por Leonardo Boff
para 24/7 – Sociedade e Barbáries do Golpe 2016 no Brasil
"A pequenês de espírito de
nossos juizes da Lava Jato e a negação de um direito assegurado a um
Prêmio Nobel da Paz de visitar um seu amigo encarcerado, no espírito de pura
humanidade e de calorosa solidariedade envergonha nosso país, apenas comprova
que efetivamente estamos sob a lógica negadora de democracia num
regime de exceção", diz o teólogo Leonardo Boff, que foi impedido pela
juíza Catarina Lebbos de visitar o ex-presidente Lula; "Mas o Brasil é
maior que sua crise. Purificados, sairemos melhores e orgulhosos de nossa
resistência, de nossa indignação e da coragem de resgatar a partir das ruas e
pelas eleições um Estado de direito"
Há uma
cena de grande dramaticidade no evangelho se São Mateus quando se trata do
Juizo Final”, quer dizer, quando se revela o destino último de cada ser humano.
O Juiz Supremo não perguntará a que Igreja ou religião alguém pertenceu, se
aceitou os seus dogmas, quantas vezes frequentou os ritos sagrados.
Esse Juiz
se voltará aos bons e dirá: ”Vinde, benditos de meu Pai, tomai posse do reino
preparado para vós desde a criação do mundo; porque tive fome e de me destes de
comer, tive sede e me destes de beber, fui peregrino e me acolhestes, estive nu
e me vestistes, doente e me visitastes, estava preso e viestes me ver…
todas as vezes que fizestes a um destes meus irmãos e irmãs menores, foi a mim
que o fizestes…e quando deixastes de fazer a um desses pequeninos, foi
a mim que não o fizestes(Evangelho de S.Mateus,25, 35-45).”
Neste
momento supremo, são as práticas e não as prédicas para com os sofedores deste
mundo que contarão. Se os tivermos atendido, ouviremos aquelas palavras
benditas.
Esta
experiência foi vivida pelo Prêmio Nobel da Paz de 1980, o argentino
Adolfo Perez Esquivel (1931) arquiteto e renomado escultor, grande ativista dos
direitos humanos e da cultura da paz, além de ser profundamente religioso e por
mim. Ele solicitara às autoridades judiciais brasileiras a permissão
de visitar no cárcere o ex-Presidente Lula, amigo de muitos anos.
Da
Argentina Esquivel me telefonou e no twitter foi resumida a
conversação numa espécie de yotube. Iríamos juntos, pois eu havia recebido
também o assim chamado Nobel Alternativo da Paz em 2001(Award The Right
Livelihood) do Parlamento sueco. Mas lhe adiantei que minha visita era para
cumprir o preceito evagélico o de “visitar quem está encarcerado” além de
abraçar o amigo de mais de 30 anos. Queria reforçar-lhe a
traquilidade da alma que sempre manteve. Confessou-me pouco antes de
ser preso: minha alma está serena porque ela não me acusa de nada e
me sinto portador da verdade que possui uma força própria e que
no seu devido tempo se manifestará.
Chegamos
em Curitiba Esquivel e eu, em horários diferentes, no dia 18 de abril. Fomos
diretamente ao grande auditório da Universidade Federal do Paraná repleta de
gente, para um debate sobre democracia, direitos humanos e a
crise brasileira que culminou com a prisão de Lula. Lá estavam autoridades
universitárias, o ex-ministro das relações exteriores Celso
Amorim, representantes da Argentina, do Chile, do Paraguay, da Suécia e de
outros países. Alternadamente cantaram-se belíssimas músicas latino-americanas
especialmente com a voz sonora da atriz e cantora Letícia Sabatella.
Afrodescentes daçaram e cantaram com suas roupas belamente coloridas.
Fizeram-se
vários pronunciamentos. O desalento geral, como por um passe de mágica, deu
lugar a uma aura de benquerença e de esperança de que o golpe parlamentar,
judídico e mediatico não poderia desenhar nenhum futuro para o Brasil. Antes,
encerar-se-ia um ciclo de dominação das elites do atraso para abrir caminho
para uma democracia que vem de baixo, participativa e sustentável.
Já antes
da sessão foi-nos comunicado que a juíza Catarina Moura Lebbos, braço direito
do juiz Sérgio Moro, havia proibido a visita que queríamos fazer ao
ex-presidente Lula.
Essa
juíza não deu-se conta do alto significado de que é portador um
Prêmio Nobel da Paz. Ele tem o privilégio de correr o mundo, visitar
prisões e lugares de conflito no sentido de promover o diálogo e a paz.
Agarramo-nos ao documento da ONU de 2015 que se convencionou chamar
de “Regras de Mandela” que trata de Prevenção ao Crime e
a Justiça Criminal. Aí se aborda também a parte da visita aos encarcerados. O
Brasil foi um dos mais ativos na formulação destas Regras de Mandela, embora
não as observe em seu território.
Mas de
nada nos valeu. A juiza Lebbos simplesmente negou, No dia seguinte, dia 19 de
abril, chegamos ao acampamento, onde centenas de pessoas fazem vigília
junto ao Departamento da Justiça Federal, onde Lula está preso.
Gritam-lhe “Bom dia, Lula”, “Lula livre” e outras palavras de ânimo e esperança
que ele em seu cárcere pode escutar perfeitamente.
Policiais
estavam por todo os lados. Tentamos falar com o chefe para podermos ter uma
audiênicia com o Superindente da Polícia Federal.
Sempre
vinha a resposta: não pode, são ordens de cima. Após muito insistir, com
chamadas de telefone indo e vindo, Perez Esquivel conseguiu uma audiência com o
Superintendente. Explicou-lhe os motivos da visita, humanitária e fraterna a um
velho e querido amigo. Por mais que Perez Esquivel argumentasse e fizesse valer
seu título de Prêmio Nobel da Paz, mundialmente reconhecido e
respeitado, ouvia sempre o mesmo ritornello: Não pode. São ordens de
cima.
E assim,
cabisbaixos, retornamos para o meio do povo. Eu pessoalmente insistia que minha
visita era meramente espiritual. Iria levar-lhe dois livros ”O Senhor é meu
pastor e nada me falta”,um comentário minucioso que realmente alimenta a
confiança. O outro de nosso melhor exegeta Carlos Mesters “A missão do povo
que sofre” descrevendo o desamparo do povo hebreu no
exílio babilônico, como era consolado pelos profetas Isaias e
Jeremias e como a partir daí se fortaleceu o sentido de seu sofrimento e sua
esperança.
No
Departamento da Polícia Federal tudo era proibido. Sequer um bilhete era
permitido para ser enviado ao ex-Presidente Lula.
No meio
do povo, falaram vários representantes dos grupos, especialmente um casal da
Suécia que sustenta a candidatura de Lula ao Prêmio Nobel da Paz. Falei eu e
Perez Esquivel, reforçando a esperança que finalmente é aquela energia
ponderosa que sustenta os que lutam pela justiça e por um outro tipo de democracia.
Ele anunciou que lançara a campanha mundial para Lula como candidato ao Prêmio
Nobel da Paz. Há já milhares de subscrições em todo o mundo. Lula preenche
todos os requisitos para isso, especialmente as políticas sociais que tiraram
milhões da fome e da miséria e seu empenho pela justiça social, base da paz.
Muitas
foram as entrevistas aos meios de comunicação nacionais e internacionais.
Algumas fotos do evento começaram girar pelo mundo e vinha a solidariedade de
muitos países e grupos.
Aí nos
demos conta de que efetivamente vivemos sob um regime de exceção na forma de um
golpe brando que sequestra a liberdade e nega direitos humanos fundamentais.
A
pequenês de espírito de nossos juizes da Lava Jato e a negação de um
direito assegurado a um Prêmio Nobel da Paz de visitar um seu amigo
encarcerado, no espírito de pura humanidade e de calorosa solidariedade
envergonha nosso país, apenas comprova que efetivamente estamos sob a lógica
negadora de democracia num regime de exceção.
Mas o
Brasil é maior que sua crise. Purificados, sairemos melhores e orgulhosos de
nossa resistência, de nossa indignação e da coragem de resgatar a partir das
ruas e pelas eleições um Estado de direito.
Não
esqueceremos jamais as palavras sagradas:”Eu estava preso e tu me impediste de
visitá-lo”.
https://www.brasil247.com/pt/247/parana247/352128/%E2%80%9CEstive-preso-e-me-impediram-de-visitar-te%E2%80%9D.htm
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