O Banco Mundial, por exemplo, sempre,
tradicionalmente, foi presidido por um secretário da Defesa dos EUA. A política
desse banco, desde que foi criado, é prover empréstimos a países que aceitem
usar a própria terra para exportar suas colheitas, não para alimentar o próprio
povo
por Michael Hudson*, no Hudson Website e blog do Alok** – Sociedade e Império
Estadunidense Desmoronando
O fim da dominação econômica estadunidense
não contestada chegou antes do esperado, graças aos mesmos neo-conservadores
que deram ao mundo a guerra do Iraque, da Síria e as sujas guerras (ou golpes)
na América Latina. Assim como a Guerra do Vietnã arrancou os EUA do padrão ouro
em 1971, o patrocínio e o financiamento que estão garantindo as violentas
guerras para mudança de regime contra a Venezuela e a Síria – e as ameaças de
sanções contra outros países que não se unam na mesma cruzada – estão hoje
levando países europeus e outros a ter de criar suas próprias instituições
financeiras alternativas.
Esse rompimento está-se armando já há algum tempo,
e com certeza aconteceria. Mas quem teria imaginado Donald Trump como o agente
catalisador? Nenhum partido de esquerda, líder socialista, anarquista, de
centro ou nacionalista estrangeiro em algum canto do mundo teria conseguido o
que Trump está fazendo para quebrar o Império Estadunidense.
O Estado Profundo reage com choque, sem compreender
como esse corretor de imóveis de luxo está conseguindo que outros países passem
a se autodefender, desmontando a ordem mundial centrada nos Estados Unidos.
Como se não bastasse, está usando criminosos
incendiários da era Bush e Reagan – John Bolton e, agora, Elliott Abrams, para
abanar a brasa e fazer subir as chamas na Venezuela. É quase como uma comédia
política noir. O mundo da
diplomacia virado de pés para cima. Um mundo no qual já nem se tenta fingir que
se respeitam normas internacionais, imagine-se leem leis ou tratados.
Os neo-conservadores que Trump nomeou estão fazendo
o que há pouco tempo ainda parecia impensável: uniram China e Rússia – o grande
pesadelo de Henry Kissinger e Zbigniew Brzezinski. Estão também empurrando a
Alemanha e outros países europeus para a órbita da “Terra Central”, ou “pivô
geográfico” [ing. Heartland (correspondente à Eurásia)], o
pesadelo de Halford Mackinder há um século.[1]
A causa raiz é clara: depois do crescendo de
falsidades e embustes em torno do Iraque (fake news), da Líbia e da Síria, além
da absolvição preventiva que garantimos ao regime criminoso da Arábia Saudita,
os líderes políticos em todo o mundo estão começando a ver o que pesquisas de
opinião pública em todo o mundo já diziam desde antes de os rapazes dos “Contra
do Iraque-Irã” pusessem os olhos nas reservas de petróleo da Venezuela, as
maiores do mundo: os EUA são hoje a maior ameaça à paz
global.
Pretender que o golpe que os Estados Unidos
patrocinam contra a Venezuela seria alguma defesa de alguma democracia revela o duplipensar que subjaz a toda a política
exterior dos Estados Unidos. “Democracia” aparece definida, para efeitos de
golpe, como: apoiar a política exterior dos EUA; cometer a privatização
neoliberal de toda a infraestrutura pública; desmantelar a regulação que haja
sobre o governo; e seguir o que ordenem instituições globais comandadas pelos Estados
Unidos, de Fundo Monetário Internacional_FMI e Banco Mundial à OTAN. Durante
décadas, as guerras distantes do território dos EUA, que resultaram dessa
política, os programas de arrocho doméstico – ditos “de austeridade” (mas não,
são programas de arrocho, NTs) – e
intervenções militares só geraram mais violência, nunca alguma democracia,
alimentadas por falsas notícias ou as famosas fake news.
No Dicionário do Diabo, que diplomatas estadunidenses são ensinados
a adotar como guia de ‘Elementos de Estilo’ para Duplipensar, país
“democrático” é país que obedeça aos comandos ditados pelos EUA e abra a
própria economia ao investimento de empresas norte-americanas e à privatização
patrocinada pelo FMI e pelo Banco Mundial. Ucrânia é dita ‘país democrático’
como Arábia Saudita, Israel e outros países que atuam como protetorados
financeiros e militares dos EUA, sempre dispostos a tratar os inimigos dos EUA
como se fossem inimigos também seus.
Tinha de acontecer e aconteceu, de esses auto-interesses
dos estadunidenses entrarem em choque com os auto-interesses de outros países.
E esse conflito está, afinal quebrando as linhas e entrelinhas da retórica das
Relações ‘Públicas’ do império. Vários países já cuidam de des-dolarizar os
próprios negócios e de descartar o que só a diplomacia norte-americana ainda
chama de “internacionalismo” (que significa o nacionalismo norte-americano
imposto a ferro e fogo ao resto do mundo), para abraçarem, afinal, os próprios
respectivos reais auto-interesses nacionais.
Essa trajetória já era visível há 50 anos (já
escrevi sobre ela em Super Imperialism [1972, em PDF, ing.] e em Global Fracture [1978,
em PDF, ing.].)
Tinha de acontecer.
Mas ninguém pensou que o fim chegaria como está
acontecendo hoje. A história virou comédia, ou, no mínimo, ironia, conforme se
desdobram os seus movimentos dialéticos.
Ao longo dos últimos 50 anos, os estrategistas estadunidenses,
o Departamento de Estado e a ONG do Partido Democrata “Dotação para a
Democracia” [ing. Endowment for Democracy (NED)] acreditaram
firmemente que a oposição ao imperialismo financeiro dos EUA lhes viria de
partidos de esquerda. Por isso gastaram quantias descomunais de recursos para
manipular partidos autodenominados socialistas (o Partido Trabalhista Britânico
de Tony Blair; o Partido Socialista Francês, o Partido Social-democrata da
Alemanha, etc.) no sentido de fazê-los adotar políticas neoliberais que eram
diametralmente opostas ao que “social-democracia” significara há um século.
Mas os estrategistas estadunidenses e a CIA dos
tocadores do grande “órgão Wurlitzer”[2] simplesmente
deixaram de lado a direita, supondo que a direita apoiaria instintivamente a
violência norte-americana.
Fato é que os partidos da direita querem ser
eleitos, e um nacionalismo populista é hoje quase garantia de vitória eleitoral
na Europa e em outros países, como foi nos EUA, em 2016, na eleição de Donald
Trump em 2016.
É perfeitamente possível que a agenda de Trump seja
realmente rachar o Império Estadunidense, usando a velha retórica isolacionista
do Uncle Sucker,[3] de há 50 anos. Não há dúvidas
de que está atacando os órgãos mais vitais do Império. Mas será agente
anti-estadunidense deliberado, consciente? Também é possível que seja – mas não
basta, para assumir que Trump esteja agindo deliberadamente, usar um raciocínio
simplório de “quem mais ganha”.
Afinal, se nenhum terceirizado, fornecedor,
sindicato ou banco quer negociar com Trump... Vladimir Putin, China ou o Irã
seriam talvez mais ingênuos? É possível que o problema estivesse maduro para
aparecer, como resultado de a dinâmica interna do globalismo patrocinado pelos
EUA ter-se tornado inviável, impossível de impor depois de o resultado já
verificado ser só ‘austeridade financeira’ (é arrocho!), ondas de emigrados que
fogem das guerras patrocinadas pelos EUA e, principalmente, depois de os EUA
recusarem-se a seguir regras e leis internacionais que os próprios EUA
patrocinaram há 70 anos, imediatamente depois da 2ª Guerra Mundial.
Figura na
internet
Desmantelar a Lei Internacional e respectivos
tribunais
Não há sistema internacional de controle se não há
estado de direito e leis. Pode até ser exercício moralmente degradado de poder
sem qualquer controle para impor e ‘legalizar’ a exploração, mas ainda assim
alguma Lei tem de existir. E a Lei exige tribunais que a apliquem (apoiada por
força policial para fazer cumprir as decisões e punir violadores).
Aqui já se vê a primeira contradição da diplomacia
global dos EUA, no plano da Lei: os Estados Unidos jamais admitiram que
qualquer outro país tivesse voz nas políticas domésticas estadunidenses, no
Legislativo ou na diplomacia. Isso faz dos EUA “a nação excepcional”. Mas há 70
anos os diplomatas estadunidenses só fazem repetir – sem qualquer comprovação
na realidade – que aquele seu julgamento ‘superior’ teria promovido um mundo em
paz (tão em paz quanto o Império Romano dizia ser), paz a qual teria permitido
que outros países partilhassem a prosperidade e os altos padrões de vida dos estadunidenses.
Na ONU, diplomatas dos EUA defendem a manutenção do
poder de veto. No Banco Mundial e no FMI, os Estados Unidos também cuidam de
assegurar que a parte no quadro acionário seja suficientemente maior para lhes
garantir poder de veto em todos os empréstimos ou outras políticas. Sem esse
poder, os EUA recusam-se a participar de qualquer organização internacional. Ao
mesmo tempo, os Estados Unidos só fazem exibir o próprio nacionalismo como
força que protegeria a globalização e o internacionalismo. Tudo isso jamais
passou de puro eufemismo, para encobrir um processo absolutamente unilateral
autoritário de tomar decisões.
Inevitavelmente, o nacionalismo estadunidense
acabaria por destruir a miragem do internacio-nacionalismo no Primeiro Mundo,
e, em seguida, até a noção de que pudesse existir alguma corte internacional.
Sem poder de veto sobre aqueles juízes, os Estados Unidos jamais aceitaram a
autoridade de qualquer tribunal, notadamente da Corte Internacional da ONU em
Haia. Recentemente, essa corte iniciou investigação dos crimes de guerra dos
EUA no Afeganistão, das políticas de tortura ao bombardeio de alvos civis como
hospitais, casamento e infraestrutura. “Essa investigação encontrou ‘base
razoável’ para crer que houve crimes de guerra e crimes contra a humanidade.”[4]
O conselheiro de Segurança Nacional de Donald Trump
explodiu em fúria, ameaçando, em setembro, que “Os Estados Unidos usarão todos
os meios necessários para proteger nossos cidadãos e cidadãos dos países nossos
aliados contra qualquer julgamento ou condenação injusta que seja feita por
essa corte ilegítima,” – e ainda acrescentou que a Corte Internacional de
Justiça da ONU não se atrevesse a investigar “Israel ou outros aliados dos
EUA”. Um veterano juiz, Christoph Flügge, da Alemanha, renunciou em sinal de
protesto.
De fato, Bolton disse à Corte que não se
intrometesse em assuntos dos Estados Unidos. E ameaçou proibir “juízes e
promotores dessa corte, de entrar nos EUA”. Nas palavras de Bolton:
“Sancionaremos o dinheiro deles no sistema financeiro dos EUA, e os
processaremos pelo sistema criminal. Não cooperaremos com a Corte
Internacional. Cortaremos toda a assistência que damos à Corte Internacional.
Deixaremos que a Corte Internacional morra à míngua. Afinal, para todos os seus
objetivos e finalidades, a Corte Internacional já está morta.”
Significava, como disse o juiz alemão: “Se esses
juízes algum dia intervierem nos interesses domésticos dos Estados Unidos ou
investigarem algum cidadão estadunidense, [Bolton] disse que o governo fará
tudo que consiga para assegurar que tais juízes nunca mais entrem nos EUA – e
que talvez, mesmo, sejam processados criminalmente.”
A inspiração original dessa corte – usar as leis de
Nuremberg que foram aplicadas contra os nazistas alemães da 2ª. guerra, para
julgar países e funcionários considerados culpados por crimes de guerra –,
verdade seja dita, já deixara de ter qualquer significado quando a corte não
conseguiu maioria para indiciar por crimes de guerra, os autores do golpe no
Chile, contra o Irã ou da invasão do Iraque.
Figura na internet
Desmantelar a hegemonia do Dólar-Estadunidense, do
FMI ao sistema SWIFT de compensações
De todas as áreas da política do poder global hoje,
a finança internacional e o investimento estrangeiro tornaram-se as principais.
Reservas monetárias internacionais tinham de ser vistas como os itens mais
sacrossantos, com a limitação da dívida externa intimamente associada.
Há muito tempo os bancos centrais mantinham suas
reservas monetárias, em ouro e outras, nos Estados Unidos e em Londres. Parecia
razoável à altura de 1945, porque o New York Federal Reserve Bank (em cujo
porão era guardado o ouro dos bancos centrais estrangeiros) tinha segurança de
nível militar, e porque o London Gold Pool era o veículo pelo qual o Tesouro
dos EUA mantinha o dólar “firme como ouro”, a $35 a onça. Outras reservas
estrangeiras eram guardadas em papéis do Tesouro estadunidense, para serem
vendidos e comprados nos mercados de câmbio de New York e Londres, para
estabilizar as taxas de câmbios. Muitos empréstimos externos para outros
governos eram denominados em dólares-estadunidense, de modo que bancos de Wall
Street eram tidos normalmente como agentes pagadores.
Foi assim com o Xá do Irã, que os Estados Unidos
instalaram no poder depois de patrocinar o golpe de 1953 contra Mohammed Mosaddegh,
quando ele tentou nacionalizar a empresa Anglo-Iranian Oil (hoje, British
Petroleum) ou pelo menos, que fosse, cobrar-lhe impostos. Derrubado o Xá do Irã,
o regime Khomeini requereu ao seu agente pagador, o banco Chase Manhattan, que
usasse as reservas do Irã para pagar os seus acionistas. Por ordem do governo
dos EUA, o banco Chase recusou-se a pagar. Tribunais dos EUA então declararam o
Irã insolvente, e congelaram seus bens nos EUA e em todos os lugares do planeta
onde conseguiram agir.
Assim se viu que a finança internacional era braço
do Departamento de Estado dos Estados Unidos e do Pentágono. Mas aconteceu já
lá se vai uma geração, e só recentemente outros países começaram a manifestar
preocupações quanto a deixar o próprio ouro nos Estados Unidos, onde poderia
ser facilmente confiscado para punir qualquer país que agisse de modo que a
diplomacia estadunidense achasse ofensivo. Ano passado afinal a Alemanha
arranjou coragem para pedir que parte do ouro alemão fosse devolvido à
Alemanha. Funcionários dos EUA manifestaram um simulacro de choque extremo ante
o insulto de os alemães suporem que os estadunidenses fossem capazes de fazer a
um país cristão civilizado o mesmo que haviam feito ao Irã. E a Alemanha
concordou em adiar a transferência do ouro alemão.
Mas na sequência veio a Venezuela. Desesperada para
usar as próprias reservas em ouro para pagar por importações que tanta falta
faziam à economia nacional devastada por sanções impostas pelos Estados Unidos
– crise que os diplomatas dos EUA declararam ser efeito do “socialismo”, não
das providências dos norte-americanos para “fazer gemer a economia” (como
funcionários de Nixon disseram do que faziam ao governo de Salvador Allende no
Chile) –, a Venezuela ordenou que o Banco da Inglaterra transferisse para o
país parte dos $11 bilhões de dólares em ouro que jaziam nos cofres do Banco da
Inglaterra e de outros bancos, em dezembro de 2018.
Simples.
Como qualquer correntista perfeitamente solvente de
qualquer banco, que espera que o banco pague um cheque que aquele correntista
emitiu.
A Inglaterra recusou-se a honrar o cheque
venezuelano, obedecendo ordens de Bolton e do secretário de Estado Michael
Pompeo. Como o site Bloomberg noticiou: “Funcionários dos EUA estão tentando
transferir os fundos venezuelanos no exterior para Juan [Chicago Boy] Guaidó,
para aumentar-lhe as chances de efetivamente tomar pleno controle do governo. O
$1,2 bilhão de ouro é parcela significativa dos $8 bilhões em reservas
estrangeiras depositadas no banco central venezuelano.”[5]
Imagem na internet
A Turquia apareceu como destino provável, o que
levou Bolton e Pompeo a ameaçar a Turquia com sanções, caso auxiliasse a
Venezuela a enfrentar sua crise econômica. Quanto ao Banco da Inglaterra e outros
países europeus, a matéria do site Bloomberg concluía: “Funcionários do banco
central em Caracas receberam ordens para não tentar qualquer contato com o
Banco da Inglaterra. Caracas foi informada de que funcionários do Banco da
Inglaterra foram proibidos de responder mensagens de Caracas.”
Daí surgiram rumores de que a Venezuela estava
vendendo 20 toneladas de ouro a serem transportadas num Boeing 777 russo –
cerca de $840 milhões de dólares-estadunidenses. O dinheiro provavelmente
destinava-se a pagar acionistas russos e chineses e a comprar comida.[6]
A Rússia desmentiu a matéria, mas Reuters confirmou
que a Venezuela vendera 3 toneladas de planejadas 29 toneladas de ouro aos
Emirados Árabes Unidos, com mais 15 toneladas a serem embarcadas na 6ª-feira,
1/fev/2019.[7]
Rubio, linha-dura cubano-batista no Senado dos EUA,
denunciou a operação como “roubo”, como se alimentar o próprio povo para
aliviar o sofrimento provocado pela crise gerada e alimentada pelos EUA fosse
crime contra a ação diplomática dos Estados Unidos.
Se há país que os diplomatas estadonidenses odeiam
mais que qualquer país rebelde na América Latina, é o Irã. O fim decidido pelo
presidente Trump dos acordos nucleares do ano de 2015 negociados por europeus e
o governo Obama veio a tona, a ponto de Alemanha e outros países europeus já
estarem ameaçados de sanções se não se retirarem dos acordos que assinaram.
Como se não bastasse a oposição a que Alemanha e
outros países europeus importem gás russo, as ameaças dos Estados Unidos
acabaram por empurrar a Europa a buscar algum modo de se auto-preservar.
As ameaças imperiais já não são militares. Nenhum
país (nem Rússia ou China) tem meios para montar invasão militar a outro grande
país.
Desde os dias do Vietnã, o único tipo de guerra
possível para países ainda democráticos é a guerra atômica, ou pelo menos
guerra de bombardeios pesados como os que EUA infligiram ao Iraque, Líbia e
Síria. Mas agora a ciber-guerra tornou-se meio eficaz para quebrar as conexões
de qualquer economia, através de fake News e outras técnicas.
E as principais ciber-conexões hoje são ordens
financeiras de transferência de dinheiro – compensações bancárias mundiais –,
coordenadas hoje pela SWIFT, sigla em inglês da Sociedade Mundial
para Telecomunicações Financeiras Interbancárias (Worldwide Interbank
Financial Telecommunication), que tem sede na Bélgica.
Rússia e China já
se movimentaram para criar um sistema alternativo de compensações bancárias,
para o caso de os EUA desconectarem os dois países, do sistema SWIFT. Mas agora
países europeus já entenderam que as ameaças feitas por Bolton e Pompeo podem
gerar multas pesadas e confisco de patrimônio, se tentarem insistir em manter o
comércio com o Irã, como determinado nos acordos que todos firmaram.
Dia 31 de janeiro, o bloqueio foi rompido, com o
anúncio de que a Europa criou seu próprio sistema de compensação de pagamentos
para usar com o Irã e outros países que sejam alvo dos ataques ‘diplomáticos’
dos Estados Unidos. Alemanha, França e até a Grã-Bretanha, poodledos
EUA, uniram-se para criar o INSTEX — Instrumento (também dito
“Mecanismo” [NTs]) para Apoio de Compensações Interbancárias [ing. Instrument
in Support of Trade Exchanges]. A promessa é que será usado só para ajuda
“humanitária” para salvar o Irã de uma devastação provocada pelos Estados Unidos,
semelhante à que o povo da Venezuela está sofrendo. Mas, considera-se a
crescente e cada dia mais furiosa oposição que os Estados Unidos fazem à ideia
de que o gasoduto Ramo Norte (Russo-Europeu) transporte gás russo, essa via
alternativa para compensações bancárias está pronta e capacitada para se tornar
plenamente operante, caso os EUA tentem um ataque com sanções contra a Europa.
Acabo de voltar da Alemanha e vi impressionante
divisão entre empresários e industriais e o governo político. Durante anos, as
grandes empresas viram a Rússia como mercado natural, como economia
complementar que precisava modernizar a própria base manufatureira e capaz de
abastecer a Europa com gás natural e outras matérias-primas. A posição dos EUA
nessa Nova Guerra Fria tenta bloquear essa complementaridade comercial. EUA
alertaram a Europa contra o risco de se tornar ‘dependente’ do gás russo de
baixo preço, para vender o gás natural liquefeito caríssimo que os EUA oferecem
(prometendo instalações portuárias que ainda não existem em lugar algum, sequer
próximas do volume exigido). O presidente Trump também tem insistido em que
membros da OTAN gastem na compra de armas no mínimo 2% dos respectivos PIB – e
armas a serem compradas, claro, dos mercadores de morte estadunidenses, que não
são franceses nem alemães.
O modo como os EUA fazem pesar a mão está levando
diretamente à realização do pesadelo eurasiano de Mackinder-Kissinger-Brzezinski
ao qual me referi no início desta análise global. Como se não bastasse, os EUA
estão aproximando da Rússia e China. A diplomacia estadunidense está ‘unindo’ a
Europa ao “pivô geográfico” bem conhecido dos Estados Unidos, operando contra,
até, o mesmo tal estado de dependência, para cuja criação a diplomacia estadunidense
trabalha desde 1945.
O Banco Mundial, por exemplo, sempre,
tradicionalmente, foi presidido por um secretário da Defesa dos EUA. A política
desse banco, desde que foi criado, é prover empréstimos a países que aceitem
usar a própria terra para exportar suas colheitas, não para alimentar o próprio
povo.
Por isso os empréstimos são sempre feitos em moeda
estrangeira, não na moeda doméstica necessária para dar suporte aos preços e
aos vários serviços que orbitam em torno da agricultura e a promovem, como os
que tornaram a agricultura dos Estados Unidos tão produtiva quanto parece. Cada
país que seguiu a orientação dos EUA expôs-se completamente indefeso à
chantagem do racionamento de comida – sob a forma de sanções que impedem
aqueles países de comprar comida, caso se afastem um passo da linha traçada
pela diplomacia estadunidense
Vale a pena
observar que a imposição pelos EUA, da mítica “eficiência” na agricultura,
imposição cujo resultado foi converter os países latino-americanos em plantations para exportar colheitas (como café, banana),
em vez de cada país cultivar o próprio trigo e o próprio milho, fracassou
escandalosamente e jamais melhorou a vida de nenhum cidadão latino-americano,
sobretudo na América Central.
O fracasso da receita ensinada nos manuais estadunidenses
– as colheitas exportáveis seriam trocadas por alimentos baratos a serem
importados dos Estados Unidos, a troca miraculosa prometida aos países que
seguissem o manual dos estadunidenses – é hoje tragicamente evidente nas
procissões de refugiados e sem-teto que cruzam o México rumo ao império.
Claro que os EUA terem apoiado todos os mais
brutais militares-ditadores, chefes de milícias e senhores do crime organizado
em toda a América Latina não ajudou a fortalecer a posição estadunidens naquela
região.
Assim também o FMI foi forçado a admitir que suas
‘orientações’ sempre foram pura ficção, desde o início. Uma das funções
centrais do Fundo Monetário Internacional foi obrigar países pobres a pagar
dívidas inter-governamentais, usando como instrumento de pressão e chantagem o
corte do crédito para países maus pagadores. Essa regra foi instituída num
tempo em que praticamente toda a dívida inter-governos tinha os Estados Unidos
como credor. Mas há alguns anos, a Ucrânia deixou de pagar empréstimo de $3
bilhões devidos à Rússia. O FMI declarou que, de fato, nem a Ucrânia nem
qualquer outro país teria qualquer obrigação de pagar dívidas cujo credor fosse
a Rússia ou qualquer outro país que mantivesse comportamento excessivamente
independente do que os Estados Unidos ordenassem. O Fundo Monetário Internacional
continua a jogar dinheiro no poço sem fundo do corrupto governo da Ucrânia,
para promover a política desse governo, essencialmente anti-Rússia; nada diz ou
faz na defesa do princípio de que dívidas inter-governamentais tenham de ser
pagas algum dia.
É como se o FMI operasse agora numa salinha no
porão do Pentágono em Washington. A Europa já se deu conta de que seu próprio
sistema monetário de trocas internacionais e suas conexões financeiras podem a
qualquer momento atrair a fúria dos Estados Unidos. Foi o que ficou muito claro
no outono passado, nos funerais de George H. W. Bush, quando o diplomata
representante da União Europeia foi deixado para o fim da lista de autoridades
chamadas para assumir seu lugar na cerimônia. Foi informado de que os EUA já
não consideram a União Europeia entidade muito importante. Em dezembro, “Mike
Pompeo fez um discurso em Bruxelas sobre a Europa – seu primeiro discurso,
ansiosamente aguardado – no qual exortou as virtudes do nacionalismo, criticou
o multilateralismo e a União Europeia e disse que “corpos internacionais” que
limitam a soberania nacional “devem ser reformados ou eliminados.”[8]
A maior parte desses eventos apareceram na mídia
num só dia, 31/jan/2019. A conjunção de tantos movimentos dos EstadosUnidos em
tantas frentes, contra Venezuela, Irã e Europa (para nem falar da China e das
ameaças de retaliação comercial e ações contra a Huawei que também emergiram
hoje) faz crer que esse será um ano de fratura no mundo globalizado.
Claro que não é
feito só do presidente Trump. O Partido Democrata desfila com as mesmas cores.
Em lugar de aplaudir a democracia, quando os países não elegem candidato
aprovado (quando não eleito diretamente) pelos diplomatas estadunidenses (seja
Allende ou Maduro), os Democratas já deixaram cair a máscara e mostram quem
realmente são: imperialistas na Nova Guerra Fria.
Saíram do armário.
Assumiram o que
são, sinceramente, empenhadamente: querem fazer da Venezuela um
neo-Chile-de-Pinochet. Trump não está sozinho no apoio à Arábia Saudita e aos
seus terroristas wahabistas, nas palavras de Lyndon Johnson “filhos da puta,
mas nossos filhos da
puta”.
E a esquerda, em tudo isso?!
Comecei o artigo com essa pergunta. É espantoso que
só partidos de direita – Alternativa para a Alemanha (al. AFD), ou
os nacionalistas franceses de Marine le Pen e de outros países – façam hoje
oposição à militarização da OTAN e busquem reativar o comércio e laços
econômicos em geral com toda a Eurásia.
Imagem na internet
O fim do imperialismo monetário estadunidense,
sobre o qual escrevi pela primeira vez em 1972 em Super Imperialism,
surpreende até mesmo um observador bem informado como eu. Requerem-se níveis
colossais de arrogância, de visão curta e total desconsideração à lei, para
acelerar o declínio estadunidense: isso tudo, precisamente, é o que só neo-conservadores
completamente alucinados como John Bolton, Elliot Abrams e Mike Pompeo podem
fornecer a Donald Trump.
[1] Sobre isso, ver, interessante “De volta ao
Grande Jogo: vingança das potências terrestres”, 30/8/2019, Pepe Escobar, Consortium News, vol. 24, n. 242, traduzido no Blog do Alok [NTs].
[2] Referência a um instrumento musical (um
órgão), e metáfora para descrever a grande operação da CIA para ‘manipular’
longa série de figuras muito conhecidas na sociedade dos EUA nos anos 60s. A
expressão apareceu na revista Ramparts. Um funcionário da CIA é citado, vangloriando-se
de ser capaz de “tocar, como num grande órgão” qualquer hino de propaganda
anticomunista. O órgão era chamado "Todo-poderoso Wurlitzer”. A matéria
não poupava ninguém, todos denunciados como ‘braços’ da CIA: emigrados, líderes
trabalhistas, artistas, estudantes, mulheres, negros e jornalistas e foi um dos
maiores desastres que a CIA enfrentou em toda sua história. O autor oferece
análise reveladora da sociedade da Guerra Fria nos EUA, importante ainda hoje
[NTs, com informações de Amazon, na página de divulgação do livro The Mighty
Wurlitzer: How the CIA Played America, 2009].
[3] Gíria para “Tio Sam”, quando se aplica à
Receita Federal dos EUA. Lit. “Tio Chupador” [NTs, com informação de Urban Dictionary]
[4] “It Can’t be
Fixed: Senior ICC Judge Quits in Protest of US, Turkish Meddling” [“Não tem
conserto: Juiz da Alta Corte de Justiça da ONU em Haia renuncia, em protesto
contra a intromissão de EUA e Turquia”] 30/1/2019.
[5] Patricia Laya, Ethan
Bronner and Tim Ross, “Maduro Stymied in Bid to Pull $1.2 Billion of Gold From
U.K.,”Bloomberg, 25/1/2019. Prevendo esse tipo de chantagem, o presidente Chávez já em 2011
providenciou para que 160 toneladas do ouro venezuelano fossem repatriadas para
Caracas, vindas dos EUA e Europa.
[7] Corina
Pons, Mayela Armas, “Exclusive: Venezuela plans to fly central bank gold
reserves to UAE – source,”Reuters, 31/1/2019.
[8] Constanze Stelzenmüller, “America’s policy on
Europe takes a nationalist turn,” Financial Times, 31/1/2019.
** Postado: no blog do Dario Alok - Taí! Isso, sim, afinal, explica os Bs no governo, o
ônix, a doida no ministério da mulher, o analfabeto no ministério da educação,
o animal no ministério do meio ambiente e coisa e tal... [pano rápido].
Tradução: Coletiva Vila Mandinga
http://blogdoalok.blogspot.com/2019/02/brilhante-estrategia-de-trump-para.html
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