É ótimo
que os países europeus ajudem o Brasil a desmascarar o proto-ditador Bolsonaro.
Farão um imenso favor à democracia, aos direitos humanos e ao meio ambiente.
Mas esses países também precisam parar de financiar o desmatamento da Amazônia
e do Cerrado, que acontece, em grande medida, porque as multinacionais não
monitoram com eficiência as suas cadeias produtivas
por Marques Casara* no portal Brasil de Fato – Sociedade e Países
Desenvolvidos Patrocinam Destruição da Amazônica e Cerrado no Brasil
Boa parte da madeira retirada
vira carvão. Com esse carvão, as siderúrgicas fazem ferro gusa, usado na
fabricação de aço mundo afora. / Wilson Dias/Agência Brasil. Fundo Amazônia é
"troco de pinga" perto do que corporações lucram com a devastação
O
inferno, caso exista, está repleto de presidentes e primeiros-ministros
bem-intencionados, mas que, em algum momento da vida, defenderam, com sincera
emoção, a existência de unicórnios, fadas e duendes. É mais ou menos o que
acontece atualmente quando o assunto é o comportamento de países europeus em
relação ao desmatamento e as queimadas em território brasileiro.
Bolsonaro
fez de tudo para que isso acontecesse. A nomeação de Ricardo Salles para o Meio
Ambiente e o desmonte das estruturas de fiscalização já vinham sinalizando que
os desmatamentos e as queimadas sairiam do controle.
Nos
últimos dias, após atacar violentamente líderes europeus que reclamavam da
política ambiental brasileira, Bolsonaro deixou a bola quicando para o
presidente da França. Cheio de problemas internos, um enfraquecido Emmanuel
Macron percebeu a oportunidade e bateu para o gol com precisão. Levantou
arquibancadas nos quatro cantos do globo e se tornou, em 15 minutos, a mais
nova celebridade ambiental do planeta. Bolsonaro está até agora zonzo pela
rapidez dos acontecimentos.
Tudo
seria lindo e maravilhoso se fosse assim tão simples: países estrangeiros nos
ajudando a desmascarar Bolsonaro, o novo malvado favorito do planeta, com seu
séquito de minions a destruir o “pulmão do mundo”. Mas essa história,
infelizmente, é mais complexa. A Comunidade Europeia e os Estados Unidos também
têm as mãos sujas de sangue e de fuligem.
Alimentos
e siderurgia
Grandes
empresas europeias e norte-americanas são financiadoras do desmatamento. O
Fundo Amazônia é troco de pinga perto do que essas corporações lucram com a
devastação das florestas brasileiras. E não apenas na Amazônia. Hoje, o cerrado
é bioma que mais perde cobertura florestal. Dois setores estão à frente dessa
tragédia: alimentos e siderurgia. As maiores empresas globais de alimentos
financiam fazendeiros brasileiros que efetuam desmatamentos para criar gado e
plantar soja.
Boa parte
da madeira retirada vira carvão e vai parar em siderúrgicas no Centro-Oeste,
Sudeste e Norte do país. Com esse carvão, as siderúrgicas fazem ferro gusa,
usado na fabricação de aço mundo afora. Esse produto tem, em sua composição,
carvão vegetal retirado ilegalmente de matas nativas.
Automóveis,
aviões, computadores e celulares contém, em seus componentes, as marcas do
desmatamento da Amazônia e do Cerrado. No setor de alimentos, a soja e a carne
brasileira são vendidas em centenas de países, muitas vezes graças às operações
de trades europeias e norte-americanas, que financiam os fazendeiros
brasileiros que realizam o desmatamento.
Recentemente,
uma dessas companhias, a Cargill, maior empresa do mundo de capital fechado,
anunciou que não tem como cumprir a promessa de conter o desmatamento provocado
pelos seus negócios no Brasil.
Outra
gigante do setor de alimentos, a empresa suíça Nestlé, é bem conhecida pelos
vínculos com atividades predatórias, inclusive a exploração de crianças e
adolescentes na cadeia produtiva do chocolate.
Coca-Cola,
Pepsico, Bunge e uma interminável lista de multinacionais com sedes no
Hemisfério Norte já tiveram suas cadeias produtivas mapeadas. Foram
estabelecidos elos concretos com práticas danosas ao meio ambiente.
A falácia
da “soberania”
É ótimo
que os países europeus ajudem o Brasil a desmascarar o proto-ditador Bolsonaro.
Farão um imenso favor à democracia, aos direitos humanos e ao meio ambiente.
Mas esses países também precisam parar de financiar o desmatamento da Amazônia
e do Cerrado, que acontece, em grande medida, porque as multinacionais não
monitoram com eficiência as suas cadeias produtivas.
Da parte
do governo brasileiro, tudo está para ser feito ou refeito, dado o estrago que
fizeram desde a posse do atual presidente da república. Não é o troco de pinga
do Fundo Amazônia que vai resolver a questão. Assim como também não será o
falacioso discurso da “soberania nacional”, que Bolsonaro desenterrou da
ideologia militar dos anos 1970. O que Bolsonaro quer é entregar a Amazônia.
Ele é o maior inimigo da soberania nacional.
Esse
cenário de terra arrasada só mudará com processo de gestão participativa nas
regiões amazônicas e no Cerrado, com o cumprimento da legislação ambiental, a
participação das comunidades locais nos processos decisórios e sem a influência
desmedida do agronegócio e dos seus financiadores, as multinacionais sediadas na
Europa e nos Estados Unidos.
As
queimadas e o desmatamento da Amazônia e no Cerrado têm, há décadas, as
digitais de grandes corporações multinacionais com sede nos países que estão
agora chocados com o avanço da depredação.
Nesse
contexto, causa espanto o comportamento dos meios de comunicação de massa, que
seguem a lógica do século passado: proteção total ao anunciante. Não fazem a
principal pergunta: quem se beneficia com o desmatamento?
Não fazem
porque sabem quem mexe as cordinhas no mercado publicitário. Multinacionais do setor de alimentos
(anunciantes), siderúrgicas vinculadas a montadoras de veículos e equipamentos
eletroeletrônicos (anunciantes) injetam bilhões nas contas correntes dos
fazendeiros que derrubam a mata e tocam fogo no cerrado e na Amazônia.
Edição: Daniela Stefano
https://www.brasildefato.com.br/2019/08/27/europa-e-estados-unidos-financiam-o-desmatamento-no-brasil/
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