- do procurador federal Eugênio Aragão para o chefe da PGR-Janot: 'Amigo não se trai'
- Em carta abaixo, subprocurador da República criticou o discurso de Rodrigo Janot na posse da ministra Cármen Lúcia no STF
por Marcelo Auler, à Agencia Rede Brasil Atual - Sociedade e Caminho do Golpe na Justiça Brasileira
foto EBC
Do blog de Marcelo Auler
– Crítico dos métodos que são utilizados pela Operação Lava Jato e da
maneira como o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, lida com o
assunto, o subprocurador da República Eugênio Aragão, ex-ministro da
Justiça de Dilma Rousseff e outrora amigo pessoal de Janot, “vestiu a
carapuça” (usando sua própria expressão) diante do discurso que o chefe
da PGR fez no Supremo Tribunal Federal (STF) durante a posse da ministra
Cármem Lúcia na presidência daquela corte.
A resposta ao ex-amigo, veio em forma de carta aberta, que Aragão repassou com exclusividade ao nosso Blog. Para muitos, pode ser entendido como uma lavagem de roupa suja. Mas, quem perceber direito, verificará que se trata de um documento Histórico, com H maiúsculo.
Uma carta corajosa, na qual Aragão, sem medo das incompreensões que deverá sofrer, relata fatos que vivenciou ou protagonizou na nossa jovem democracia. Ele faz revelações importantes, como os almoços e jantares que Janot ofereceu, em sua casa, a José Genoino, com quem mantinha afinidade nas conversas e no trato.
Revela as críticas que seu colega, antes de chegar ao cargo de procurador-geral da República, fazia aos seus antecessores, principalmente pelo comportamento durante o chamado processo do Mensalão. Conta as articulações que fez para conseguir a nomeação do amigo, entendendo que ele seria "um chefe do ministério público enérgico e conhecedor de todas as mazelas da instituição. Sim, tinha-o como o colega no MPF que melhor conhecia a política interna, não só pelos cargos que ocupara, mas sobretudo pelo seu jeitão mineiro e bonachão de conversar com todos, sem deixar de ter lado e ser direto, sincero, às vezes até demais".
Mas também relata, sem entrar em juízo de valores e explicar causas, a transformação que teria ocorrido com o colega e chefe, a ponto de ele aconselhar a vice-procuradora Ela Wiecko Volkmer de Castilho – que depois Janot demitiu – a não comparecer na posse de Aragão como ministro da Justiça. Ou omitir-se diante do processo de impeachment de Dilma Rousseff sem que o Ministério Público Federal exercesse seu papel de defensor maior do regime democrático (art. 127 da CF) .
A resposta ao ex-amigo, veio em forma de carta aberta, que Aragão repassou com exclusividade ao nosso Blog. Para muitos, pode ser entendido como uma lavagem de roupa suja. Mas, quem perceber direito, verificará que se trata de um documento Histórico, com H maiúsculo.
Uma carta corajosa, na qual Aragão, sem medo das incompreensões que deverá sofrer, relata fatos que vivenciou ou protagonizou na nossa jovem democracia. Ele faz revelações importantes, como os almoços e jantares que Janot ofereceu, em sua casa, a José Genoino, com quem mantinha afinidade nas conversas e no trato.
Revela as críticas que seu colega, antes de chegar ao cargo de procurador-geral da República, fazia aos seus antecessores, principalmente pelo comportamento durante o chamado processo do Mensalão. Conta as articulações que fez para conseguir a nomeação do amigo, entendendo que ele seria "um chefe do ministério público enérgico e conhecedor de todas as mazelas da instituição. Sim, tinha-o como o colega no MPF que melhor conhecia a política interna, não só pelos cargos que ocupara, mas sobretudo pelo seu jeitão mineiro e bonachão de conversar com todos, sem deixar de ter lado e ser direto, sincero, às vezes até demais".
Mas também relata, sem entrar em juízo de valores e explicar causas, a transformação que teria ocorrido com o colega e chefe, a ponto de ele aconselhar a vice-procuradora Ela Wiecko Volkmer de Castilho – que depois Janot demitiu – a não comparecer na posse de Aragão como ministro da Justiça. Ou omitir-se diante do processo de impeachment de Dilma Rousseff sem que o Ministério Público Federal exercesse seu papel de defensor maior do regime democrático (art. 127 da CF) .
A carta, que o blog se orgulha de publicar com exclusividade, fala por si. A ela.
"Sobre a honestidade de quem critica a Lava Jato, por Eugênio Aragão
Visto a carapuça, Doutor Rodrigo Janot. E lhe
respondo publicamente, por ser esse o único meio que me resta para
defender a honestidade de meu trabalho, posta em dúvida, também
publicamente, pelo Senhor, numa ocasião solene, na qual jamais
alcançaria o direito de resposta.
O Senhor sabe o quanto tenho sido ostensivamente
crítico da forma de agir estrambólica dos agentes do Estado,
perceptível, em maior grau, desde a Ação Penal 470, sob a batuta
freisleriana do Ministro Joaquim Barbosa.
Aliás, antes de ser procurador-geral, o Senhor
compartilhava comigo, em várias conversas pessoais, minha crítica,
dirigida, até mesmo, ao Procurador-Geral da República de então, Doutor
Gurgel. Lembro-me bem de suas opiniões sobre a falta de noção de
oportunidade de Sua Excelência, quando denunciou o Senador Renan
Calheiros em plena campanha à presidência do Senado.
Admirei a sua coragem, Doutor Rodrigo, de não se
deixar intimidar pelos arroubos midiáticos e jurisdicionais vindas do
Excelso Sodalício. Com José Genoíno travamos interessantes debates sobre
o futuro do País, sobre a necessidade de construção de um pensamento
estratégico com a parceria do ministério público.
Tornou-se, esse político, então, mais do que um
parceiro, um amigo, digno de ser recebido reiteradamente em seu lar,
para se deliciar com sua arte culinária. De minha parte, como não sou
tão bom cozinheiro quanto o Senhor, preferia encontrar, com frequência,
Genoíno, com muito gosto e admiração pela pessoa simples e reta que se
me revelava cada vez mais, no restaurante árabe do Hotel das Nações,
onde ele se hospedava. Era nosso point.
Cá para nós, Doutor Rodrigo Janot, o Senhor
jamais poderia se surpreender com meu modo de pensar e de agir, para
chamá-lo de desonesto. O Senhor me conhece há alguns anos e até me
confere o irônico apelido de “Arengão”, por saber que não fujo ao
conflito quando pressinto injustiça no ar. Compartilhei esse
pressentimento de injustiça com o Senhor, já quando era procurador-geral
e eu seu vice, no Tribunal Superior Eleitoral.
Lutamos juntos, em 2009, para que Lula indicasse
Wagner Gonçalves procurador-geral, cada um com seus meios. Os meus eram
os contatos sólidos que tinha no governo pelo meu modo de pensar, muito
próximo ao projeto nacional que se desenvolvia e que fui conhecendo em
profundidade quando coordenador da 5ª Câmara de Coordenação e Revisão da
PGR, que cuidava da defesa do patrimônio público.
Ficamos frustrados quando, de última hora, Lula, seguindo conselhos equivocados, decidiu reconduzir o Doutor Antônio Fernando.
Em 2011, tentamos de novo, desta vez com sua candidatura contra Gurgel para PGR.
Na verdade, sabíamos que se tratava apenas de um
laboratório de ensaio, pois, com o clamor público induzido pelos
arroubos da mídia e os chiliques televisivos do relator da Ação Penal
470, poucas seriam as chances de, agora Dilma, deixar de indicar o
Doutor Gurgel, candidato de Antônio Fernando, ao cargo de
procurador-geral.
Ainda assim, levei a missão a sério. Fui atrás
de meus contatos no Planalto, defendi seu nome com todo meu ardor e
consegui, até, convencer alguns, mas não suficientes para virar o jogo.
Mas, vamos em frente.
Em 2013, quando o Senhor se encontrava meio que
no ostracismo funcional porque ousara concorrer com o Doutor Gurgel,
disse-me que voltaria a concorrer para PGR e, desta vez, para valer.
Era, eu, Corregedor-Geral do MPF e, com muito
cuidado, me meti na empreitada. Procurei o Doutor Luiz Carlos Sigmaringa
Seixas, meu amigo-irmão há quase trinta anos, e pedi seu apoio a sua
causa.
Procurei conhecidos do PT em São Paulo,
conversei com ministros do STF com quem tinha contatos pessoais.
Enquanto isso, o Senhor foi fazendo sua campanha Brasil afora, contando
com o apoio de um grupo de procuradores e procuradoras que, diga-se de
passagem, na disputa com Gurgel tinham ficado, em sua maioria, com ele.
Incluía, até mesmo, o pai da importação
xinguelingue ( Gíria paulista: produto barato que vem da China,
geralmente de baixíssima qualidade) da teoria do domínio do fato,
elaborado por Claus Roxin no seu original, mas completamente deturpada
na Pindorama, para se transmutar em teoria de responsabilidade penal
objetiva.
Achava essa mistura de apoiadores um tanto
estranha, pois eu, que fazia o trabalho de viabilizar externamente seu
nome, nada tinha em comum com essa turma em termos de visão sobre o
ministério público.
Como o Senhor sabe, no início de 2012,
publiquei, numa obra em “homenagem” ao então Vice-Presidente da
República, Michel Temer, um artigo extremamente polêmico sobre as
mutações disfuncionais por que o ministério público vinha passando.
Esse artigo, reproduzido no Congresso em Foco,
com o título “Ministério Público na Encruzilhada: Parceiro entre
Sociedade e Estado ou Adversário implacável da Governabilidade?”, quando
tornado público, foi alvo de síncopes corporativas na rede de
discussão.
Faltaram querer me linchar, porque nossa casa
não é democrática. Ela se rege por um princípio de omertà muito próprio
das sociedades secretas. Mas não me deixei intimidar.
Depois, ainda em 2013, publiquei outro artigo,
em crítica feroz ao movimento corporativo-rueiro contra a PEC 37, também
no Congresso em Foco, com o título “Derrota da PEC 37: a apropriação
corporativa dos movimentos de rua no Brasil”.
(N.R. A PEC 37, derrotada na Câmara em junho de
2013, determinava que o poder de investigação criminal seria exclusivo
das polícias federal e civis, retirando esta atribuição de alguns órgãos
e, sobretudo, do Ministério Público (MP).
Sua turma de apoio me qualificou de insano, por
escrever isso em plena campanha eleitoral do Senhor. Só que se
esqueceram que meu compromisso nunca foi com eles e com o esforço
corporativo de indicar o Procurador-Geral da República por lista
tríplice.Sempre achei esse método de escolha do chefe da instituição um
grande equívoco dos governos Lula e Dilma.
Meu compromisso era com sua indicação para o
cargo, porque acreditava na sua liderança na casa, para mudar a cultura
do risco exibicionista de muitos colegas, que afetava enormemente a
qualidade de governança do País.
No seu caso, pensava, a coincidência de poder
ser o mais votado pela corporação e de ter a qualidade da sensibilidade
para com a política extra-institucional, era conveniente, até porque a
seu lado, poderia colaborar para manter um ambiente de parceria com o
governo e os atores políticos.
Não foi por outro motivo que, quando me deu a
opção, preferi ocupar a Vice-Procuradoria-Geral Eleitoral a ocupar a
Vice-Procuradoria-Geral da República que, a meu ver, tinha que ser
destinada à Doutora Ela Wiecko Volkmer de Castilho, por deter, também,
expressiva liderança na casa e contar com boa articulação com o
movimento das mulheres. Este foi um conselho meu que o Senhor
prontamente atendeu, ainda antes de ser escolhido.
Naqueles dias, a escolha da Presidenta da
República para o cargo de procurador-geral estava entre o Senhor e a
Doutora Ela, pendendo mais para a segunda, por ser mulher e ter tido
contato pessoal com a Presidenta, que a admirava e continua admirando
muito.
Ademais, Doutora Ela contava com o apoio do
Advogado-Geral da União, Doutor Luís Inácio Adams. Brigando pelo Senhor
estávamos nós, atuando sobre o então Ministro da Justiça, José Eduardo
Cardozo e o amigo Luiz Carlos Sigmaringa Seixas.
Quando ouvimos boatos de que a mensagem ao
Senado, com a indicação da Doutora Ela, estava já na Casa Civil para ser
assinada, imediatamente agi, procurando o Ministro Ricardo Lewandowski,
que, após recebê-lo, contatou a Presidenta para recomendar seu nome.
No dia em que o Senhor foi chamado para
conversar com a Presidenta, fui consultado pelo Ministro da Justiça e
pelo Advogado-Geral da União, pedindo que confirmasse, ou não, que seu
nome era o melhor. Confirmei, em ambos os contatos telefônicos.
Na verdade, para se tornar Procurador-Geral da
República, o Senhor teve que fazer alianças contraditórias, já que não
aceitaria ser nomeado fora do método de escolha corporativista.
Acendeu velas para dois demônios que não tinham qualquer afinidade entre si: a corporação e eu.
Da primeira precisou de suporte para receber
seus estrondosos 800 e tantos votos e, de mim, para se viabilizar num
mundo em que o Senhor era um estranho. Diante do meu receio de que essa
química poderia não funcionar, o Senhor me acalmou, dizendo que nós nos
consultaríamos em tudo, inclusive no que se tinha a fazer na execução do
julgado da Ação Penal 470, que, a essa altura, já estava prestes a
transitar.
O dia de sua posse foi, para mim, um momento de
vitória. Não uma vitória pessoal, mas uma vitória do Estado Democrático
de Direito que, agora, teria um chefe do ministério público enérgico e
conhecedor de todas as mazelas da instituição. Sim, tinha-o como o
colega no MPF que melhor conhecia a política interna, não só pelos
cargos que ocupara, mas sobretudo pelo seu jeitão mineiro e bonachão de
conversar com todos, sem deixar de ter lado e ser direto, sincero, às
vezes até demais.
Seu déficit em conhecimento do ambiente externo
seria suprido com o exercício do cargo e poderia, eu, se chamado,
auxiliá-lo, assim como Wagner Gonçalves ou Claudio Fonteles.
Meu susto se deu já no primeiro mês de seu
exercício como procurador-geral. Pediu, sem qualquer explicação ou
conversa prévia com o parceiro de que tanto precisou para chegar lá, a
prisão de José Genoíno. E isso poucos meses depois de ele ter estado com
o Senhor como amigo in pectore.
Eu não tenho medo de assumir que participei
desses contatos. Sempre afirmei publicamente a extrema injustiça do
processo do “Mensalão” no que toca aos atores políticos do PT. Sempre
deixei claro para o Senhor e para o Ministro Joaquim Barbosa que não
aceitava esse método de exposição de investigados e réus e da adoção de
uma transmutação jabuticaba da teoria do domínio do fato.
Defendi José Genoíno sempre, porque, para mim,
não tem essa de abrir seu coração (e no seu caso, a sua casa) a um amigo
e depois tratá-lo como um fora da lei, sabendo-o inocente.
Tentei superar o choque, mas confesso que nunca engoli essa iniciativa do Senhor.
Acaso achasse necessário fazê-lo, deveria ter
buscado convencer as pessoas às quais, antes, expressou posição oposta.
E, depois, como José Genoino foi reiteradamente comensal em sua casa,
nada custava, em último caso, dar-se por suspeito e transferir a tarefa
do pedido a outro colega menos vinculado afetivamente, não acha?
Como nosso projeto para o País era maior do que
minha dor pela injustiça, busquei assimilar a punhalada e seguir em
frente, sabendo que, para terceiros, o Senhor se referia a mim como
pessoa que não podia ser envolvida nesse caso, por não ter isenção.
E não seria mesmo envolvido. Nunca quis herdar a
condução da Ação Penal 470, para mim viciada ab ovo, e nunca sonhei com
seu cargo. Sempre fui de uma lealdade canina para com o Senhor e
insistia em convencer, a mim mesmo, que sua atitude foi por imposição
das circunstâncias. Uma situação de “duress”, como diriam os juristas
anglo-saxônicos.
Mas chegou o ano 2014 e, com ele, a operação
Lava Jato e a campanha eleitoral. Dois enormes desafios. Enquanto, por
lealdade e subordinação, nenhuma posição processual relevante era
deixada de lhe ser comunicada no âmbito do ministério público eleitoral,
no que diz respeito à Lava Jato nada me diziam, nem era consultado.
O Senhor preferiu formar uma dupla com seu chefe
de gabinete, Eduardo Pelella, que tudo sabia e em tudo se metia e, por
isso, chamado carinhosamente de “Posto Ipiranga”. Era seu direito e,
também por isso, jamais o questionei a respeito, ainda que me lembrasse
das conversas ante-officium de que sempre nos consultaríamos sobre o que
era estratégico para a casa.
Passei a perceber, aos poucos, que minha
distância, sediado que estava fora do prédio, no Tribunal Superior
Eleitoral, era conveniente para o Senhor e para seu grupo que tomava
todas as decisões no tocante à guerra política que se avizinhava.
Não quis, contudo, constrangê-lo. Tinha uma
excelente equipe no TSE. Fazia um time de primeira com os colegas Luiz
Carlos Santos Gonçalves, João Heliofar, Ana Paula Mantovani Siqueira e
Ângelo Goulart e o apoio inestimável de Roberto Alcântara, como chefe de
gabinete. Não faltavam problemas a serem resolvidos numa das campanhas
mais agressivas da história política do Brasil. Entendi que meu papel
era garantir que ninguém fosse crucificado perante o eleitorado com
ajuda do ministério público e, daí, resolvemos, de comum acordo, que
minha atuação seria de intervenção mínima, afim de garantir o princípio
da par conditio candidatorum.
Quando alguma posição a ser tomada era
controversa, sempre a submeti ao Senhor e lhe pedi reiteradamente que
tivesse mais presença nesse cenário. Fiquei plantado em Brasília o tempo
todo, na posição de bombeiro, evitando que o fogo da campanha chegasse
ao judiciário e incendiasse a corte e o MPE. As estatísticas são claras.
Não houve nenhum ponto fora da curva no tratamento dos contendentes.
Diferentemente do que o Senhor me afirmou, nunca
tive briga pessoal com o então vice-presidente do TSE. Minha postura de
rejeição de atitudes que não dignificavam a magistratura era
institucional.
E, agora, que Sua Excelência vem publicamente
admoestá-lo na condução das investigações da Lava Jato, imagino, suas
duras reações na mídia também não revelam um conflito pessoal, mas, sim,
institucional. Estou certo? Portanto, nisso estamos no mesmo barco,
ainda que por razões diferentes.
Passada a eleição, abrindo-se o “terceiro
turno”, com o processo de prestação de contas da Presidenta Dilma
Rousseff que não queria e continua não querendo transitar em julgado
apesar de aprovado à unanimidade pelo TSE e com as ações de investigação
judicial e de impugnação de mandato eleitoral manejadas pelo PSDB,
comecei, pela primeira vez, a sentir falta de apoio.
Debitava essa circunstância, contudo, à crise da
Lava Jato que o Senhor tinha que dominar. As vezes que fui chamado a
assinar documentos dessas investigações, em sua ausência, o fiz quase
cegamente. Lembrava-me da frase do querido Ministro Marco Aurélio de
Mello, “cauda não abana cachorro”.
Não me acho mais santo do que ninguém para jogar
pedra em quem quer que seja. Meu trabalho persecutório se resume à
subsunção de fatos à hipótese legal e não à desqualificação de Fulano ou
Beltrano, que estão passando por uma provação do destino pelo qual não
tive que passar e, por conseguinte, não estou em condições de julgar
espiritualmente.
Faço um esforço de me colocar mentalmente no
lugar deles, para tentar entender melhor sua conduta e especular sobre
como eu teria agido. Talvez nem sempre mais virtuosamente e algumas
vezes, quiçá, mais viciadamente.
Investigados e réus não são troféus a serem
expostos e não são “meliantes” a serem conduzidos pelas ruas da vila “de
baraço e pregão” (apud Livro V das Ordenações Filipinas). São cidadãos,
com defeitos e qualidades, que erraram ao ultrapassar os limites do
permissivo legal. E nem por isso deixo de respeitá-los.
Fui surpreendido, em março deste ano, com o
honroso convite da senhora Presidenta democraticamente eleita pelos
brasileiros, Dilma Vana Rousseff, para ocupar o cargo de Ministro de
Estado da Justiça.
Imagino que o Senhor não ficou muito feliz e até
recomendou à Doutora Ela Wiecko a não comparecer a minha posse. Aliás,
não colocou nenhum esquema do cerimonial de seu gabinete para apoiar os
colegas que quisessem participar do ato. Os poucos (e sinceros amigos)
que vieram tiveram que se misturar à multidão.
A esta altura, nosso contato já era parco e não
tinha porque fazer “mimimi” para exigir mais sua atenção. Já estava
sentindo que nenhum de nossos compromissos anteriores a sua posse como
procurador-geral estavam mais valendo.
O Senhor estava só monologando com sua equipe de
inquisidores ministeriais ferozes. Essa é a razão, meu caro amigo
Rodrigo Janot, porque não mais o procurei como ministro de forma
rotineira. Estive com o Senhor duas vezes apenas, para tratar de
assuntos de interesse interinstitucional.
Sérgio Moro liberou a verba alegando que a Operação Lava Jato não poderia parar. Foto Ajufe
E quando voltei ao Ministério Público Federal,
Doutor Rodrigo Janot, não quis mais fazer parte de sua equipe, seja
atuando no STF, seja como coordenador de Câmara, como me convidou.
Prontamente rejeitei esses convites, porque não tenho afinidade nenhuma
com o que está fazendo à frente da Lava Jato e mesmo dentro da
instituição, beneficiando um grupo de colaboradores em detrimento da
grande maioria de colegas e rezando pela cartilha corporativista ao
garantir a universalidade do auxilio moradia concedida por decisão
liminar precária.
Na crítica à Lava Jato, entretanto, tenho sido
franco e assumido, com risco pessoal de rejeição interna e externa,
posições públicas claras contra métodos de extração de informação
utilizados, contra vazamentos ilegais de informações e gravações,
principalmente em momentos extremamente sensíveis para a sobrevida do
governo do qual eu fazia parte, contra o abuso da coerção processual
pelo juiz Sérgio Moro, contra o uso da mídia para exposição de pessoas e
contra o populismo da campanha pelas 10 medidas, muitas à margem da
constituição, propostas por um grupo de procuradores midiáticos que as
transformaram, sem qualquer necessidade de forma, em “iniciativa
popular”.
Nossa instituição exibe-se, assim, sob a sua
liderança, surfando na crise para adquirir musculatura, mesmo que isso
custe caro ao Brasil e aos brasileiros.
Vamos falar sobre honestidade, Senhor Procurador-Geral da República.
A palavra consta do brocardo citado no título desta carta aberta.
O Senhor não concorda e não precisa mais concordar com minhas posições críticas à atuação do MPF.
Nem tem necessidade de uma aproximação dialógica. Já não lhe sirvo para mais nada quando se inicia o último ano de seu mandato.
Mas, depois de tudo que lhe disse aqui para
refrescar a memória, o Senhor pode até me acusar de sincericídio, mas
não mais, pois a honestidade (honestitas), que vem da raiz romana honor,
honoris, esta, meu pai, do Sertão do Pajeú, me ensinou a ter desde
pequeno. Nunca me omiti e não me omitirei quando minha cidadania exige
ação.
Procuro viver com honra e, por isto,
honestamente, educando seis filhos a comer em pratos Duralex, usando
talheres Tramontina e bebendo em copo de requeijão, para serem
brasileiros honrados, dando valor à vida simples.
Diferentemente do Senhor, não fiquei calado
diante das diatribes políticas do Senhor Eduardo Cunha e de seus
ex-asseclas, que assaltaram a democracia, expropriando o voto de 54
milhões de brasileiros, pisoteando-os com seus sapatinhos de couro
alemão importado. Não fui eu que assisti uma Presidenta inocente ser
enxovalhada publicamente como criminosa, não porque cometeu qualquer
crime, mas pelo que representa de avanço social e, também, por ser
mulher.
O Senhor ficou silente, apesar de tudo que
conversamos antes de ser chamado a ser PGR. E ficou aceitando a pilha da
turma que incendiava o País com uma investigação de coleta de prova de
controvertido valor.
Eu sou o que sempre fui, desde menino que
militou no Movimento Revolucionário 8 de Outubro. E o Senhor? Se o
Senhor era o que está sendo hoje, sinto-me lesado na minha boa fé
(alterum non laedere, como fica?). Se não era, o que aconteceu?
“A Lava Jato é maior que nós”?
Esta não pode ser sua desculpa. Tamanho, Senhor
Procurador-Geral da República, é muito relativo. A Lava Jato pode ser
enorme para quem é pequeno, mas não é para o Senhor, como espero
conhecê-lo. Nem pode ser para o seu cargo, que lhe dá a responsabilidade
de ser o defensor maior do regime democrático (art. 127 da CF) e,
devo-lhe dizer, senti falta de sua atuação questionando a aberta
sabotagem à democracia. Por isso o comparei a Pilatos. Não foi para
ofendê-lo, mas porque preferiu, como ele, lavar as mãos.
Mas fico por aqui. Enquanto trabalhei consigo,
dei-lhe o que lhe era de direito e o que me era de dever: lealdade,
subordinação e confiança (suum cuique tribuere, não é?). E, a mim, o
Senhor parece também ter dado o que entende ser meu: a acusação de agir
desonestamente. Não fico mais triste. A vida nos ensina a aceitar a dor
como ensinamento. Mas isso lhe prometo: não vou calar minha crítica e,
depois de tudo o que o Senhor conhece de mim, durma com essa.
Um abraço sincero daquele que esteve anos a fio a
seu lado, acreditando consigo num projeto de um Brasil inclusivo,
desenvolvido, economicamente forte e respeitado no seio das nações, com o
ministério público como ativo parceiro nessa empreitada.
Visto a carapuça, Doutor Rodrigo Janot. E lhe
respondo publicamente, por ser esse o único meio que me resta para
defender a honestidade de meu trabalho, posta em dúvida, também
publicamente, pelo Senhor, numa ocasião solene, na qual jamais
alcançaria o direito de resposta.
O Senhor sabe o quanto tenho sido ostensivamente
crítico da forma de agir estrambólica dos agentes do Estado,
perceptível, em maior grau, desde a Ação Penal 470, sob a batuta
freisleriana do Ministro Joaquim Barbosa.
Aliás, antes de ser procurador-geral, o Senhor
compartilhava comigo, em várias conversas pessoais, minha crítica,
dirigida, até mesmo, ao Procurador-Geral da República de então, Doutor
Gurgel. Lembro-me bem de suas opiniões sobre a falta de noção de
oportunidade de Sua Excelência, quando denunciou o Senador Renan
Calheiros em plena campanha à presidência do Senado.
Admirei a sua coragem, Doutor Rodrigo, de não se
deixar intimidar pelos arroubos midiáticos e jurisdicionais vindas do
Excelso Sodalício. Com José Genoíno travamos interessantes debates sobre
o futuro do País, sobre a necessidade de construção de um pensamento
estratégico com a parceria do ministério público.
Tornou-se, esse político, então, mais do que um
parceiro, um amigo, digno de ser recebido reiteradamente em seu lar,
para se deliciar com sua arte culinária. De minha parte, como não sou
tão bom cozinheiro quanto o Senhor, preferia encontrar, com frequência,
Genoíno, com muito gosto e admiração pela pessoa simples e reta que se
me revelava cada vez mais, no restaurante árabe do Hotel das Nações,
onde ele se hospedava. Era nosso point.
Cá para nós, Doutor Rodrigo Janot, o Senhor
jamais poderia se surpreender com meu modo de pensar e de agir, para
chamá-lo de desonesto. O Senhor me conhece há alguns anos e até me
confere o irônico apelido de “Arengão”, por saber que não fujo ao
conflito quando pressinto injustiça no ar. Compartilhei esse
pressentimento de injustiça com o Senhor, já quando era procurador-geral
e eu seu vice, no Tribunal Superior Eleitoral.
Lutamos juntos, em 2009, para que Lula indicasse
Wagner Gonçalves procurador-geral, cada um com seus meios. Os meus eram
os contatos sólidos que tinha no governo pelo meu modo de pensar, muito
próximo ao projeto nacional que se desenvolvia e que fui conhecendo em
profundidade quando coordenador da 5ª Câmara de Coordenação e Revisão da
PGR, que cuidava da defesa do patrimônio público.
Ficamos frustrados quando, de última hora, Lula, seguindo conselhos equivocados, decidiu reconduzir o Doutor Antônio Fernando.
Em 2011, tentamos de novo, desta vez com sua candidatura contra Gurgel para PGR.
Na verdade, sabíamos que se tratava apenas de um
laboratório de ensaio, pois, com o clamor público induzido pelos
arroubos da mídia e os chiliques televisivos do relator da Ação Penal
470, poucas seriam as chances de, agora Dilma, deixar de indicar o
Doutor Gurgel, candidato de Antônio Fernando, ao cargo de
procurador-geral.
Ainda assim, levei a missão a sério. Fui atrás
de meus contatos no Planalto, defendi seu nome com todo meu ardor e
consegui, até, convencer alguns, mas não suficientes para virar o jogo.
Mas, vamos em frente.
Em 2013, quando o Senhor se encontrava meio que
no ostracismo funcional porque ousara concorrer com o Doutor Gurgel,
disse-me que voltaria a concorrer para PGR e, desta vez, para valer.
Era, eu, Corregedor-Geral do MPF e, com muito
cuidado, me meti na empreitada. Procurei o Doutor Luiz Carlos Sigmaringa
Seixas, meu amigo-irmão há quase trinta anos, e pedi seu apoio a sua
causa.
Procurei conhecidos do PT em São Paulo,
conversei com ministros do STF com quem tinha contatos pessoais.
Enquanto isso, o Senhor foi fazendo sua campanha Brasil afora, contando
com o apoio de um grupo de procuradores e procuradoras que, diga-se de
passagem, na disputa com Gurgel tinham ficado, em sua maioria, com ele.
Incluía, até mesmo, o pai da importação
xinguelingue ( Gíria paulista: produto barato que vem da China,
geralmente de baixíssima qualidade) da teoria do domínio do fato,
elaborado por Claus Roxin no seu original, mas completamente deturpada
na Pindorama, para se transmutar em teoria de responsabilidade penal
objetiva.
Achava essa mistura de apoiadores um tanto
estranha, pois eu, que fazia o trabalho de viabilizar externamente seu
nome, nada tinha em comum com essa turma em termos de visão sobre o
ministério público.
Como o Senhor sabe, no início de 2012,
publiquei, numa obra em “homenagem” ao então Vice-Presidente da
República, Michel Temer, um artigo extremamente polêmico sobre as
mutações disfuncionais por que o ministério público vinha passando.
Esse artigo, reproduzido no Congresso em Foco,
com o título “Ministério Público na Encruzilhada: Parceiro entre
Sociedade e Estado ou Adversário implacável da Governabilidade?”, quando
tornado público, foi alvo de síncopes corporativas na rede de discussão
@Membros.
Faltaram querer me linchar, porque nossa casa
não é democrática. Ela se rege por um princípio de omertà muito próprio
das sociedades secretas. Mas não me deixei intimidar.
Depois, ainda em 2013, publiquei outro artigo,
em crítica feroz ao movimento corporativo-rueiro contra a PEC 37, também
no Congresso em Foco, com o título “Derrota da PEC 37: a apropriação
corporativa dos movimentos de rua no Brasil”.
(N.R. A PEC 37, derrotada na Câmara em junho de
2013, determinava que o poder de investigação criminal seria exclusivo
das polícias federal e civis, retirando esta atribuição de alguns órgãos
e, sobretudo, do Ministério Público (MP).
Sua turma de apoio me qualificou de insano, por
escrever isso em plena campanha eleitoral do Senhor. Só que se
esqueceram que meu compromisso nunca foi com eles e com o esforço
corporativo de indicar o Procurador-Geral da República por lista
tríplice.Sempre achei esse método de escolha do chefe da instituição um
grande equívoco dos governos Lula e Dilma.
Meu compromisso era com sua indicação para o
cargo, porque acreditava na sua liderança na casa, para mudar a cultura
do risco exibicionista de muitos colegas, que afetava enormemente a
qualidade de governança do País.
No seu caso, pensava, a coincidência de poder
ser o mais votado pela corporação e de ter a qualidade da sensibilidade
para com a política extra-institucional, era conveniente, até porque a
seu lado, poderia colaborar para manter um ambiente de parceria com o
governo e os atores políticos.
Não foi por outro motivo que, quando me deu a
opção, preferi ocupar a Vice-Procuradoria-Geral Eleitoral a ocupar a
Vice-Procuradoria-Geral da República que, a meu ver, tinha que ser
destinada à Doutora Ela Wiecko Volkmer de Castilho, por deter, também,
expressiva liderança na casa e contar com boa articulação com o
movimento das mulheres. Este foi um conselho meu que o Senhor
prontamente atendeu, ainda antes de ser escolhido.
Naqueles dias, a escolha da Presidenta da
República para o cargo de procurador-geral estava entre o Senhor e a
Doutora Ela, pendendo mais para a segunda, por ser mulher e ter tido
contato pessoal com a Presidenta, que a admirava e continua admirando
muito.
Ademais, Doutora Ela contava com o apoio do
Advogado-Geral da União, Doutor Luís Inácio Adams. Brigando pelo Senhor
estávamos nós, atuando sobre o então Ministro da Justiça, José Eduardo
Cardozo e o amigo Luiz Carlos Sigmaringa Seixas.
Quando ouvimos boatos de que a mensagem ao
Senado, com a indicação da Doutora Ela, estava já na Casa Civil para ser
assinada, imediatamente agi, procurando o Ministro Ricardo Lewandowski,
que, após recebê-lo, contatou a Presidenta para recomendar seu nome.
No dia em que o Senhor foi chamado para
conversar com a Presidenta, fui consultado pelo Ministro da Justiça e
pelo Advogado-Geral da União, pedindo que confirmasse, ou não, que seu
nome era o melhor. Confirmei, em ambos os contatos telefônicos.
Na verdade, para se tornar Procurador-Geral da
República, o Senhor teve que fazer alianças contraditórias, já que não
aceitaria ser nomeado fora do método de escolha corporativista.
Acendeu velas para dois demônios que não tinham qualquer afinidade entre si: a corporação e eu.
Da primeira precisou de suporte para receber
seus estrondosos 800 e tantos votos e, de mim, para se viabilizar num
mundo em que o Senhor era um estranho. Diante do meu receio de que essa
química poderia não funcionar, o Senhor me acalmou, dizendo que nós nos
consultaríamos em tudo, inclusive no que se tinha a fazer na execução do
julgado da Ação Penal 470, que, a essa altura, já estava prestes a
transitar.
O dia de sua posse foi, para mim, um momento de
vitória. Não uma vitória pessoal, mas uma vitória do Estado Democrático
de Direito que, agora, teria um chefe do ministério público enérgico e
conhecedor de todas as mazelas da instituição. Sim, tinha-o como o
colega no MPF que melhor conhecia a política interna, não só pelos
cargos que ocupara, mas sobretudo pelo seu jeitão mineiro e bonachão de
conversar com todos, sem deixar de ter lado e ser direto, sincero, às
vezes até demais.
Seu déficit em conhecimento do ambiente externo
seria suprido com o exercício do cargo e poderia, eu, se chamado,
auxiliá-lo, assim como Wagner Gonçalves ou Claudio Fonteles.
Meu susto se deu já no primeiro mês de seu
exercício como procurador-geral. Pediu, sem qualquer explicação ou
conversa prévia com o parceiro de que tanto precisou para chegar lá, a
prisão de José Genoíno. E isso poucos meses depois de ele ter estado com
o Senhor como amigo in pectore.
Eu não tenho medo de assumir que participei
desses contatos. Sempre afirmei publicamente a extrema injustiça do
processo do “Mensalão” no que toca aos atores políticos do PT. Sempre
deixei claro para o Senhor e para o Ministro Joaquim Barbosa que não
aceitava esse método de exposição de investigados e réus e da adoção de
uma transmutação jabuticaba da teoria do domínio do fato.
Defendi José Genoíno sempre, porque, para mim,
não tem essa de abrir seu coração (e no seu caso, a sua casa) a um amigo
e depois tratá-lo como um fora da lei, sabendo-o inocente.
Tentei superar o choque, mas confesso que nunca engoli essa iniciativa do Senhor.
Acaso achasse necessário fazê-lo, deveria ter
buscado convencer as pessoas às quais, antes, expressou posição oposta.
E, depois, como José Genoino foi reiteradamente comensal em sua casa,
nada custava, em último caso, dar-se por suspeito e transferir a tarefa
do pedido a outro colega menos vinculado afetivamente, não acha?
Como nosso projeto para o País era maior do que
minha dor pela injustiça, busquei assimilar a punhalada e seguir em
frente, sabendo que, para terceiros, o Senhor se referia a mim como
pessoa que não podia ser envolvida nesse caso, por não ter isenção.
E não seria mesmo envolvido. Nunca quis herdar a
condução da Ação Penal 470, para mim viciada ab ovo, e nunca sonhei com
seu cargo. Sempre fui de uma lealdade canina para com o Senhor e
insistia em convencer, a mim mesmo, que sua atitude foi por imposição
das circunstâncias. Uma situação de “duress”, como diriam os juristas
anglo-saxônicos.
Mas chegou o ano 2014 e, com ele, a operação
Lava Jato e a campanha eleitoral. Dois enormes desafios. Enquanto, por
lealdade e subordinação, nenhuma posição processual relevante era
deixada de lhe ser comunicada no âmbito do ministério público eleitoral,
no que diz respeito à Lava Jato nada me diziam, nem era consultado.
O Senhor preferiu formar uma dupla com seu chefe
de gabinete, Eduardo Pelella, que tudo sabia e em tudo se metia e, por
isso, chamado carinhosamente de “Posto Ipiranga”. Era seu direito e,
também por isso, jamais o questionei a respeito, ainda que me lembrasse
das conversas ante-officium de que sempre nos consultaríamos sobre o que
era estratégico para a casa.
Passei a perceber, aos poucos, que minha
distância, sediado que estava fora do prédio, no Tribunal Superior
Eleitoral, era conveniente para o Senhor e para seu grupo que tomava
todas as decisões no tocante à guerra política que se avizinhava.
Não quis, contudo, constrangê-lo. Tinha uma
excelente equipe no TSE. Fazia um time de primeira com os colegas Luiz
Carlos Santos Gonçalves, João Heliofar, Ana Paula Mantovani Siqueira e
Ângelo Goulart e o apoio inestimável de Roberto Alcântara, como chefe de
gabinete. Não faltavam problemas a serem resolvidos numa das campanhas
mais agressivas da história política do Brasil. Entendi que meu papel
era garantir que ninguém fosse crucificado perante o eleitorado com
ajuda do ministério público e, daí, resolvemos, de comum acordo, que
minha atuação seria de intervenção mínima, afim de garantir o princípio
da par conditio candidatorum.
Quando alguma posição a ser tomada era
controversa, sempre a submeti ao Senhor e lhe pedi reiteradamente que
tivesse mais presença nesse cenário. Fiquei plantado em Brasília o tempo
todo, na posição de bombeiro, evitando que o fogo da campanha chegasse
ao judiciário e incendiasse a corte e o MPE. As estatísticas são claras.
Não houve nenhum ponto fora da curva no tratamento dos contendentes.
Diferentemente do que o Senhor me afirmou, nunca
tive briga pessoal com o então vice-presidente do TSE. Minha postura de
rejeição de atitudes que não dignificavam a magistratura era
institucional.
E, agora, que Sua Excelência vem publicamente
admoestá-lo na condução das investigações da Lava Jato, imagino, suas
duras reações na mídia também não revelam um conflito pessoal, mas, sim,
institucional. Estou certo? Portanto, nisso estamos no mesmo barco,
ainda que por razões diferentes.
Passada a eleição, abrindo-se o “terceiro
turno”, com o processo de prestação de contas da Presidenta Dilma
Rousseff que não queria e continua não querendo transitar em julgado
apesar de aprovado à unanimidade pelo TSE e com as ações de investigação
judicial e de impugnação de mandato eleitoral manejadas pelo PSDB,
comecei, pela primeira vez, a sentir falta de apoio.
Debitava essa circunstância, contudo, à crise da
Lava Jato que o Senhor tinha que dominar. As vezes que fui chamado a
assinar documentos dessas investigações, em sua ausência, o fiz quase
cegamente. Lembrava-me da frase do querido Ministro Marco Aurélio de
Mello, “cauda não abana cachorro”.
Não me acho mais santo do que ninguém para jogar
pedra em quem quer que seja. Meu trabalho persecutório se resume à
subsunção de fatos à hipótese legal e não à desqualificação de Fulano ou
Beltrano, que estão passando por uma provação do destino pelo qual não
tive que passar e, por conseguinte, não estou em condições de julgar
espiritualmente.
Faço um esforço de me colocar mentalmente no
lugar deles, para tentar entender melhor sua conduta e especular sobre
como eu teria agido. Talvez nem sempre mais virtuosamente e algumas
vezes, quiçá, mais viciadamente.
Investigados e réus não são troféus a serem
expostos e não são “meliantes” a serem conduzidos pelas ruas da vila “de
baraço e pregão” (apud Livro V das Ordenações Filipinas). São cidadãos,
com defeitos e qualidades, que erraram ao ultrapassar os limites do
permissivo legal. E nem por isso deixo de respeitá-los.
Fui surpreendido, em março deste ano, com o
honroso convite da senhora Presidenta democraticamente eleita pelos
brasileiros, Dilma Vana Rousseff, para ocupar o cargo de Ministro de
Estado da Justiça.
Imagino que o Senhor não ficou muito feliz e até
recomendou à Doutora Ela Wiecko a não comparecer a minha posse. Aliás,
não colocou nenhum esquema do cerimonial de seu gabinete para apoiar os
colegas que quisessem participar do ato. Os poucos (e sinceros amigos)
que vieram tiveram que se misturar à multidão.
A esta altura, nosso contato já era parco e não
tinha porque fazer “mimimi” para exigir mais sua atenção. Já estava
sentindo que nenhum de nossos compromissos anteriores a sua posse como
procurador-geral estavam mais valendo.
O Senhor estava só monologando com sua equipe de
inquisidores ministeriais ferozes. Essa é a razão, meu caro amigo
Rodrigo Janot, porque não mais o procurei como ministro de forma
rotineira. Estive com o Senhor duas vezes apenas, para tratar de
assuntos de interesse interinstitucional.
Sérgio Moro liberou a verba alegando que a Operação Lava Jato não poderia parar. Foto Ajufe
E quando voltei ao Ministério Público Federal,
Doutor Rodrigo Janot, não quis mais fazer parte de sua equipe, seja
atuando no STF, seja como coordenador de Câmara, como me convidou.
Prontamente rejeitei esses convites, porque não tenho afinidade nenhuma
com o que está fazendo à frente da Lava Jato e mesmo dentro da
instituição, beneficiando um grupo de colaboradores em detrimento da
grande maioria de colegas e rezando pela cartilha corporativista ao
garantir a universalidade do auxilio moradia concedida por decisão
liminar precária.
Na crítica à Lava Jato, entretanto, tenho sido
franco e assumido, com risco pessoal de rejeição interna e externa,
posições públicas claras contra métodos de extração de informação
utilizados, contra vazamentos ilegais de informações e gravações,
principalmente em momentos extremamente sensíveis para a sobrevida do
governo do qual eu fazia parte, contra o abuso da coerção processual
pelo juiz Sérgio Moro, contra o uso da mídia para exposição de pessoas e
contra o populismo da campanha pelas 10 medidas, muitas à margem da
constituição, propostas por um grupo de procuradores midiáticos que as
transformaram, sem qualquer necessidade de forma, em “iniciativa
popular”.
Nossa instituição exibe-se, assim, sob a sua
liderança, surfando na crise para adquirir musculatura, mesmo que isso
custe caro ao Brasil e aos brasileiros.
Vamos falar sobre honestidade, Senhor Procurador-Geral da República.
A palavra consta do brocardo citado no título desta carta aberta.
O Senhor não concorda e não precisa mais concordar com minhas posições críticas à atuação do MPF.
Nem tem necessidade de uma aproximação dialógica. Já não lhe sirvo para mais nada quando se inicia o último ano de seu mandato.
Mas, depois de tudo que lhe disse aqui para
refrescar a memória, o Senhor pode até me acusar de sincericídio, mas
não mais, pois a honestidade (honestitas), que vem da raiz romana honor,
honoris, esta, meu pai, do Sertão do Pajeú, me ensinou a ter desde
pequeno. Nunca me omiti e não me omitirei quando minha cidadania exige
ação.
Procuro viver com honra e, por isto,
honestamente, educando seis filhos a comer em pratos Duralex, usando
talheres Tramontina e bebendo em copo de requeijão, para serem
brasileiros honrados, dando valor à vida simples.
Diferentemente do Senhor, não fiquei calado
diante das diatribes políticas do Senhor Eduardo Cunha e de seus
ex-asseclas, que assaltaram a democracia, expropriando o voto de 54
milhões de brasileiros, pisoteando-os com seus sapatinhos de couro
alemão importado. Não fui eu que assisti uma Presidenta inocente ser
enxovalhada publicamente como criminosa, não porque cometeu qualquer
crime, mas pelo que representa de avanço social e, também, por ser
mulher.
O Senhor ficou silente, apesar de tudo que
conversamos antes de ser chamado a ser PGR. E ficou aceitando a pilha da
turma que incendiava o País com uma investigação de coleta de prova de
controvertido valor.
Eu sou o que sempre fui, desde menino que
militou no Movimento Revolucionário 8 de Outubro. E o Senhor? Se o
Senhor era o que está sendo hoje, sinto-me lesado na minha boa fé
(alterum non laedere, como fica?). Se não era, o que aconteceu?
“A Lava Jato é maior que nós”?
Esta não pode ser sua desculpa. Tamanho, Senhor
Procurador-Geral da República, é muito relativo. A Lava Jato pode ser
enorme para quem é pequeno, mas não é para o Senhor, como espero
conhecê-lo. Nem pode ser para o seu cargo, que lhe dá a responsabilidade
de ser o defensor maior do regime democrático (art. 127 da CF) e,
devo-lhe dizer, senti falta de sua atuação questionando a aberta
sabotagem à democracia. Por isso o comparei a Pilatos. Não foi para
ofendê-lo, mas porque preferiu, como ele, lavar as mãos.
Mas fico por aqui. Enquanto trabalhei consigo,
dei-lhe o que lhe era de direito e o que me era de dever: lealdade,
subordinação e confiança (suum cuique tribuere, não é?). E, a mim, o
Senhor parece também ter dado o que entende ser meu: a acusação de agir
desonestamente. Não fico mais triste. A vida nos ensina a aceitar a dor
como ensinamento. Mas isso lhe prometo: não vou calar minha crítica e,
depois de tudo o que o Senhor conhece de mim, durma com essa."
Um abraço sincero daquele que esteve anos a fio a
seu lado, acreditando consigo num projeto de um Brasil inclusivo,
desenvolvido, economicamente forte e respeitado no seio das nações, com o
ministério público como ativo parceiro nessa empreitada.
http://www.redebrasilatual.com.br/blogs/blog-na-rede/2016/09/eugenio-aragao-para-janot-amigo-nao-se-trai-1408.html
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