por
Shobhan
Saxena* do The Wired, Índia (25/3/2016), para blog do Alok – Sociedade e Golpe
Político-Midiático-Jurídico no Brasil
Partidos neoliberais, a
mídia-empresa, um Judiciário reacionário, lobbyists da indústria do petróleo, a elite branca e grupos
de direita, com generosa ajuda do exterior, reuniram-se em gangue para fazer
desandar o governo do Brasil. E tudo isso para faz crer que se tratasse de
levante popular contra regime corrupto.
Em novembro de 2009, The Economist pôs o Brasil na capa
da edição do mês. Brasil Takes Off [Brasil
decola], lia-se naquele jornal, sobre uma foto da estátua icônica do Cristo
Redentor pairando sobre águas azuis como um foguete interestelar. Prevendo que
"o Brasil tem tudo para se tornar a quinta maior economia do mundo,
superando Grã-Bretanha e França", a revista dizia que a maior economia da
América do Sul, deveria "ganhar mais velocidade nos próximos anos, quando
as reservas de petróleo de águas profundas chegassem ao mercado, e com os
países da Ásia ainda carentes dos alimentos e dos minerais nobres da farta e
pródiga terra do Brasil."
Em 2009, quando o mundo enfrentava ainda uma crise financeira
catastrófica, The Economist via o Brasil como a maior
esperança do capitalismo global.
Naquele momento, a revista britânica não era a única apaixonada pelo
Brasil. Sob a liderança do presidente Lula da Silva, o país testemunhava
prosperidade e mudança social sem precedentes. A própria ascensão pessoal de
Lula, de engraxate de rua e mecânico de motores a presidente do maior país da
América Latina, era matéria de que se fazem os mitos históricos. Lula foi
objeto de vários livros, sempre sucessos de venda. Na cúpula do G-20 em Londres,
em abril de 2009, o presidente Barack Obama dos EUA disse dele que era "o político mais popular do planeta".
E com os dois maiores espetáculos esportivos do planeta – a Copa do Mundo da
FIFA (2014) e os Jogos Olímpicos (2016) – marcados para acontecer no país, o
Brasil, perenemente estigmatizado como "o país do futuro", finalmente
parecia ter chegado ao centro do palco global.
Sete anos depois, o Brasil parece como um país completamente diferente.
Lula, que deixou o governo ao final de seu segundo mandato em 2010 com
aprovação de 80% dos brasileiros, foi detido em 2016, para
ser interrogado num escândalo de corrupção de multibilhões de dólares em função
do qual alguns de seus parceiros do Partido dos Trabalhadores (PT) foram
encarcerados. Sua sucessora, a presidenta Dilma Rousseff passou por impeachmentno
no Congresso brasileiro. A economia do Brasil encolheu 3,5% ano passado, e esse
ano não será melhor. A inflação é de dois dígitos e centenas de milhares de
brasileiros enfrentam o desemprego. Milhões de pessoas tomaram as ruas – uns
contra e outros a favor do governo. Ninguém se preocupa com quem dará conta da
tarefa de fazer os Jogos Olímpicos do Rio, que estão a menos de cinco meses de
começar. E a mídia-empresa – global e local – já condenou Lula, Rousseff e o
Brasil popular.
A história de sucesso do Brasil começou a perder parte do brilho em
2013, especialmente aos olhos da mídia-empresa internacional. Em setembro de
2013, The Economist novamente pôs o Brasil na capa.
A matéria criticava furiosamente a presidenta Rousseff, que governara o país
nos últimos três anos, e enfrentava novas eleições no ano seguinte. Para The
Economist, Rousseff fizera "muito pouco para reformar o próprio
governo nos anos de crescimento e fartura." E exigia que o Brasil pusesse
fim ao "excesso de impostos e taxas", "ao excessivo gasto
público" e ao pagamento de aposentadorias e pensões "generosas"
demais.
O ano não havia sido bom para o Brasil. A economia tropeçava e centenas
de milhares de pessoas saíram às ruas pouco antes da Copa das Confederações da
FIFA para protestar contra corrupção e exigir melhores serviços públicos. A
economia parecia completamente desencaminhada.
O que, então, saíra tão errado entre 2009 e 2013?
Como aconteceu de Rousseff, que a revista Forbes declarara a mulher mais poderosa do mundo em
2010, tenha se tornado repentinamente fraca
e incompetente? Como aconteceu de a história do Brasil passar, de história de
esperança para história de desespero, em tão pouco tempo?
A resposta é simples – petróleo e o dinheiro, o poder e a política que o
petróleo gera.
Mesma história, mesmo petróleo
Em 2007, o Brasil descobriu um campo de imensas reservas de petróleo
numa região oceânica de águas profundas, do pré-sal. No período de um ano, o
país descobriu reservas de petróleo e gás natural superiores a 50 bilhões de
barris – a maior reserva conhecida da América do Sul. O Brasil tornou-se o novo
queridinho dos mercadores mundiais de petróleo e de Wall Street.
A empresa estatal brasileira de petróleo, Petrobrás, sempre deteve o
monopólio da exploração do petróleo no Brasil desde que foi fundada em 1953,
mas o setor abrira-se para a Royal Dutch Shell em 1997. Com as descobertas de
petróleo de 2007-08, gigantes globais como Chevron, Shell e ExxonMobil
viraram-se para o Brasil à espera de contratos lucrativos. Mas nenhum negócio
era possível.
Em 2007, Lula restaurara parcialmente o monopólio da Petrobrás sobre o
petróleo do Brasil. Leis redigidas sob orientação de
Rousseff, então chefe da Casa Civil de Lula, deram à companhia
direitos exclusivos de operação; e todos os lucros gerados pelo petróleo foram
vinculados aos programas sociais do governo, à educação e à saúde. A Petrobrás
começou também a construir parcerias com outras estatais de petróleo,
especialmente com a China. (ONGC e Bharat Petroleum também são parceiras da
Petrobrás e mantêm escritórios no Rio, onde está a sede da Petrobrás.)
A Agência de Informação de Energia [ing. Energy Information Agency
(EIA)] e o Departamento de Estado dos EUA, imediatamente começaram a
fazer lobby sobre funcionários do Brasil, a favor de empresas
norte-americanas. Telegramas diplomáticos secretos distribuídos por WikiLeaks
em 2010 revelaram o quanto os norte-americanos estavam preocupados com a
presença de empresas estatais chinesas no Brasil. Por exemplo, num telegrama que detalhava o modo como
os EUA tentavam mudar as leis brasileiras a seu favor.
Quando o Brasil entrou em campanha eleitoral, para escolher o sucessor
de Lula, o partido de Lula, o Partido dos Trabalhadores, indicou Rousseff à
presidência. O principal partido de oposição, o Partido da Social-Democracia
Brasileira, PSDB, que sempre apoiara a privatização da Petrobrás, apresentou
como candidato o ex-governador de São Paulo, Jose Serra. Os EUA
acompanhavam muito atentamente as eleições; documentos revelados por WikiLeaks mostram que os EUA estavam investindo na vitória de
Serra, para obter mudanças nas leis. "Deixem que esses caras [do PT] façam
o que quiserem. Não haverá concorrência, e então mostraremos que o velho modelo
funcionava (...) E reverteremos ao que era antes" – como se lê num
telegrama de 2009, que Serra teria dito ao lobby do petróleo
estrangeiro.
Mas Serra foi fragorosamente derrotado por Rousseff na eleição de 2010.
A Petrobrás permaneceu como única operadora dos campos de petróleo no Brasil, e
a renda do petróleo continuou a irrigar os programas sociais do governo.
Pouco adiante, a chinesa Sinopec tornou-se ativa na exploração de
petróleo em águas brasileiras, nos termos da lei que estipulava uma quota
mínima de 30% para a própria Petrobrás em todas as empreitadas. Foi o fim da
lua de mel do 'ocidente' com o Brasil.
"Quando o lobby deles falhou e não rendeu
contratos de petróleo para as empresas norte-americanas, o Brasil passou a ser
o vilão, como a Venezuela. As empresas de petróleo e o governo dos EUA lançaram
um primeiro ataque clandestino contra o Brasil. Em seguida, a mídia-empresa
norte-americana passou a nos atacar" – diz um veterano diplomata no
Itamaraty, onde está instalado o Ministério de Relações Exteriores do Brasil,
que pediu que seu nome não fosse citado. – "Mas o governo também cometeu
um erro, ao depositar tantas esperanças na Petrobrás e no petróleo, esquecendo
que petróleo é mercadoria e o preço das mercadorias sempre pode desabar" –
acrescenta a mesma fonte.
Quando o governo Dilma chegou ao poder com a promessa de fazer do Brasil
uma sociedade mais igualitária, com estado de bem-estar forte; o petróleo e a
Petrobrás estavam no coração do projeto do governo de esquerda, que planejava
usar dinheiro e recursos públicos para combater a miséria, criar empregos
públicos e levar o desenvolvimento a áreas remotas do país. A Petrobrás não foi
investimento errado. Em 2007, a capitalização no mercado chegou a $190 bilhões.
Em 2010, último ano até então de Lula no poder, o Brasil crescera 7,5% e as
coisas pareciam promissoras. Mesmo com uma queda nos lucros e na capitalização
nos anos seguintes, mesmo assim a empresa continuou como uma das maiores petroleiras
do mundo.
Mas as coisas piorariam muito...
Entra em cena a Agência de Segurança Nacional dos EUA, NSA
Em junho de 2013, Edward Snowden, administrador de sistemas na Agência
de Segurança Nacional dos EUA, fugiu para Hong Kong com grande quantidade de
documentos sequestros. Nos poucos meses seguintes, trabalhando com jornalistas
de vários jornais no mundo, Snowden divulgou uma série de artigos que mostravam
que o governo dos EUA espionava políticos, governos, empresas e movimentos
sociais em todo o planeta. Assim se descobriu que, surpreendentemente, o Brasil
era um dos principais alvos da Agência de Segurança Nacional dos EUA, que
coletava mais dados do Brasil, que da Rússia, China ou Alemanha! Os
norte-americanos alegaram que a vigilância era parte das medidas antiterrorismo.
Mas os documentos sobre o Brasil – e também de países como a Índia –
mostraram quadro completamente diferente. Em pouco tempo já não havia dúvidas
de que os principais alvos da espionagem pela Agência de Segurança Nacional dos
EUA no Brasil eram a Petrobrás e a presidenta Rousseff.
Revelações explosivas. Edward
Snowden na capa da revista Wired. Crédito:
Mike Mozart/Flickr CC 2.0
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A Agência
de Segurança Nacional dos EUA espionava os e-mails de
Rousseff, o telefone oficial da presidenta do Brasil e também seu telefone
celular particular, e tinha todos os e-mails, telefonemas,
mensagens e documentação oficial sobre a rede da Petrobrás. As relações
diplomáticas EUA-Brasil caíram até quase o congelamento total. Funcionários
brasileiros rapidamente declararam que a espionagem fora montada para promover
os interesses dos EUA no petróleo e no gás brasileiros.
Naquele momento, a Petrobrás aproximava-se do leilão de um de seus
maiores campos de petróleo, com várias empresas norte-americanas esperando
participar. Mas, depois que Rousseff deu as costas a Obama na reunião do G20 na
Rússia, e funcionários da Petrobrás acusaram os EUA de terem roubado
informações, o que lhes daria "posição de privilégio no leilão",
começaram a aparecer matérias negativas sobre a petroleira brasileira nos
veículos da mídia-empresa ocidental. No leilão, nenhuma empresa norte-americana
apresentou proposta. A previsão de Serra se confirmara.
Com segredos empresariais e informação comercial relevante sobre seu
patrimônio já arquivados nos computadores da Agência de Segurança Nacional dos
EUA, a Petrobrás estava paralisada. E a queda apenas começava.
Em março de 2014, Alberto Yousseff, escroque já condenado por lavagem de
dinheiro, que já estivera preso cinco vezes, pôs-se a cantar como canário, depois
de negociar uma "delação premiada" com advogados públicos em Curitiba,
capital do estado do Paraná, no sul do Brasil. Yousseff citou vários figurões
da política brasileira os quais, dizia ele, ter-se-iam beneficiado de suborno,
propinas e lavagem de dinheiro na Petrobrás. Desde então, o processo construído
em torno desse escândalo, chefiado pelo juiz Sergio Moro, só faz recolher
denúncias contra os maiores empresários brasileiros, executivos do petróleo e,
muito significativamente, contra toda a liderança do Partido dos
Trabalhadores.
Conhecido como "Operação Lava-Jato", o inquérito foi dirigido
como telenovela ou seriado de TV, com grandes nomes ou 'liberados' pela polícia
ou metidos no xilindró por Moro, em intervalos regulares.
Nesse mês, aconteceu o impensável. O mais popular líder político da
história do Brasil estava a um passo de ser preso, acusado de corrupção
relacionada à Petrobrás. Dia 3 de março de 2015, a Polícia Federal prendeu Lula
em sua residência, com um mandato de "prisão coercitiva" (que obriga
alguém a depor em algum caso criminal) e o manteve preso durante cinco horas no
escritório da Polícia Federal no Aeroporto doméstico de São Paulo.
Com Lula preso e depois libertado, a tensão subiu à estratosfera no
país, com um grupo de brasileiros – a classe mais rica, predominantemente
branca – festejando a ação da polícia; enquanto muitos outros protestavam conta
"o golpe". No dia em que Lula foi preso, o Brasil rachou
verticalmente, de alto abaixo.
História de golpes
O Brasil é país dividido já há algum tempo. Poucos no país reconhecem
que existam preconceitos e divisões por classe e por raça, mas são visíveis na
política diária e nos conflitos sociais no Brasil. Depois de anos de pressão,
as linhas começaram a virar rachaduras em junho de 2013, quando o Brasil se
preparava para realizar a Copa das Federações da FIFA. Milhares saíram às ruas
protestando contra o governo, alguns clamando pelo impeachment da
presidenta, outros 'exigindo' até uma intervenção militar. Ignorando a natureza
de classe e racista dos protestos, a mídia-empresa – local e internacional –
falou de "Primavera do Brasil" –, que seria um levante contra um
governo corrupto e impopular.
Narrativa similar foi repetida nos últimos dias, logo depois da prisão
de Lula. Mas muitos no governo já veem aí uma conspiração. "O que está
acontecendo no país é uma conspiração nacional e internacional para destruir o
Partido dos Trabalhadores, e para introduzir no Brasil um modelo econômico como
o modelo [neoliberal] argentino atual" – diz o veterano diplomata
brasileiro Samuel Guimarães a jornalistas, depois de Lula ter sido detido pela
polícia. – "Há um golpe em curso".
Getúlio Vargas em 1930. Credit: Wikimedia Commons
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O Brasil conhece
golpes
Como conhece também a interferência dos EUA nos assuntos do país (que
desconhecemos na Índia). No século 20, pelo menos três presidentes brasileiros
perderam o mandato – e um deles perdeu a vida – por seguir políticas que
favorecessem os mais pobres da população, para fúria das elites locais
brasileiras – e de Washington.
Em todos esses casos, a derrubada dos presidentes foi atribuída à
inflação alta, aos salários cada dia menos suficientes para garantir a vida do
trabalhador e à má gestão da economia. Nos golpes pelos quais o Brasil já
passou já um padrão histórico visível.
Getúlio Vargas, que criou a Petrobrás como empresa estatal e deu
direitos sociais aos brasileiros mais pobres, foi cassado pela elite do Rio de
Janeiro, que falava pelas páginas de uma mídia-empresa oligopolista, acusado de
corrupção que Getúlio jamais cometeu. Em 1954, pôs fim à humilhação obcecada e
a uma guerra que não conseguiria ganhar e suicidou-se com um tiro no coração.
Depois foi a vez de Jânio Quadros, eleito por margem recorde de vantagem
em eleição presidencial em 1961. No mesmo ano, Quadros convidou o
revolucionário nascido na Argentina, Ernesto "Che" Guevara para
visitar o Brasil e condecorou-o com a medalha da Ordem da Cruz do Sul. O
movimento alarmou a elite brasileira e os EUA, todos esses paranoicos com o
'perigo' de o comunismo alastrar-se pela América do Sul. Na sequência, Quadros,
'pistoleiro solitário', sem ideologia clara, cometeu erro ainda mais grave:
nacionalizou uma grande empresa mineradora. Em menos de um ano, o Congresso –
dominado pelo 'dinheiro velho', pela elite tradicionalista e por fiéis
seguidores obedientes de Washington – cassou todos os direitos de Jânio
Quadros. O presidente renunciou à presidência e deixou Brasília, por motivos
que até permanecem envoltos em mistério.
João Goulart em New York em 1962. Credit: Wikimedia Commons
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Depois de Quadros, veio João Goulart. Homem de centro, com ideias
progressistas, Goulart começou por implementar políticas de altos salários para
os trabalhadores, estimulou reformas no campo, votou direitos democráticos para
todos os brasileiros e promoveu medidas para reforçar a justiça social.
Com o governo do Brasil assumindo trilha levemente de esquerda, John F
Kennedy, presidente dos EUA que então ainda se restabelecia do fiasco de sua
malfadada aventura na Baía dos Porcos em Cuba, imediatamente começou a discutir
com assessores um modo de derrubar Goulart. Conforme se lê em papéis do Arquivo
de Segurança Nacional dos EUA, em março de 1963 Kennedy disse a auxiliares que
"Temos de fazer alguma coisa quanto ao Brasil".
Pouco depois, a mídia-empresa brasileira 'descobriu' que Goulart seria
comunista perigoso, e pôs-se a 'protestar' contra a inflação alta. Em 1964, por
tramas através da embaixada local dos EUA e membros da elite entreguista, o
Exército Brasileiro depôs Goulart para "salvar o país" das garras dos
comunistas. Até hoje, nos círculos das elites brasileiras, muitos ainda se
referem ao golpe de 1964 como "a revolução de 64".
O mundo sabe sobre os regimes da juntas militares brutais do Chile e
Argentina, mas tudo aquilo começou no Brasil – em 1964. Muitos países
sul-americanos foram devastados por décadas de ditaduras patrocinadas e
apoiadas pelos EUA. Nos anos 1990s, depois de superada a chamada Guerra Fria,
aqueles países puderam começar a recuperar a democracia perdida. E então,
numa virada irônica e duro golpe contra
a Doutrina Monroe, um país latino-americano depois do outro,
começando por Venezuela e Brasil, até Argentina, Uruguai e Chile — elegeram
governos populares de esquerda. A América do Sul deixara de ser quintal de
Washington. Nos últimos 15 anos aproximadamente, todos os países
latino-americanos viveram forte crescimento econômico, engajando-se um após o
outro com a China, para desenvolver relações comerciais, e fazendo daquele país
asiático o principal player na
região.
A segunda vez, como tragédia
Outra vez, a marcha acelerada da América do Sul rumo à esquerda disparou
todos os alarmes em Washington. E também deixou inquietas as elites locais. Depois
de 13 anos de governo do PT, durante os quais os brasileiros viveram sob
condições para eles desconhecidas até então, com apoio de enormes planos de
bem-estar social, a chamada 'elite' brasileira, alucinada de preocupação e de
medo de ter de partilhar direitos que considerava seus 'por direito', já nem
dorme de tão preocupada com a "bolivarização" do Brasil – uma
referência às políticas progressistas na Venezuela de Hugo Chávez. Em São
Paulo, capital financeira da América do Sul, as conversas do circuito dos coquetéis
giram em torno de o que fazer para impedir que o Brasil "vire uma
Venezuela". Manifestantes nas ruas repetem os mesmos slogans que aprendem
da televisão e dos jornais, e atacam qualquer pessoa que apareça vestido de
vermelho.
Há quem diga que a tragédia de 1964 está sendo reencenada. "Estamos
enfrentando uma estratégia de golpe de estado contra presidente eleito" –
disse o historiador Paulo Alves de Lima recentemente a Russia
Today. "Estamos à beira de uma contrarrevolução violenta,
rumo a democracia ainda mais estreita, que desabará sobre o Brasil carregada de
violência e arrogância institucionais (...)," – disse Lima ao jornalista
brasileiro Pepe Escobar, para quem a "mudança de regime" no
Brasil é ataque contra todo o grupo BRICS ("A luta é de vida ou morte, porque
Lula é BRICS").
Importantes intelectuais brasileiros, observadores políticos, ativistas
sociais, especialistas em direito e ações do Judiciário e gente próxima do
governo entendem que, diferente de 1964, quando o exército assumiu a frente do
movimento para derrubar governo eleito e legítimo, a atual 'contrarrevolução'
está sendo organizada e conduzido por partidos neoliberais em conluio com lobbies de
empresários locais, grupos de direita e mídia empresa – todos ajudados por
"Judiciário altamente politizado".
Aécio Neves. Credit George Gianni/Flickr CC 2.0
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À frente das acusações contra o governo Rousseff está o PSDB, que se
declara social democrata, mas é partido de direita que prega políticas
neoliberais e quer o fim do estado de bem-estar.
O PSDB, depois de derrotado em quatro eleições presidenciais – sempre
derrotado pelo PT –, vive hoje furiosa luta intestina entre seus próprios
líderes – porque todos querem ser presidente nacional do partido. O PSDB
farejou uma possibilidade de vitória nas eleições de 2014, quando pesquisas de
opinião projetavam que Rousseff estaria 'abalada' pelo escândalo da Petrobrás e
pelos protestos de rua. Em plena campanha eleitoral, depois que Eduardo Campos,
candidato popular do Partido Socialista do Brasil, morreu misteriosamente num
acidente de avião, Aécio Neves, candidato do PSDB, começou a delirar que já
estaria entronizado no palácio presidencial. A mídia ocidental projetava
Aécio como o homem que poderia salvar o
Brasil. Um banqueiro de Morgan Stanley chegou a comparar a ascensão
de Neves à do primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi.
As últimas dúvidas que Neves pudesse ter de que seria eleito
dissiparam-se completamente quando a revista Veja publicou matéria na véspera do
turno final de votação, em dezembro de 2014, segundo a qual Yousseff, escroque
lavador de dinheiro teria dito à polícia que Rousseff e Lula sempre souberam da
corrupção na Petrobrás.
Com Veja-com-tudo, Aécio perdeu a eleição. Mas menos depois
de um mês da posse de Rousseff para seu segundo mandato, em janeiro de 2015,
Neves já clamava pelo impeachment da presidenta – sempre
acenando com a matéria da revista Veja como "prova"
da cumplicidade de Dilma.
Aquela matéria, publicada sem consulta e sem resposta de Lula e
Rousseff, era apenas mais uma, dentre várias muito semelhantes. O julgamento da
"Operação Lava-Jato" esteve tão frequentemente na mídia, quanto nas
cortes de julgamento, sempre servido por vazamentos regulares, de acusações
feitas por um ou outro suspeito interrogado e interessado nos benefícios da
delação premiada.
O juiz de Curitiba, que se declara inspirado pela Operação Mani Pulite na
Itália, tornou-se personagem cult para a classe
média brasileira, citado incansavelmente, com fotos sempre reproduzidas em
jornais e revistas praticamente todos os dias. Mas Moro, o juiz também tem sido
criticado por manter prisioneiros indevidamente, sem fiança, e pelo uso
indevido que tem dado à chamada "delação premiada" para construir
casos contra outras pessoas. Até o The Sunday Times de
Londres publicou artigo recentemente sobre o juiz Moro, questionando o modo
como conduz o caso.
O complexo midiático-judicial
Moro não parecia dar sinais de se
incomodar com as críticas quando mandou a Polícia prender Lula. Apesar de o
nome de Lula aparecer em vários artigos dedicados a associá-lo aos escândalos, até
agora não há nem fiapo de prova contra Lula – nem nas cortes oficiais nem na
mídia-empresa. Além do mais, o ex-presidente nunca se recusou a cooperar com as
investigações. Por isso, quando Lula foi detido por mandato de prisão
coercitiva, muitos entenderam que o juiz ultrapassara os limites de suas
atribuições legais. Um juiz da Suprema Corte do Brasil, Marco Aurélio Mello,
criticou publicamente Moro porque "só se aplicaria a coerção se Lula
tivesse sido intimado e se recusasse a testemunhar – o que absolutamente não
aconteceu."
Apesar das duras táticas de Moro, a detenção de Lula não saiu conforme o
roteiro. Logo que a notícia começou a circular em São Paulo, começaram as
brigas entre grupos rivais, na calçada em frente ao prédio onde Lula mora.
Depois o PT distribuiu mensagem por Twitter, dizendo que Lula era
"prisioneiro político". Com as mídias sociais já fumegando com
notícias sobre o "sequestro" de Lula pela Polícia, centenas de
pessoas saíram às ruas, aos gritos de "Não permitiremos o golpe!" Com
notícias de multidões que se reuniam também em outras cidades, Lula foi
autorizado a voltar para casa. Foi da prisão diretamente para a sede do Partido
dos Trabalhadores, onde falou a muitos ativistas e estudantes. "Mereço
mais respeito, nesse país" – disse Lula, com ar cansado, mas resoluto. À
noite, Lula disse, numa reunião de sindicatos, que, sim, concorrerá à
presidência em 2018. "Tinha esperanças de que vocês escolhessem outro nome
para 2018, mas cutucaram o monstro. Agora, ofereço meu nome a vocês, como
candidato" – disse Lula a uma praça lotada de sindicalistas, que gritavam
o nome dele, no centro de São Paulo.
Até os mais dedicados petistas, seguidores do PT e de Lula, entendem que
o PT é em parte responsável pelo que está acontecendo no Brasil hoje. O
envolvimento de líderes do partido em corrupção feriu a imagem de todos entre
os próprios petistas. Além disso, o núcleo sindicalista do PT, dos movimentos
sociais, de ativistas e ideólogos de esquerda já se haviam afastado do PT,
quando Rousseff começou a mover o governo para o centro e cortou laços com
aqueles grupos. Nesse cenário, a prisão de Lula deveria ter sido uma sentença de
morte para o PT. Na mídia-empresa – local e global – o que se lia é que Lula
estaria "isolado" e "acabado". Na vida real a situação era
diferente, com milhões de apoiadores reunidos em torno do ex-presidente.
Mas outras reviravoltas estavam por vir
Dia 11 de março de 2015, Rousseff ofereceu a Lula um lugar de ministro
do governo. Depois de muita discussão e adiamentos, Lula aceitou ser Ministro
da Casa Civil de Dilma (posto equivalente ao de primeiro-ministro). O movimento
era visto pelos petistas como necessário para salvar o governo do
"golpe" que o ameaçava; e a oposição pôs-se a dizer que a nomeação
não passaria de manobra para impedi-lo de ser preso no escândalo que se
desenvolvia. Dia seguinte, Moro distribuiu fita de uma conversa telefônica
entre Lula e Dilma. Na gravação, discutiam-se a inclusão de Lula no ministério.
Reproduzida em horário nobre pela TV Globo, a gravação foi 'interpretada' como
uma tentativa de Lula e Dilma burlarem a lei – porque ministros só podem ser
julgados pela Suprema Corte. Como se uma fita gravada, sem qualquer
autenticação formal, valesse como 'prova' de alguma coisa, os jornalistas e
âncoras da Globo passaram a conclamar o povo a sair às ruas contra Lula e
Rousseff.
Lula com sindicalistas,
estudantes e o povo dos movimentos sociais,
na 6ª-feira, depois de ter passado algumas horas detido, interrogado sobre um
escândalo de corrupção Crédito: Ricardo Stuckert
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A gravação feita sem autorização no telefone de Rousseff pela Polícia
Federal, quando a presidenta falava com um ex-presidente, disparou
imediatamente uma comparação com a vigilância que a Agência de Segurança
Nacional dos EUA exerce sobre os cidadãos norte-americanos. Furiosos com a
ação, vários renomados especialistas judiciais contestaram a decisão de Moro,
de gravar conversa privada e, na sequência, vazar a mesma conversa para os
jornais, antes mesmo de usá-la como prova no processo. Moro justificou o que
fizera, comparando o caso Lula com o caso do ex-presidente dos EUA Richard
Nixon e o escândalo de Watergate.
O clip de 30 segundos, que já não terá qualquer serventia judicial,
serviu como munição para que a oposição 'exigisse' a prisão de Lula e
apressasse o processo de impeachment de Rousseff. Mesmo depois de o juiz Mello
da Suprema Corte ter declarado "um crime" a ação de Moro, de instalar
escuta ilegal no telefonema da presidenta, a gravação vazou e a rede Globo
pôs-se a repetir manchetes histéricas, o que levou ao resultado planejado pelos
golpistas: a nomeação de Lula para a Casa Civil do governo Rousseff foi
bloqueada e novamente houve protestos contra o governo.
Dois Brasis, duas narrativas
Um dia depois de a conversa gravada ilegalmente vazar, cerca de 1,5
milhão de pessoas, a maioria das quais vestindo a camisa amarela da seleção de
futebol do Brasil e acenando com bandeiras do Brasil, saíram às ruas em todo o
país. Com fotógrafos ágeis para exibir aquele mar de verde amarelo, pendurados
em helicópteros que sobrevoavam a Avenida Paulista, em São Paulo, onde havia
400 mil pessoas no maior protesto antigoverno da cidade, dia seguinte também
todos os jornais estavam vestidos de verde e amarelo e em 'clima' de protesto
suposto cívico e suposto 'ético'. Como se todo o país estivesse realmente querendo
a cabeça do PT. A narrativa do "levante popular contra governo corrupto e
ineficiente" estava de volta às páginas e telas da mídia-empresa
internacional.
A verdade é um pouquinho mais complicada. Embora vestindo as cores
nacionais do Brasil, aqueles manifestantes antigoverno nada tem de nacionais ou
nacionalistas. Pesquisa da Datafolha sobre os participantes daquele 'protesto'
revelou que 80% deles são brancos, 77% tem curso superior completo e 75%
incluem-se em grupo de mais alta renda. Num país onde apenas 50% da população é
branca, 11% têm curso superior e menos de 6% inscrevem-se nos grupos de mais
alta renda, não é difícil ver que aqueles manifestantes pertencem à camada mais
elitista da população: rica, branca e conservadora.
A elite brasileira jamais se deu bem com o governo de esquerda do PT. O
candidato preferido daquela elite, o PSDB, foi repetidas vezes derrotado em
eleições. Sob governo do PT, mais de 40 milhões de pessoas superaram a pobreza
e ascenderam à classe média. Foi o período mais forte de crescimento inclusivo,
em país notório pela desigualdade. Mudanças sociais de vários tipos aconteceram
no Brasil. Com leis que garantiam salários mínimos e aposentadorias decentes, a
classe média deixou de poder explorar livremente o serviço de empregados e
motoristas domésticos. Com quotas no acesso à educação, estudantes negros
conseguiram entrar em universidades públicas e no mercado de trabalho
profissional em números jamais vistos antes. E com melhor renda, os pobres
podem afinal viajar de avião, comprar em shopping-centers e
construir casas em bairros de classe média – e de população branca. No governo
do PT, a ordem social estabelecida foi perturbada.
Uma beneficiária do programa
Bolsa Família. Crédito: Ana
Nascimento/Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome/Flickr CC
2.0
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Poucos países viram tal mudança social em tão pouco tempo. Assim como os
mais ricos explodiram em fúria nos tempos de mudança nos governosVargas e Goulart, dessa vez as classes brasileiras privilegiadas estão
indignadas, furiosas contra o PT por 'pôr dinheiro' diretamente na mão dos
pobres no programa Bolsa Família (que inspirou o programa MNREGA na
Índia). Em seus discursos, Lula frequentemente critica a elite brasileira por
não aceitar o avanço da sociedade e por não querer qualquer melhoria na vida
dos brasileiros mais pobres. Muitos no PT creem que a crise brasileira foi
fabricada pela elite para fazer fracassar o governo popular e devolver o poder
político às velhas elites de sempre.
"Os primeiros protestos contra Dilma aconteceram em 2013, quando
nos preparávamos para a Copa das Confederações da FIFA. Naquele momento, o
desemprego estava no ponto mais baixo de toda a história, de um só dígito; os
salários subiam e Dilma tinha 70% de aprovação dos eleitores. E lá estavam
aqueles ricos, pedindo 'mudanças'?! Não fazia sentido. Mas já era o início de
uma operação 'colorida' de mudança de regime no Brasil" – diz um membro do
PT que pediu para não ser identificado. – "Foi tudo organizado e promovido
pelas mídias sociais. Foi como uma grande operação de inteligência", diz
ele.
Embora não haja qualquer prova de que os protestos contra o governo
legítimo de Dilma em 2013 tenham sido organizados do exterior, aquela gente
era, sem dúvida possível, representantes da elite mais minoritária. Desde 2013,
todos os protestos contra o governo aconteceram em áreas de classe média
afluente, bem longe dos bairros onde vivem as grandes maiorias mais pobres da
população. A mídia-empresa não fez outra coisa que não fosse 'informar' que as
manifestações mostravam a ira dos 'brasileiros comuns'.
As mídia-empresas no Brasil constituem uma oligarquia: são controladas
por oligarcas. Com o Brasil já chamado certa vez, em documento dos Repórteres
Sem Fronteiras, de "País dos 30 Berlusconis", sempre
houve guerra aberta entre o governo de esquerda e as mídia-empresas desde o
início do primeiro mandato de Lula em 2003. Nos anos de Rousseff, a guerra
ficou ainda mais suja.
O massacre dos governos do PT sempre foi comandado pelo grupo O Globo,
que controla dúzias de jornais, revistas, canais de TV e websites.
O conglomerado, que se aproxima muito de ter o monopólio de tudo que se noticia
no país, do entretenimento, do futebol e do carnaval, sempre foi,
historicamente, anti-PT. O mesmo grupo apoiou ativamente também o golpe de
1964. Durante os 21 anos da ditadura militar, o grupo acumulou enormes lucros.
Mas o tom beligerante da Globo não foi bem acolhido pelos brasileiros
mais pobres e de classe média – e várias vezes já se falou de boicote contra a
emissora e seus veículos. Um dia depois que a televisão exibiu a gravação com
as vozes de Lula-Rousseff, o famoso ator brasileiro, estrela da série Narcos da
Netflix, postou um vídeo em sua página de Facebook, em que expressava
preocupação com o "circo midiático" e a "agenda política"
do Judiciário. "Se se olha para trás, é a mesma mídia que esteve
profundamente envolvida no golpe de 64" – dizia Moura naquele vídeo.
As empresas de mídia têm enorme poder no país, mas raramente usam esse
poder para questionar o Judiciário. Todos os vazamentos seletivos de Moro e da
Polícia Federal foram obedientemente publicados. Não houve nunca qualquer
acusação séria de corrupção contra líderes do PSDB, incluindo Aécio Neves e o
presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que liderava o processo de impeachment contra
Rousseff. Mas a mídia não se deu o trabalho de levantar qualquer questão óbvia
sobre a ação desses líderes. Muitos dos mais respeitados intelectuais
brasileiros veem aí um problema ainda maior. Nas palavras de Jesse de Souza,
sociólogo autor de vários livros, o Judiciário assumir a posição de "força
superior moderadora", acima da política, a mesma posição que já foi dos
militares golpistas e, antes deles, da monarquia. "E a mídia tornou isso
possível" – escreveu de Souza em artigo recente.
Para comentaristas de esquerda, o país enfrenta um "golpe",
"a mídia-empresa e Judiciário trabalham juntos. Miguel de Rosário, editor de O
Cafezinho,website da mídia alternativa de esquerda,
vê hoje conspiração ainda maior do que houve em 1964. "Similar a 1964, o
golpe atual é apoiado pela maior empresa brasileira de mídia, Globo. Diferente
de 1964, o golpe hoje em curso é resultado da ação de um Judiciário
ideologicamente militante, e que tem três propósitos: derrubar um governo
democraticamente eleito; impedir que o ex-presidente Lula candidate-se à
eleição de 2018; e, para culminar, pôr na ilegalidade o Partido dos
Trabalhadores" – escreveu Miguel em artigo recente.
Pode soar alarmante, mas, observa-se o modo como as coisas se desenrolam
no Brasil, há medo no ar: medo pelo futuro da democracia e do Estado de Direita
no Brasil.
Central Única dos Trabalhadores,
CUT, a maior central sindical do
Brasil, organizou massiva demonstração de força dia 18 de março, Avenida
Paulista, indicação de que a política brasileira agora se disputará nas ruas.
Crédito: Ricardo Stuckert
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Foi verdadeiro show da diversidade da população
brasileira. A noite pegou fogo quando Lula, vestindo uma camisa vermelha,
chegou à Avenida e discursou durante 20 minutos, de pé sobre um ônibus que
atravessava a avenida. "Não vai ter golpe" – Lula gritou, e milhares
de vozes gritaram com ele. "Democracia tem a ver com garantir voz ao povo,
com garantir voz à maioria" – disse Lula, na atmosfera eletrizada daquela
noite.
A detenção de Lula renovou as energias da esquerda brasileira. Desde
2013, as ruas estavam dominadas pela direita. Agora, com a esquerda em processo
de reagrupamento, muitos temem pelo pior: violência e conflito social.
A partida se encaminha para as jogadas finais
É possível que os brasileiros comuns se preparem para batalhas de rua,
mas o verdadeiro jogo é jogado em Brasília, capital do país. Um juiz da Suprema
Corte, Gilmar Mendes, impediu que Lula fosse nomeado ministro. Cunha andou de
mãos dadas com o PSDB para acelerar o impeachment de Rousseff.
Michel Temer, o vice-presidente, discutiu abertamente com José Serra (eleito
senador por São Paulo) a formação do governo pós-Rousseff. Os boatos quando o
processo de impeachment foi concluído em fins de abril [a
presidenta Dilma Rousseff foi derrubada dia 31 de agosto de 2016, por golpe
parlamentar encenado no Congresso e Temer, que apareceu com destaque em inúmeros
casos de corrupção, assumiu a presidência do Brasil.
O Brasil ficou à beira do abismo. Um ex-presidente que transformou o
país pode ser preso. A atual presidenta, contra a qual não há nem acusações de
corrupção sofreu impeachment.
E tudo isso num ano em que o país recebeu os Jogos Olímpicos. Mas, por mais que
alguns se preocuparam com a possibilidade de que a crise agredisse as
instituições, refiram-se à crise como uma ameaça à democracia,
a elite brasileira não dá qualquer sinal de preocupação. Indicação clara do que
está fermentando em Brasília. Ilimar Franco, conhecido repórter fotográfico,
publicou foto de um almoço dia
16 de março de 2016, um dia antes da sentença que impediu Lula de assumir um
ministério no governo Dilma. Na foto, veem-se Mendes, autor da sentença contra
Lula, em almoço com José Serra e Armínio
Fraga, ex-gerente do fundo Quantum de George Soros, mega especulador
de Wall Street. A foto viralizou nas mídias sociais, com muitos se perguntando
o que estaria em discussão ali naquele momento, entre o juiz da Suprema Corte
que condenara Lula, o político que é personagem frequente de eventos narrados
nos telegramas que WikiLeaks divulgou da Embaixada dos EUA em Brasília e no
consulado dos EUA no Rio de Janeiro e em São Paulo, e um conhecido gerente de
fundos que representa os interesses de corporações financeiras
norte-americanas.
Mas com Serra, considerado 'mestre de estratégia política' (sic), no
centro da ação, depois da humilhante derrota que sofreu em 2010, quando Dilma
foi eleita, as próximas semanas foram cruciais para o Brasil, o PT e a
Petrobrás. Em Brasília, falou-se de "batalha de vida ou morte", com
alianças políticas de um lado e de outro na luta para arregimentar votos a
favor e contra o impeachment de Dilma. Dilma e Lula lutaram pela própria
sobrevivência política e pela democracia brasileira, mas lobbyists já
trabalhavam duro para quebrar o monopólio da Petrobrás (José Serra e Senado
brasileiro), sobre o petróleo do Brasil.
Enquanto prosseguem as disputas mais ferozes nos tribunais e nas ruas,
o Senado do Brasil aprovou uma lei que
"cancela a exigência de que a Petrobrás permaneça como operadora com pelo
menos 30% das ações de todos os campos de petróleo do pré-sal", onde José
Serra e senadores oportunistas conseguiram o que queriam naquele momento.
O projeto de lei redigido por José Serra foi aprovado, pondo fim ao controle
que a Petrobrás ainda tinha sobre os campos de petróleo do Brasil [a lei foi
aprovada nas duas casas e assinada por Temer dia 29/11/2016. O senador Roberto
Requião, do Paraná, e alguns outros senadores fizeram ativa oposição, mas a lei
passou por diferença muito pequena de votos no Senado. Surpreso com a rapidez
jamais vista para privatizar os negócios de petróleo, Requião disse que "o
processo está sendo feito 'na correria', sem passar pelas comissões, com lobbyistas circulando
sem descanso pelos gabinetes dos senadores, falando em nome de multinacionais
do petróleo como Shell e British Petroleum". Mas diante desse lobby massivo
das empresas de petróleo, a oposição do senador Requião não bastou para
derrubar o projeto de lei que pôs fim ao monopólio da Petrobrás. "Será que
o Brasil perdeu a maioria no Senado p/as transnacionais do petróleo? Espero que
não" – tuitou o veterano senador depois da votação. (...) Mas o fato é que
todo o drama que os brasileiros vivem, a detenção de Lula, o impeachment de
Dilma e a caça ao PT resumem-se à luta pelo petróleo do Brasil
Como desenvolvimento 'natural' no mundo
do Big Oil, The Economist voltou a pôr o Brasil na capa essa
semana. "Hora de sair" – diz a revista, sobre foto de
Rousseff. Repetindo a mesma velha conversa de "má gestão da
economia", a revista exigiu a deposição da governante que recebeu mandato
incontestável numa eleição livre e justa.
A mídia e a elite brasileira seguem obedientemente o mesmo script. Como
antes os presidentes Vargas, Quadros e Goulart, como Dilma Rousseff foi tirada
do governo, as petroleiras estrangeiras venceram. E o Brasil terá mais uma vez
sido derrotado pelo mesmo golpe com origem nos EUA.
* Shobhan Saxena é
jornalista indiano especialista em questões da América Latina. Trabalha em São
Paulo, Brasil.
http://blogdoalok.blogspot.com.br/2017/07/golpe-trama-para-instabilizar-rousseff.html
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