhada
Passado
mais de um ano do Governo Lula, a esquerda parece estar numa encruzilhada, o
que se percebe até mesmo pela simples leitura dos textos postados em diversos
grupos das redes sociais. Qual à atitude a tomar frente ao governo Lula: apoio
total, apoio crítico, oposição.
O governo
de Luiz Inácio foi avaliado negativamente em 6 das 8 áreas avaliadas pelo Ipec,
enquanto uma teve empate técnico e uma teve avaliação positiva. As áreas são:
Educação, Saúde, Segurança pública, Combate à inflação, Combate ao desemprego,
Política Externa, Combate à fome ou à pobreza e Meio Ambiente.
A Educação foi
a única área que o governo foi avaliado positivamente, e mesmo assim por pouco.
Foram 38% dos entrevistados que avaliaram como bom ou ótimo o desempenho do
governo na Educação, enquanto 31% avaliaram como ruim ou péssimo e 28% como
regular.
Desde que
assumiu, o governo recebeu diversas críticas de profissionais da Educação e
estudantes pela manutenção de projetos reacionários, como o Novo Ensino Médio
(NEM), pelos cortes realizados e pela falta de solução para problemas como a
reestruturação de carreira dos servidores, o reajuste salarial e a recomposição
orçamentária. Esse ano, o governo já cortou R$ 280 milhões da pasta de Ciência
e Tecnologia. O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(Cnpq), responsável pelo fomento a pesquisas no País, perdeu R$ 73 milhões em
verbas.
Atualmente,
uma greve nacional afeta mais de 50 universidades pelo Brasil, com a
participação de estudantes, docentes e trabalhadores Técnicos-Administrativos
da Educação (TAEs), a depender de cada instituição. No ano passado,
manifestações ocorreram em diversos estados para exigir a revogação do NEM.
A esquerda na encruzilhada
A
grande maioria deve apoiar a posição de apoio crítico, embora existam os que se
colocam na oposição ou no apoio total. Mas nem sempre é fácil definir quando
apoiar e quando criticar, o que apoiar e o que criticar.
Para
garantir a governabilidade, o governo Lula fez concessões importantes ao
mercado, aos parlamentares de direita e aos militares. Isso gerou grande
quantidade de problemas, como todos nós sabemos. Para citar apenas o recente
aumento do orçamento militar de defesa, mediante o apoio à PEC que vincula o
aumento do orçamento militar ao PIB.
Essa
PEC foi apresentada em 2023 pelo senador Carlos Portinho (PL-RJ), líder do
partido de Jair Bolsonaro. Ela prevê a destinação de um percentual mínimo de
1,2% do Produto Interno Bruto (PIB) às Forças Armadas no primeiro ano de
vigência, com aumento anual até chegar a 2%. Caso o patamar mínimo já estivesse
em vigor, por exemplo, o orçamento deste ano do Ministério da
Defesa subiria dos atuais R$ 126,6 bilhões para R$ 130,8
bilhões.
Por
outro lado, o governo negou aumento aos servidores públicos federais este ano O
governo federal reiterou em 10/4 último, na chamada Mesa Nacional de Negociação
Permanente (MNNP), que não vai conceder reajuste ao funcionalismo em 2024. Em
relação aos professores, o piso no Brasil hoje está em R$ 4.580,57, para
jornada de 40 horas semanais. E mais de 700 municípios não pagam o valor atual
do piso dos professores, alegando questões jurídicas. Há uma preocupação de que
o ano eleitoral nos municípios dificulte a discussão sobre o aumento e o tema
fique para 2025.
São
apenas dois exemplos das consequências da política de austeridade fiscal,
também chamada “déficit zero”, uma jaboticaba exaltada pelos neoliberais, mas
inexistente nos países capitalistas centrais, como os EUA, por exemplo. No
Brasil de hoje, estamos diante de uma política econômica conservadora, ao lado
de uma política social progressista, embora com arrocho do funcionalismo.
Na
atual conjuntura, um fator agravante é a permanência da extrema direita que,
embora afetada pela desmoralização de Jair Bolsonaro, se beneficia pelo
fortalecimento da extrema direita no mundo. Uma possível, talvez provável,
vitória de Trump este ano nos EUA levaria, segundo alguns analistas, a um
recrudescimento das conspirações visando a novas tentativas de golpe militar no
Brasil ou mesmo a uma tentativa de impeachment. Não há razões para isso, mas
também não havia razões para o impeachment da Dilma Rousseff. Inventaram a
pedalada fiscal que já existia antes e continuou existindo depois.
Hoje,
após um ano do governo Lula, já há quem veja um golpe no ar: a mídia ataca o
déficit do governo federal, e não cita os déficits dos governos estaduais
bolsonaristas, muito menos o déficit enorme do governo Jair Bolsonaro com Paulo
Guedes. E sempre cobra cortes nas despesas públicas, para transferir recursos
destinados aos pobres para os ricos encastelados no mercado financeiro.
Além
disso, a mídia frequentemente repercute as críticas do movimento evangélico aos
costumes apoiados pelos progressistas. Criticam o direito à interrupção
voluntária da gravidez (aborto), o direito à liberdade sexual, criminalizam o
porte de drogas, mesmo em pequenas quantidades etc.
Diante
desse quadro, a esquerda brasileira está praticamente limitada a combater a
extrema direita, deixando de lado seus objetivos finais. Ninguém mais fala de
socialismo. Os bons parlamentares de esquerda não são mais aqueles que formulam
políticas e apresentam bons projetos de lei. São aqueles “bons de briga”,
aqueles que enfrentam e combatem a direita e a extrema direita no Congresso e
fora dele.
Assim,
a posição predominante na esquerda não é mais ser a favor, é ser contra. Em grande
parte, a esquerda está pautada pela extrema direita. Isso leva muitos
militantes à posição de apoio total ao governo Lula, engolindo sapos e
ignorando o descontentamento popular que começa a se manifestar nas pesquisas
de opinião. E os problemas vão se acumulando: a questão das plataformas
digitais, o sistema público de proteção social e a falta de proteção ao
trabalho são alguns exemplos.
A
tudo isso é possível acrescentar um quadro internacional conturbado com a
guerra genocida de Israel contra o povo palestino, e com a continuação da
guerra Rússia x Ucrânia. A hegemonia unilateral dos EUA, segundo muitos
analistas das relações internacionais, está ameaçada pela ascensão econômica da
China. No plano da política internacional, o governo Lula tem se saído bem, mas
– com a distorção da mídia – não sei se essa avaliação chega à maioria da
população.
No
Brasil, haverá este ano eleições municipais em todo o país. O otimismo
tradicional dos progressistas está abalado. Há enorme risco, frente as atuais
condições, que a direita tenha uma vitória expressiva em quase todo o Brasil,
abrindo caminho para fortalecer um candidato de direita ou extrema direita para
a eleição presidencial de 2026. Os Ministros e altos funcionários de direita
nomeados pelo Governo Lula irão trabalhar este ano pelos seus candidatos, é
claro. Uma vitória eleitoral da direita na maior parte dos municípios
constituiria uma sólida base de apoio para a futura eleição presidencial.
Após
esse rápido resumo de algumas questões, sem nenhuma pretensão de esgotar os
problemas políticos que há pela frente, volta-se ao dilema inicial. Diante
dessa encruzilhada, o que fazer? Apoiar mais, ou criticar mais o atual governo?
Apoiar o que e criticar o que? Fixar metas a serem atingidas, ou se limitar a
combater a extrema direita?
Cabe
aos partidos políticos, aos formuladores de opinião e aos movimentos sociais
enfrentar esse dilema em busca de soluções que sempre serão provisórias, já que
o movimento, o conflito e a mudança são as regras da sociedade. O comodismo é a
exceção.
Como
o então candidato Lula recebeu o apoio de todos os democratas, não só da
esquerda, para barrar o candidato fascista da extrema direita, merece firme
apoio, é claro. Mas como, para governar, fez acordos com seus adversários da
direita, contemplando o mercado com decisões da política econômica, os
parlamentares de direita com altos cargos no governo e os militares com o
perdão e o esquecimento dos crimes da ditadura militar, além do aumento no
orçamento da Defesa, merece a crítica com base no bom senso, pois afasta o
Brasil de uma democracia participativa, de um desenvolvimento sustentável, de
um caminho norteado por valores socialistas ou, pelo menos, social-democratas.
A situação é complexa
e difícil. Passado a rejeição total ao governo Jair Bolsonaro, para uma linha
de apoio crítico, o que exige ter um pé no institucional e outro no social. Nem
apoio total, nem oposição. As eleições municipais deste ano mostrará se o
governo Lula está ou não saindo-se bem e apontarão provavelmente novos rumos e
correções de rota, para enfrentar com sucesso a direita e a extrema direita nas
eleições presidenciais de 2026.
Publicado
no Brasil 24/7:
23/abr/2024
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