por Marcos
Aguiar Villas-Bôas para Carta
Capital - Sociedade e Educação
Reforma de Temer minimiza Filosofia e
Sociologia, mas escolas podem aproveitar e introduzir discussões filosóficas e
sociológicas em todas as disciplinas
Daniel Stockman / Wikimedia Commons
"O
Pensador", de Rodin: a reflexão melhora o aprendizado
A Filosofia se tornou disciplina obrigatória no Ensino médio em 2006 no
Brasil. Em 2016, a Medida Provisória de reforma do Ensino Médio
apresentada pelo governo Temer pretendia tornar optativas no currículo a
Filosofia e a Sociologia. Com uma emenda na Câmara dos Deputados, decidiu-se
incluí-las novamente, porém a título de “estudos e práticas”, o que retira a
necessidade de oferecer disciplinas específicas nas escolas.
Elas não são, de fato, imprescindíveis, mas, se fossem bem pensadas,
poderiam ser ótimas ferramentas no crescimento cognitivo, reflexivo,
argumentativo e moral dos alunos.
Essa discussão precisa tomar o seguinte caminho. É importante que alunos estudem Filosofia e Sociologia enquanto disciplinas singulares, para que possam sistematizar autores, entender a evolução dos pensamentos filosóficos e sociológicos etc. Se essas disciplinas forem, no entanto, ensinadas como comumente acontece no Brasil, acrescentarão muito pouco.
O ensino em monólogo, no qual são apresentados autores, ideias soltas, classificações e outros conhecimentos de forma redutiva, com pouca contraposição de ideias e participação dos alunos, torna a Filosofia e a Sociologia disciplinas maçantes, pouco instigantes, e que não cumprem suas importantes funções.
Essas disciplinas, como todas as demais, devem focar num ensino histórico, analítico, estimulador da reflexão, confrontador de posições dentro de um ambiente cooperativo e participativo. Se as disciplinas não constarem no currículo, mas discussões filosóficas e sociológicas de caráter prático acontecerem dentro do ensino das demais disciplinas, já seria um grande avanço.
Essa discussão precisa tomar o seguinte caminho. É importante que alunos estudem Filosofia e Sociologia enquanto disciplinas singulares, para que possam sistematizar autores, entender a evolução dos pensamentos filosóficos e sociológicos etc. Se essas disciplinas forem, no entanto, ensinadas como comumente acontece no Brasil, acrescentarão muito pouco.
O ensino em monólogo, no qual são apresentados autores, ideias soltas, classificações e outros conhecimentos de forma redutiva, com pouca contraposição de ideias e participação dos alunos, torna a Filosofia e a Sociologia disciplinas maçantes, pouco instigantes, e que não cumprem suas importantes funções.
Essas disciplinas, como todas as demais, devem focar num ensino histórico, analítico, estimulador da reflexão, confrontador de posições dentro de um ambiente cooperativo e participativo. Se as disciplinas não constarem no currículo, mas discussões filosóficas e sociológicas de caráter prático acontecerem dentro do ensino das demais disciplinas, já seria um grande avanço.
O grande mérito de disciplinas como Filosofia e Sociologia é que elas
abrem espaço para uma forma de ensino que prepara melhor os indivíduos para
atuarem como seres sociais intelectualmente profundos, socialmente adaptáveis e
moralmente cooperativos. A chave da boa educação está, portanto, até mais no
“como ensinar” do que no “o que ensinar”.
Diversos estudos científicos realizados nos últimos anos provam que a
prática filosófica (ensino prático-reflexivo) nas escolas leva os alunos a um
melhor rendimento.
Circulou recentemente nas redes sociais um estudo realizado com 3.000 crianças em 48
escolas primárias de toda a Inglaterra. Parte das crianças recebeu um curso de
filosofia prática, ou seja, discutiam, com base em problemas do dia a dia,
temas como conhecimento, verdade e justiça, e não apenas falavam de autores e
teorias em caráter abstrato, como acontece, em regra, no ensino filosófico
brasileiro.
Eram debatidos por elas questões como: “Um coração saudável deveria ser
doado a uma pessoa que não se cuidou ao longo da vida?” e “É aceitável privar
alguém da sua liberdade?”.
O resultado claro e consistente foi que as crianças participantes das
aulas de filosofia prática ganharam dois meses à frente das demais em termos de
avanço em matemática e em habilidades de leitura, e isso num estudo de curto
prazo.
O objetivo do programa era, na verdade, aumentar a confiança dos alunos
ao perguntarem e construírem argumentos, mas os ganhos acadêmicos foram
surpreendentes.
Os professores reportaram ainda que aquela foi uma oportunidade de
aprofundar o relacionamento com os alunos e entre os alunos, tratando de temas
delicados e que remetem a perspectivas muito pessoais e emocionais. Ademais,
foi possível desenvolver uma maior cultura de pensar, ouvir, falar, e tudo isso
usando argumentos lógicos.
O programa Philosophy for Children - P4C (Filosofia
para Crianças) foi desenvolvido primeiramente em 1970 nos Estados Unidos por
Matthew Lipman. Mais tarde, foi criado oInstitute for Advancement of
Philosophy for Children – IAPC (Instituto para Avanço
da Filosofia para Crianças), que realizou diversos estudos pautados no ensino
filosófico prático a grupos controlados de crianças.
Em 1980, o instituto estudou o progresso de 40 alunos em duas escolas de
New Jersey. Eles foram divididos em dois grupos, sendo que o grupo de
tratamento teve ensino de Filosofia para Crianças ao longo de nove semanas,
enquanto que o grupo de control teve um ensino mais tradicional de estudos
sociais.
O estudo reportou ganhos significativos em raciocínio lógico e leitura,
o que foi medido peloCalifornia Test of Mental Maturity – CTMM (Teste
de Maturidade Mental da Califórnia). O avanço nas habilidades de leitura do
grupo que teve ensino filosófico prático em relação ao outro foi medido logo
após o curso e dois anos e meio depois.
Isso não quer dizer que estudos sociais não sejam importantes, mas que o
ensino de caráter filosófico, no sentido de uma prática de reflexão e
argumentação, estimula partes do cérebro que, em suma, deixam os indivíduos
mais capazes de questionar, refletir e argumentar. Há aumento da inteligência.
Estudo semelhante aconteceu em 2004 com
105 estudantes experimentais e 72 estudantes no grupo de controle. Os
pesquisadores novamente reportaram avanços consideráveis em leitura e
pensamento crítico.
Devido à quantidade de estudos produzidos em tempos distintos e com
métodos diferentes, uma iniciativa em Clackmannanshire, na Escócia,
procurou sistematizar esses estudos e revisá-los cuidadosamente para checar os
resultados da Filosofia para Crianças. As conclusões foram que, com um custo
baixo, usando uma aula na semana, obtém-se ganhos cognitivos sustentáveis,
desenvolvimento de habilidades críticas, de diálogo, sociais e emocionais.
Autores renomados, como Jean Piaget, pensavam que alunos mais novos, com
idade até 11 ou 12 anos, não poderiam desenvolver pensamento crítico, mas os
estudos com ensino filosófico prático provaram que isso era possível mesmo no
ensino primário, em alunos a partir de 5 ou 6 anos.
A boa reflexão filosófica, aquela que não se prende a paradigmas, a
dogmas, e que estimula o ser humano a pensar pragmaticamente as instituições
sociais de forma a reconstruí-las para o bem de todos, não precisa ser
abstrata, vaga, podendo ser digerida até mesmo por crianças em tenra idade.
Por último, como os estudos anteriores fizerem medições em curto prazo,
vale olhar para um longitudinal, de longo prazo (10 anos), realizado na Espanha
com mais de 700 crianças. Houve três medições: 1) 2o ano do fundamental;
2) 6o ano do fundamental; 3) 2o ano do médio. O principal resultado
foi o aumento médio de sete pontos de QI naqueles que estudaram filosofia
prática.
Esses e outros estudos comprovam que a discussão sobre ensino filosófico
no Brasil está séculos atrasada. Boa parte do sucesso da educação dos países
desenvolvidos se deve a métodos muito mais práticos e reflexivos.
O pragmatista americano John Dewey destacou-se ao defender a importância
de se ensinar a pensar de forma inteligente nas escolas, e não apenas lançar um
monte de conhecimento sobre os alunos. Apenas dessa forma, segundo ele,
ensinando como reconstruir a experiência e, portanto, as instituições, seria
possível os homens terem o controle das suas vidas, e isso aprofundaria a
democracia.
Para esse aprofundamento, seria preciso também criar um senso de
comunidade por meio de um ensino moralizante, outro resultado que pode decorrer
da prática filosófica. No curso Justice – Qual a coisa certa a fazer?, do
professor americano de Harvard, Michael Sandel, os alunos podem refletir sobre
diversas questões intricadas da vida humana que remetem a decisões sobre
justiça e assuntos correlatos, sobre o que está ou não dentro da moral,
instigando a construção de sensos morais mais comunitários.
Uma das principais formas de obter esse ensino do pensamento democrático
defendido por Dewey seria exatamente a filosofia prática, uma reflexão
constante, aberta, receptiva, cooperativa e profunda sobre os problemas,
especialmente os mais graves, da vida humana.
Quando se fala em filosofia, o termo remete mais imediatamente a três
conceitos: a) ideologia, visão sobre algo, b) disciplina, parte do currículo
educacional, e c) questionamento, reflexão, atitude filosófica. A boa educação
deve, sobretudo, usar “c” para discutir “a” frente aos problemas da vida
humana, sendo o uso de “b” algo bastante útil e positivo.
Para efeito de políticas públicas, as escolas deveriam buscar ter
disciplinas de Filosofia e Sociologia, mas, sobretudo, transformar boa parte de
todas as disciplinas em discussões filosóficas e sociológicas sobre os seus
temas. Para tanto, é preciso capacitar todos os professores a ensinarem com
base em um método focado na atitude prático-reflexiva.
*Texto elaborado para o Movimento Mapa Educação e também
publicado no seu blog.
http://www.cartacapital.com.br/blogs/vanguardas-do-conhecimento/ensino-filosofico-adequado-eleva-o-rendimento-dos-alunos
Nenhum comentário:
Postar um comentário
O comentário será analisado para eventual publicação no blog