O Projeto
do Mercado para o Brasil é o projeto dos muito ricos, dos megainvestidores, das
empresas estrangeiras, dos rentistas, dos grandes ruralistas, dos proprietários
dos meios de comunicação de massa, dos grandes empresários, dos grandes
banqueiros, e de seus representantes na política, na mídia e na academia
É o projeto de uma ínfima minoria do povo brasileiro, para uma pequena
parte do povo brasileiro
por Samuel Pinheiro
Guimarães* no Brasil 24/7 e blog leonardoBOFF.com –
Sociedade, Potencial Brasileiro e Desigualdade
Figura na
internet
O
Presidente Bolsonaro se propõe regenerar o Brasil e fazer com que a sociedade e
o Estado brasileiro retornem à sua pureza original, deturpada que teria sido
pelo socialismo, comunismo e petismo.
Propõe
a “Mudança”, um programa econômico Moderno (não detalhado), a luta contra a
violência e a corrupção e agora uma luta ideológica, para extirpar o
“marxismo-cultural”.
De fato,
a sociedade e o Estado brasileiro têm características que necessitam ser
enfrentadas.
A
sociedade brasileira se caracteriza por extremas disparidades de renda e de
riqueza; de gênero; étnicas; educacionais; culturais; entre as regiões; entre
as periferias e as zonas ricas das cidades.
Essas
disparidades, resultado histórico da escravidão, do latifúndio e do
colonialismo, são responsáveis pelo fraco desenvolvimento da demanda e do
mercado interno; pelo desequilíbrio regional do desenvolvimento; pela tensão
social; e em parte pela violência.
Figura na internet
O Estado
brasileiro agrava mais as desigualdades devido à tributação regressiva; ao
financiamento privilegiado de grandes empresas sem contrapartidas; à
ineficiência dos serviços; à conivência com a sucção da economia pelo sistema
financeiro e à parcialidade da Justiça do que as reduz por programas de
transferência de renda para os mais pobres.
A
sociedade e o Estado se caracterizam por vulnerabilidades externas, de natureza
política, militar, econômica, tecnológica e ideológica.
Essas
características são responsáveis pelo desenvolvimento insuficiente do potencial
produtivo e distributivo do Brasil, de sua força de trabalho, de seu capital,
de seus recursos naturais.
A
estratégia para enfrentar tais desafios estruturais não pode se fundamentar em
preconceitos e premissas simples, mas levar em conta a complexidade atingida
pela sociedade, pela economia e pelo Estado brasileiro, desde 1930.
Em 1930 a população brasileira
era de 37 milhões de habitantes; 30% era urbana; 80% vivia ao longo da costa; 70%
era analfabeta; a principal atividade econômica era a produção e exportação de
café; a indústria era incipiente e o Brasil importava os produtos industriais
que consumiam suas classes ricas e médias; era exportador de produtos
agrícolas, e o café respondia por mais de 90% das receitas de exportação; o
mercado de trabalho era semi-servil, pois não existia contrato de trabalho,
salário mínimo, descanso semanal, férias, limite de horas de trabalho; havia
100 km de rodovia asfaltada; as mulheres não tinham direito de voto, o voto não
era secreto e as eleições eram fraudadas em grande escala; o Estado moderno não
existia, havendo apenas sete Ministérios: Fazenda (1808), Guerra (1815),
Exterior (1821), Marinha (1822), Justiça (1822), Transportes (1860) e
Agricultura (1860).
Este
quadro da sociedade e do Estado, arcaicos e frágeis, foram atingidos pela crise
de 1929 que reduziu o preço da saca de café de 200 para 20 libras, desorganizando
a economia brasileira, sua atividade interna e seu comércio, a que se juntariam
os efeitos do protecionismo na economia mundial e da Segunda Guerra.
De 1930 até hoje, graças à ação de
estadistas, de empresários, de trabalhadores, do Estado e das Forças Armadas, o
Brasil tem uma população de 210 milhões; 85% da população é urbana; a
percentagem de analfabetos é de 10%; é grande exportador de produtos agrícolas,
graças à Embrapa, empresa estatal, criada em 1972; é um dos cinco maiores
fabricantes de automóveis do mundo; construiu a maior indústria aeronáutica de
aviões regionais do mundo, graças ao ITA, ao CTA e à Embraer, criadas pela
Aeronáutica; dominou o ciclo industrial completo da tecnologia nuclear, graças à
Marinha, e aos cientistas que mobilizou; produz ultracentrifugas com tecnologia
própria na atividade nuclear; constrói navios e submarinos; constrói
helicópteros; tem centros de pesquisa científica e tecnológica avançada; construiu
um dos maiores institutos de pesquisa em saúde do mundo, a Fiocruz; exporta
produtos manufaturados; descobriu, com tecnologia própria, uma das maiores
reservas de petróleo do mundo, o pré-sal, graças à Petrobrás, criada em 1954
pelos esforços dos Centros de Estudos de Defesa do Petróleo do Exército
brasileiro, e por uma ampla campanha popular pela nacionalização do petróleo; criou
instituições estatais capazes de financiar investimentos privados, em grande
escala e a largo prazo, como o Banco do Brasil (na agropecuária) a CEF (na
habitação e saneamento) e o BNDES (na indústria e todos os campos de
atividade).
Integrou seu território em 1956 com
o Programa de Metas de JK, a construção de Brasília, e o programa Calha Norte,
na Amazônia; tem 222 mil km de rodovias asfaltadas; manteve elevado grau de
coesão social e regional; se tornou uma das dez maiores economias do mundo; manteve
relações pacíficas e de cooperação com todos os seus vizinhos.
Os países
que podem melhor defender e promover seus interesses são aqueles que têm grande
território; grande população; grande coesão social e convicção de destino.
O
território extenso permite uma gama maior de recursos minerais, inclusive
energéticos e uma agricultura diversificada.
A
população grande e urbana permite o desenvolvimento de uma economia e um
mercado interno amplo, capaz de produzir e absorver os bens das mais diversas
linhas de produção industrial.
A maior
coesão social é fator fundamental para o desenvolvimento e para a ação externa
eficiente.
A
convicção das classes hegemônicas, e das elites que dirigem o Estado em seu
nome, de que um país que reúne as condições acima, tem a capacidade e o dever
de realizar seu potencial de forma autônoma ocorre em sociedades e Estados como
a China, a Rússia, os Estados Unidos e daí seu papel protagônico na política
internacional.
No caso
do Brasil, que reúne as condições acima, esta convicção existiu em diversos
momentos de sua História, mas não ocorre no presente.
O Presidente Bolsonaro se
apresenta como defensor radical das políticas do Mercado.
Bolsonaro tem como principal
assessor econômico Paulo Guedes, economista ultra neoliberal, formado nos
princípios da antiga escola de Chicago.
Jair Bolsonaro, Presidente, e
Paulo Guedes, superministro da economia, declararam ser necessário prosseguir,
acelerar e aprofundar medidas que são, em seu conjunto, o que se pode definir
como um “projeto do Mercado” para o Brasil.
O Projeto
do Mercado para o Brasil é o projeto dos muito ricos, dos megainvestidores, das
empresas estrangeiras, dos rentistas, dos grandes ruralistas, dos proprietários
dos meios de comunicação de massa, dos grandes empresários, dos grandes
banqueiros, e de seus representantes na política, na mídia e na academia.
É o
projeto de uma ínfima minoria do povo brasileiro, para uma pequena parte do
povo brasileiro.
Segundo a
Secretaria da Receita Federal, um total de 30 milhões de brasileiros apresentam
declaração de renda em que revelam ter rendimento superior a dois salários
mínimos, cerca de 500 dólares por mês. Portanto, dos 150 milhões de brasileiros
adultos, que são eleitores, 120 milhões ganham menos de dois salários mínimos
por mês e estão isentos de apresentar declaração de renda.
Na outra
extremidade, seis mil brasileiros declaram voluntariamente ter rendimentos
superiores a mais de 320 mil reais por mês. Todavia, pode-se dizer que os que
“controlam” o Mercado seriam aqueles que declaram ter renda superior a 160
salários mínimos por mês, cerca de 20 mil indivíduo.
O projeto econômico
ultraneoliberal de Bolsonaro/Guedes se fundamenta em premissas simplistas:
(a) a iniciativa privada pode
resolver, sozinha, todos os problemas brasileiros;
(b) a iniciativa privada
estrangeira é sempre melhor do que a brasileira.
* Samuel Pinheiro Guimarães é tido como um
de nossos melhores e mais inteligentes diplomatas. Foi Embaixador esecretário-geral do
Itamaraty. Suas opiniões são sempre ouvidas com respeito, pois é um analista
equilibrado, com uma visão de futuro e de mundo. Dai a importância de publicar
o presente texto, com dados confiáveis, pois nos permite ter uma opinião
abalizada e mais objetiva sobre o que está ocorrendo em nosso país. Leonardo
Boff
Fonte: Brasil 247 de 8 de Março de 2019
https://leonardoboff.wordpress.com/2019/03/10/bolsonaro-regeneracao-ou-destruicao-embaixador-samuel-pinheiro-guimaraes/
Nenhum comentário:
Postar um comentário
O comentário será analisado para eventual publicação no blog