O
fato de se apresentarem como 'jornalísticos' faz com que alguns programas de tv's escapem da
classificação indicativa, oferecendo às crianças e jovens um
festival de ódio e violência
Por Laurindo Lalo Leal Filho - para Agências Carta Maior e Adital - Sociedade e Violência Infântil na Mídia
São
exatamente 1936 violações de direitos cometidas em um mês no rádio
e na TV, por apenas 30 programas.
Os
autores dessa façanha não são os personagens, geralmente negros e
pobres, apresentados com estardalhaço diariamente pelos programas
policialescos.
São
os próprios apresentadores, em conluio com repórteres e produtores,
além de determinadas autoridades, sob o comando dos dirigentes das
emissoras que abrem espaços para essas aberrações.
A
constatação está numa pesquisa realizada pela Andi –
Comunicação e Direitos, uma organização social que há 21
anos trabalha para dar visibilidade na mídia a questões
relacionadas aos direitos das crianças e dos adolescentes. Entre
outras ações criou o projeto "Jornalista Amigo das Crianças”que já reconheceu com essa qualidade 392 profissionais em
atuação no país.
Os
chamados programas policialescos entraram na mira da Andi diante das
seguidas violações cometidas contra os direitos da infância e do
adolescente.
Realizada
a pesquisa constatou-se que as violações, em nove categorias de
direitos, vão muito além dessas faixas etárias atingindo toda a
sociedade.
Exemplos
não faltam.
A
presunção de inocência, uma das categorias selecionadas pela
pesquisa, é constantemente violada.
No
programa Balanço Geral da TV Record, uma chamada diz "Pai abandona
filho em estrada do RS” e o apresentador acrescenta "um pai
abandonou uma criança nas margens de uma rodovia? Fez!”.
Apesar
do desmentido do pai, a acusação constitui um claro desrespeito à
presunção de inocência, garantida no artigo 5º da Constituição
brasileira.
O
estímulo à violência como forma de resolver conflitos é outra
marca desses programas.
Como
neste exemplo pinçado pela pesquisa na Rádio Barra do Pirai AM,
programa Repórter Policial.
Uma
pessoa acaba de ser presa pela policia e o apresentador anuncia
"Então, a praga acabou de ser grampeada. Não seria o caso, né?
Passa logo fogo num cara desse ai! (...) Então, é uma pena que ele
não reagiu, porque a rapaziada passaria fogo nele de uma vez e
‘tava’ tudo certo”.
Só
nesse caso são violadas cinco leis brasileiras, cinco acordos
internacionais firmados pelo Brasil e um código de ética
profissional.
Entre
elas a Constituição Federal ("não haverá pena de morte...”),
o Regulamento dos Serviços de Radiodifusão (é considerada infração
ao regulamento "incitar a desobediência às leis ou às decisões
judiciárias” e "criar situação que possa resultar em perigo de
vida”) e o Código de Ética dos Jornalistas Profissionais ("O
jornalista não pode usar o jornalismo para incitar a violência, a
intolerância, o arbítrio e o crime”).
Outra
categoria: discurso de ódio e preconceito.
No
programa Brasil Urgente, da Rede Bandeirantes, o apresentador José
Luiz Datena faz enquete para saber quem acredita em Deus e diz:
"...ateu eu não quero assistindo o meu programa. Ah mas você não
é democrático. Nesta questão não sou não, porque um sujeito que
é ateu, na minha modesta opinião não tem limites, é por isso que
a gente tem esses crimes por ai...”.
Só
com essas frases o apresentador violou seis leis brasileiras, três
pactos multilaterais firmados pelo Brasil e mais uma vez o Código de
Ética dos Jornalistas, além de desrespeitar princípios e
declarações internacionais de defesa da liberdade de expressão.
E
ainda ignorar os muitos crimes de Estado, guerras e outras violências
que foram cometidos ao longo da história, e ainda o são, em nome de
supostas causas religiosas.
O
fato de se apresentarem como "jornalísticos” faz com que esses
programas escapem da classificação indicativa de horários para
determinadas faixas etárias do público telespectador.
Passam
a qualquer hora oferecendo às crianças e jovens um festival de ódio
e violência.
Na
verdade, de jornalismo têm pouco.
São
programas de variedades, espetacularizando fatos dramáticos da vida
real com tentativas até de fazer um tipo grotesco de humor.
Numa
edição gaúcha do programa Balanço Geral, por exemplo, o
apresentador Alexandre Mota ao narrar a morte de um suspeito pela
policia fingia chorar copiosamente clamando, de forma irônica, pela
vinda dos defensores dos direitos humanos.
Em
seguida, estimulado por uma repórter passa a sambar alegremente
diante das câmeras.
Artigo
publicado na Revista do Brasil, edição de outubro de 2015
Fonte: Adital - http://site.adital.com.br/site/noticia.php?lang=PT&cod=86902
Carta Maior
Agência de publicação eletrônica multimídia que nasceu por ocasião da primeira edição do Fórum Social Mundial, em janeiro de 2001.
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