A
Sepe-RJ, a OAB, e os responsáveis pelo meu protocolo de segurança chegaram a
enviar uma notificação a ONU explicando a
situação e pedindo a suspensão dos processos
por Pedro Mara* no The Intercept Brasil e IHU Unissinos –
Sociedade e autoridades sem rumo no
Brasil
)
Em 14 de
março de 2019, quando se completou um ano do assassinato da Marielle, eu
fui informado pela mídia que o meu nome estava na lista dos pesquisados por Ronnie Lessa,
o assassino da vereadora. Enquanto todo o mundo se perguntava quem mandou matar
Marielle, eu me fazia a pergunta “por que meu nome está nessa lista?”
Foi um
fato assustador por natureza descobrir que seu nome está em uma lista da
organização criminosa mais sofisticada do Rio de Janeiro. Foi pior ainda
descobrir que poucas pessoas tiveram sua vida, em maior ou menor grau,
vasculhadas por Lessa. A periculosidade da organização não diminuiu com a
prisão dos assassinos, tem muitos milicianos ainda soltos.
Na
véspera, eu estava trabalhando, me despedi da escola e das pessoas que eu
gosto. No outro dia eu volto para o trabalho e, de repente, estou na lista de
uma organização criminosa. Tinha de deixar o estado urgentemente. De
sexta-feira para o domingo, não pude sair de casa, com medo do que pudesse
acontecer e de eventuais ações. Os volumes das notícias também me deixavam
vulnerável frente às pessoas que acompanhavam o noticiário: não tinha mais garantias
de que não iam me agredir na rua.
Só trabalhei com educação
E eu não
faço ideia da razão de aparecer nessa lista do Lessa, mas o relatório da
Polícia Civil é muito claro. Quando faz a referência a mim, fala: “O professor
Pedro Mara, diretor do CIEP 210, em Belford Roxo, que teve atrito, na época,
com o deputado estadual Flávio Bolsonaro”. Isso é o que está escrito no
inquérito. Se foi o Flávio que mandou, se não foi o Flávio que mandou, não sei.
Tenho uma
história imensa de luta na educação do Rio de Janeiro. Eu fiz parte do
movimento estudantil, sou professor, fui comandante de greve, fui de sindicato.
Só que a minha militância inteira foi no campo da educação. E só no campo da
educação. Nunca militei em nada que não fosse isso. Nunca mexi com interesses
econômicos de milicianos, nunca denunciei excesso das polícias na comunidade.
Eu nunca fui líder comunitário.
Profº
Pedro Mara em protesto contra fechamento de turmas e escolas em São Gonçalo (foto
arquivo pessoal)
Desde o
dia que descobri, naquela quinta-feira, fiquei em casa até o domingo, e apenas
na segunda tomamos providências administrativas. Após fazer reuniões, criamos
um protocolo de segurança, feito pela OAB, a Comissão de Direitos Humanos da
Alerj e o Sepe-RJ. Nesse protocolo, eu teria que me afastar do Rio de Janeiro.
Tive que ir para outro lugar, longe das pessoas que eu gosto, totalmente
desamparado.
Estou sofrendo um processo de
exoneração por ter faltado aulas enquanto estava cumprindo um
protocolo de segurança.
O
secretário de educação do estado do Rio, Pedro Fernandes, foi comunicado pelo
presidente da Comissão de Educação, Flávio Serafini, da necessidade do meu
afastamento, e foi pedido um prazo de afastamento de duas semanas para tomarmos
medidas avaliativas. Mas, surpreendentemente, apesar de ter ciência do que
estava acontecendo, o secretário optou por aceitar um processo de
exoneração e deu início a ele em tempo recorde.
O
processo teve início no dia 25, mas recebi a notificação oficial apenas no dia
29 de março. Descobri primeiro pela mídia. Estou sofrendo um processo de
exoneração por ter faltado duas semanas de aula na qual estava cumprindo um
protocolo de segurança. O que você justifica para exonerar um servidor por
faltas é se ele teve a intenção de faltar. Eu não estou afastado para tirar
férias e, sim, porque corro risco de vida e informei a secretaria sobre a minha
situação. Eu tenho riscos reais: não foi uma ameaça de uma ligação anônima, foi
um inquérito da Polícia Civil que constatou que meu nome era procurado por uma
organização de milicianos. De uma hora para a outra, apareci no meio do crime
mais sofisticado do Brasil nas últimas décadas.
Perseguição da Secretaria de Educação
Hoje, estou formalmente afastado da
escola e sem receber salário porque, quando a secretaria entra com um processo
de exoneração, seu salário é bloqueado automaticamente. Como exonerar um
professor, um diretor, que teve que sair do estado por conta de ameaça de vida?
O dinheiro já era curto com o salário de professor. Sem ele, é uma situação
desesperadora. Tive de sair do Rio às pressas, alugar um apartamento fora do
estado e depois tive de retornar para me defender, quebrando o protocolo de
segurança.
E já
percebo a hostilidade na rua. No domingo, saí de casa para ir à feira e parei
para falar ao telefone com uma amiga, e observei que uma mulher xingava, mas
pensei que ela estava reclamando de outras pessoas que estavam passando. Quando
me dei conta, estávamos só nós dois na quadra, e a senhora xingando. Ela
continuou caminhando e olhando pra mim, me encarando e me insultando. Quando
ouvi algumas palavras como “maconheiro, veado”, e outras coisas assim, pensei,
é comigo.
Mas a
perseguição da Secretaria de Educação não é de agora. Conheci o clã Bolsonaro
em 2017, em uma audiência pública sobre o Escola sem Partido, na Câmara
Municipal de Niterói, na Semana de Niterói. Na época, eu era professor e já
tinha sido eleito diretor de escola. Havia uma divergência moral entre nós, os
professores de escola pública, e a família Bolsonaro, porque do lado de lá,
eles nunca botaram um filho em escola pública, falam de problemas que são
inexistentes, criam um pânico moral, se estruturam em cima de fake news.
Enquanto isso, as escolas públicas seguem caindo, com falta de professores, sem
estrutura adequada, com turmas e escolas sendo fechadas. De um lado estava quem
defende a escola pública e gratuita de qualidade e, do outro, quem está
querendo destruir, usando os argumentos mais absurdos possíveis, como é o caso
do clã Bolsonaro.
Profº Pedro Mara em protesto
durante a greve estudantil, em 2016, no Rio de Janeiro (foto arquivo
pessoal)
Em julho
de 2017, após essa audiência pública, o hoje senador Flávio Bolsonaro abriu
processo judicial e administrativo com algumas calúnias contra mim. Foi aberta
uma sindicância na Secretaria de Educação e teve um processo no Ministério
Público. Nesse processo, no qual ele me acusava de fazer apologia às drogas na
sala de aula, ocorreu até outubro, e o próprio Ministério Público mandou
arquivar a ação, por falta de provas.
Mas não
houve apenas a sindicância sobre a apologia às drogas: também abriram, na
Secretaria da Educação, uma sindicância para investigar insubordinação contra a
antiga diretora, que havia perdido a eleição para mim, e também investigava o
descumprimento de regras em geral, se havia lançamento de notas, se os diários
estavam corretos. Após três investigações em uma só, nós também vencemos.
Indícios de perseguição
Indícios de perseguição
Da segunda semana letiva em
diante, praticamente todos os dias, um fiscal da secretaria visitou minha
escola.
Além das
sindicâncias, após minha chapa vencer a eleição para o cargo de diretor, a
secretaria tentou impugná-la, alegando que os outros dois integrantes
praticavam nepotismo por terem um grau de parentesco. Mas a Secretária de
Educação havia homologado a candidatura, e só encontrou problema depois que
vencemos a eleição.
No início
deste ano, tentaram fechar cinco turmas na nossa escola, mesmo com uma evasão
baixíssima, e ignorando todos os novos estudantes. Denunciei os cortes de vagas
e a dificuldade de se fazer a matrícula, e o jornal RJ2 fez uma reportagem sobre o assunto. Quando se começa a incomodar, surgem reprimendas.
Da segunda semana letiva em diante, praticamente todos os dias, um fiscal da
secretaria visitou minha escola para ver o que estava acontecendo, verificar se
as aulas estavam ocorrendo, procurar algum problema de merenda, ver se havia
alguma irregularidade.
Esse
processo de exoneração por abandono de cargo prova ainda mais a perseguição que
venho sofrendo. Eu fui investigado pelo assassino da Marielle. Tive que sair do
estado por segurança. Hoje estou sem salário.
Estou numa situação difícil
financeiramente, emocionalmente e funcionalmente
Preciso do auxílio de amigos,
desenvolvi depressão, e o governo não tem nenhuma sensibilidade com a situação.
Além de
tudo, eu ainda tenho que respeitar o protocolo de segurança. É assustador
quando você descobre que seus momentos de vida, até os mais triviais, estão na
mão de uma organização criminosa. Isso é muito violento.
Eu tentei
durante esses anos todos me desvencilhar e achar que o episódio com o clã
Bolsonaro tinha sido um detalhe da vida. Em 2017, apesar de alguns ataques, não
fiquei com tanto medo. Eram ataques pontuais de pessoas na rua, que acreditaram
na mentira. Registramos as ameaças na Comissão de Direitos Humanos com o
deputado Marcelo Freixo e voltei a trabalhar, porque definiram que não tinha
nenhum risco maior à época. Apesar de ser difícil ver a sua biografia e a sua
trajetória profissional caluniadas, dilaceradas por uma mentira que foi
inventada, naquela época a vida seguiu.
Profº Pedro Mara em ato em
solidariedade diretora de Petrópolis, perseguida pelo deputado federal Daniel
Silveira (foto arquivo pessoal)
Hoje, não
dá para dizer que foi um detalhe. Quando as pessoas me encontravam e diziam
“você é aquele que teve um problema com Bolsonaro”, eu explicava que o episódio
era apenas uma parte do processo. Minha militância nunca tinha sido definida
por esse episódio. Hoje, não. Hoje é diferente, porque toda minha vida mudou
por causa disso.
Esse
processo me levou a ter medo
O governo, que a gente espera que nos proteja,
que nos ampare, que nos dê segurança, de repente, ignora todos os fatos que são
de conhecimento do Brasil inteiro, e abre um processo que pode me levar à
exoneração. A Sepe-RJ, a OAB, e os responsáveis pelo meu protocolo de segurança
chegaram a enviar uma notificação a ONU explicando a
situação e pedindo a suspensão dos processos.
Eu
gostaria de ver uma atitude do governador do estado do Rio para tentar barrar
esse processo. Eu gostaria que o secretário de educação demonstrasse que
compreende seus servidores, que os protege em vez de os perseguir.
https://theintercept.com/2019/04/11/assassinos-marielle-perseguicao-educacao/
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