Adital - Sociedade e Relações Sociais
Não
faz muito tempo, para falar com alguém precisaríamos ligar para o
telefone fixo da pessoa. Conhecíamos as vozes dos pais, irmãos,
filhos, marido ou esposa. Tínhamos uma certa disciplina e normas de
etiqueta social, pois telefonar muito tarde para a casa de alguém
significaria, possivelmente, acordar a sua família inteira. Tínhamos
também um certo planejamento, pois marcar um encontro no final de
semana exigia pontualidade no horário e local previamente acordado.
O mundo evolui. E evoluiu rápido, felizmente. O telefone fixo, que antes era patrimônio declarado no imposto de renda, deixou de ser a estrela da casa. Cada membro da família ganhou o seu telefone particular. Na verdade, mais do que isso, receberam poderosos computadores de bolso que funcionam como tocadores de músicas, despertador, e-mail, GPS, mensagens instantâneas, câmera fotográfica, gravador, entre milhares de outras funções.
Sem
dúvida, não podemos negar os benefícios que o avanço das
tecnologias de informação e comunicação (TICS) produziram e
produzem. Desde as tecnologias mais antigas, como a pintura rupestre,
o propósito original sempre foi otimizar o tempo, encurtar
distâncias ou nutrir as relações humanas. Através do Waze, se
consegue escolher as melhores rotas, fugir do transito e otimizar o tempo; com o WhatsApp, se compartilha momentos com fotos e
emoticons enviados para a esposa, filhos ou outros familiares; e através das redes
sociais se comunica com pessoas distantes com quem não falaria
normalmente no dia a dia.
O
curioso é que estas mesmas tecnologias que aproximam pessoas
distantes, se mal utilizadas, também distanciam pessoas próximas,
prejudicam o tempo e servem como gatilho de problemas relacionais. Na
verdade, o problema não é a tecnologia em si, ou o tempo que se dedica, mas sim o uso abusivo e a forma com que se relaciona com a
tecnologia. A esposa que briga com o marido pela mensagem que foi
lida mas não foi respondida naquele mesmo instante; a família que
mal conversa entre si durante os almoços de domingo, pois cada um
prefere ficar mergulhado no mundo particular de seus dispositivos e
apps; e as horas de sono perdidas em navegações intermináveis
madrugada adentro no mural do Facebook.
O
mundo das tecnologias é mesmo muito convidativo, benéfico e
transformador, mas pode se tornar um universo raso, de muitas
interações e pouca profundidade e, também , palco de fuga ou
idealizações.
Assim
como aconteceu com a chegada do jornal, o rádio e a televisão, a
internet está atualmente transformando os hábitos da sociedade. Em
paralelo à vida real há uma sociedade virtual, movida por meio das
novas tecnologias. Em função disso, as pessoas também estão
vivendo vidas paralelas: uma real e uma virtual. Através da
internet, elas adicionam novos amigos, namoram, compram, trabalham,
ganham dinheiro, pesquisam, estudam, escrevem mensagens no lugar de
bilhetes ou cartas. O problema é que muitos agem como se tivessem de
fato duas personalidades, o que na verdade é uma ilusão. A vida
virtual é uma extensão da vida real e não um substituto ou uma
alternativa.
O
mecanismo do prazer, vivenciado através de redes sociais, estimula
uma determinada área do cérebro conhecida como córtex cerebral e
ativa um sistema de recompensa equivalente a se alimentar, dormir,
praticar sexo, ganhar dinheiro etc.
O uso abusivo destas
tecnologias ativa o mesmo sistema neurobiológico, estimulado no
consumo de álcool e drogas, liberando no corpo substâncias como a
dopamina, que geram uma sensação de prazer. Entretanto, na prática,
o usuário abusivo começa a, lentamente, substituir as relações na
vida real pelo mundo virtual e passa a ter um comportamento
repetitivo em busca das mesmas sensações de prazer vivenciadas
anteriormente.
Em
outras palavras: falar de si mesmo gera prazer. Nas conversas normais
uma pessoa usa em torno de 30% do tempo para falar de si próprio em média.
Nas redes sociais este indicador sobe para 90%, com possibilidade de
um feedback instantâneo, pois muitas pessoas curtem ou comentam a
foto ou a mensagem publicada. Entretanto, pesquisas indicam que
mais da metade dos usuários ativos de redes sociais se consideram
mais infelizes do que os seus amigos virtuais, pois substituem as
relações na vida real pelo mundo virtual e vivem uma história
editada, que não conseguem sustentar no dia a dia. No Facebook e
Instagram, não existe crise financeira nem problemas conjugais,
todos têm dinheiro, o emprego dos sonhos, o casamento perfeito,
viagens maravilhosas, etc.
Vivemos
realmente tempos barulhentos. Nossa cultura ensina que é preciso
produzir sempre mais como indicador de sucesso ou felicidade. Dentro
deste contexto, precisamos postar e compartilhar numa tentativa de
gritar ao mundo o desejo de pertencimento e alimentar a satisfação
do próprio ego. Nos casos mais graves, as redes sociais passam a ser
um palco sombrio de fuga ou idealização, em uma peça de teatro
inventada mas que sempre terá plateia cheia, virtual, longe da real.
*membro
do Instituto Delete, pesquisador do Instituto de Psiquiatria da UFRJ
e especialista sobre o impacto das redes sociais no comportamento
humano.
http://site.adital.com.br/site/noticia.php?lang=PT&cod=85965&langref=PT&cat=24
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