Para Vitor Marchetti, da
Universidade Federal do ABC, disputa presidencial será teste para saber se
"o centro político dissolveu ou não" pós-golpe, com predomínio da
polarização no embate eleitoral
JUCA VARELLA/AGÊNCIA BRASIL
Marchetti: 'Jogo está pulverizado. Terá muita novidade de nomes que não esperávamos, mas vão aparecer'
Existe uma massa significativa dos eleitores
que é silenciosa, que se posiciona apenas em momentos específicos, e essa zona
mais cinzenta, não dá para saber seu tamanho
A falta de capacidade dos partidos de coordenarem o jogo político
tornará o cenário das eleições de 2018 igual ao de 1989, ou seja, bastante
fragmentado. Essa é a avaliação do cientista político e professor da
Universidade Federal do ABC (UFABC), Vitor Marchetti. "Um candidato
que receba 25% ou 30% de votos pode ter muitas chances de disputar segundo
turno", afirma, em entrevista aos jornalistas Marilu Cabañas e Glauco
Faria à Rádio
Brasil Atual, em 10/11/2017.
O especialista também avaliou a disputa que acontece no PSDB. O
senador Aécio Neves (MG) destituiu o também senador Tasso
Jereissati (CE)da presidência do partido em 9/11/2017. "Essas disputas no
PSDB parecem uma questão de sobrevivência do partido para 2018, porque há o
risco de a legenda ter iniciado todo o processo do golpe parlamentar e não
conseguir capitalizar eleitoralmente isso", avalia. Leia a entrevista:
O senador Aécio Neves (MG) destituiu Tasso Jereissati
(CE) da presidência do PSDB, causando uma cisão entre tucanos, não?
Isso tem
sido encarado por alguns membros do partido como uma intervenção do
governo no PSDB. Na realidade, a gente tem assistido entrevistas, Fernando
Henrique escreveu um artigo, mostrando que há um debate dentro do partido
para decidir se desembarca ou não do governo, como sobreviver eleitoralmente...
e precisamos lembrar que no final do ano haverá eleição dentro da legenda.
O contexto do PSDB é de
disputas internas bastante internas. Em São
Paulo, vemos isso com proximidade nos conflitos entre João Doria, Geraldo
Alckmin, José Serra, que por vezes dá as caras na disputa... Se por um
lado há a agenda liberal das reformas, que eles sempre defenderam,
como a da Previdência, destituição de direitos trabalhistas, por
outro sabem que estão abraçados a um governo com rejeição altíssima,
comprometido com escândalos de corrupção.
São
disputas dentro do contexto de sobrevivência do partido no ano que vem. O
risco é que o PSDB tenha iniciado todo o processo do golpe
parlamentar contra a presidenta Dilma e não consiga capitalizar
eleitoralmente isso em 2018. Assumiu todo protagonismo, logo no primeiro dia
depois das eleições começou a questionar os resultados eleitorais, foi
protagonista nesse processo de golpe parlamentar e o grande temor desses atores
é não conseguir capitalizar lá na frente.
Sobre as pré-candidaturas. Manuella D’Ávila anunciou sua candidatura
pelo PCdoB, que fazia a dobradinha com o PT tradicionalmente. Como você avalia
a situação?
Esse tema foi quente no debate e produziu
divisões no campo da esquerda. Acho que o cenário de 2018 já
está configurado como muito parecido com o de 1989, ou seja, os
partidos perderam a capacidade de coordenar o jogo político. Isso significa que
no ano que vem teremos um número grande de candidatos à presidência da
República.
O jogo
está pulverizado e coloca um cenário em que um candidato que tenha 25%, 30% de
intenções de voto tenha muitas chances de ir para o segundo turno nas
eleições presidenciais.
No campo da esquerda, eu vejo uma
tentativa de reunir o campo em volta
de Lula. Qual é o problema dessa estratégia, na minha opinião? A
candidatura de Lula é a única capaz de oferecer uma liderança nacional, seja de
esquerda ou de direita. O grande risco da esquerda se reunir em torno de uma
única liderança e a direita se fragmentar é que teremos um cenário
de incerteza e instabilidade em relação ao petista. Está claro que a
candidatura dele não chegará em 2018 com tranquilidade legal e
institucional, ainda há muitos movimentos que serão feitos para
inviabilizá-lo.
Há outro
elemento, por mais que a candidatura de Lula possa reunir o campo da esquerda
também temos que lidar com a rejeição ao nome dele. Podemos até
discutir como essa rejeição foi construída, as imagens da grande imprensa,
mas é um fato com o qual temos que lidar. Esse movimento do PCdoB reflete um diagnóstico
de que talvez a esquerda tenha que oferecer um leque maior de opções na disputa
eleitoral.
No campo da direita, tem Bolsonaro, Doria, Alckmin, vários
partidos como o Novo, a Rede, e até a figura do
Luciano Huck aparece como uma candidatura para
dialogar com o centro político do país. Haverá muita novidade em
torno de nomes que não esperávamos como candidatos e em um ambiente
de ultra fragmentação um número menor de votos pode ser capaz de
impulsionar uma candidatura.
Na campanha de 2006, no segundo turno, Geraldo Alckmin enfrentou
Lula e teve que se vestir com um macacão com logos de empresas estatais. Comparando
com hoje, parece que esses candidatos da direita e centro-direita não estão
mais tão preocupados com isso, pelo contrário, 'namoram' o mercado de forma
mais explícita. O neoliberalismo está mais vigoroso?
Em 2006, o
Alckmin conseguiu a façanha de ter menos votos no segundo turno do que no
primeiro. Isso mostra as dificuldades que ele tinha para uma articulação
nacional. A gente tem que lembrar que essa agenda liberal não chegou ao governo
por meio do voto. Essas destituições dos direitos chegaram por meio de um
golpe.
Olhando as
posturas do Alckmin, que acho ser o ator político que tem mais bagagem na
disputa eleitoral no campo da direita, ele titubeia ao fazer a defesa radical
dessa agenda. às vezes, critica o governo, agora, vai em cima da agenda da corrupção
moral. Ele tem uma sensibilidade para entender que a agenda liberal não chegou
no governo por meio do voto, portanto, apostar as fichas que ela vai dar o tom
nas próximas eleições é arriscado.
Alckmin já até criticou a reforma da Previdência, fazendo esse
aceno para além da direita. Porém, tem o teto
de gastos que ele quer impor no estado de São Paulo, que tem
um cunho liberal forte. A postura discursiva difere da prática...
A agenda liberal é
parte da agenda do PSDB, os projetos de privatização do
país mostram isso e entraram com mais força nos governos tucanos. Quero dizer
que quando um ator que está dentro de um partido que carrega a agenda liberal
tem de alguma maneira que disfarçar o apoio a essa agenda, em 2018, parece que
o movimento não vai ser tão forte como em 2006, mas ele vai precisar, de alguma
forma, escamotear, dialogar com o eleitor que sabe que essa agenda liberal
produz consequências graves para o emprego, a capacidade de compra, as
políticas públicas de assistência. Então, esse é o dilema que permanece. A
agenda liberal está colocada para o país, mas não se sabe o tamanho da adesão
da população.
A
principal liderança política, maturada e histórica, para 2018 é Lula, mas
depois dele, a única pessoa que entende o jogo e o faz de forma peculiar é o
Alckmin. Veja o que ele fez com o (João) Doria, ele não entrou em bola
dividida, deu corda para que o prefeito se enforcasse nela própria. Há dados
que mostram que a imagem do Doria, de gestor eficiente, começa a naufragar.
Eu me lembro de uma reportagem da Revista Piauí sobre
o perfil do Geraldo Alckmin que tem uma cena
que é simbólica: enquanto os tucanos Tasso, Fernando
Henrique, Aécio, decidiam os rumos do partido em um restaurante dos mais caros
em São Paulo, ele estava se reunindo em restaurante de beira de estrada com
prefeitos de cidades pequenas e médias do interior de São Paulo. Ele tem um
jeito de fazer política de um modo muito perspicaz, no sentido inclusive de
fazer o discurso que vai cair melhor para o eleitor, mesmo sendo um engodo.
Em um cenário parecido com o de hoje, em 1989, Lula passou para o
segundo turno contra Collor. Mario Covas, que tinha um discurso mais ao centro,
em certa medida parecido com o de Alckmin, ficou atrás de candidatos com
discursos mais radicais. O tucano não corre esse risco, de ficar fora do
segundo turno ao tentar se alinhar ao centro de forma dúbia?
A gente na
realidade está testando no país se o centro político dissolveu ou não. Nós que
lidamos com a política, o noticiário mais cotidianamente, vivemos numa lógica
de polarização, que é o que dá o tom das coisas. Mas existe uma massa
significativa dos eleitores que é silenciosa, que se posiciona apenas em
momentos específicos. E essa zona mais cinzenta, não dá para saber seu tamanho.
Se o
centro derreteu, teremos um segundo turno polarizado, igual em 1989, e as chances
de acontecer algo parecido com Lula e Bolsonaro aumentam. Porém, se esse centro
não derreteu, uma candidatura como a de Alckmin ou até de Luciano Huck, para
dialogar com esse centro, ganha maior alcance.
http://www.redebrasilatual.com.br/politica/2017/11/cenario-das-eleicoes-de-2018-sera-parecido-com-1989-diz-professor
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