“Colocar um militar, no caso
Mourão, no poder, seria muito sério para o país, seria resvalar em algo
perigoso em termos democráticos. Seria os militares voltando ao poder. Um retrocesso
muito forte em relação a tudo o que foi construído nos últimos 30 anos”,
acredita a professora da Ufscar
por Eduardo
Maretti, da Rede Brasil Atual – Sociedade
e Luta Popular por Brasil Livre
Valter
Campanato/Agência Brasil
General Braga Netto (esq.),
“presidente operacional”, se transformou no novo alvo do “gabinete do ódio”
As
especulações das últimas semanas sobre eventual pedido de impeachment do
presidente Jair Bolsonaro, a respeito de sua renúncia, um “golpe branco” ou
outras saídas menos ortodoxas que pudessem afastá-lo do cargo parecem ter saído
de pauta. A crise iniciada no início da semana, desencadeada pela ameaça de
demissão do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, de sua pasta, por
destoar do presidente, foi momentaneamente contornada, mas permanece latente. A
solução passa pela função de “presidente operacional” que passou a ocupar o
general Walter Braga Netto, chefe da Casa Civil, diante da incapacidade política e gerencial de
Bolsonaro.
Mas a confusão é permanente.
Braga Netto passou a ser, entre terça e esta quarta-feira (8), o novo alvo do
chamado “gabinete do ódio”, comandado pelo vereador
carioca Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ).
O protagonismo do general
tem algumas interpretações. Os setores militares ligados ao governo teriam
tomado a decisão de dar um “cala a boca” em Bolsonaro, com seu caráter
incontrolável, incapaz de governar, errático e discordante de autoridades de todo o mundo
sobre a pandemia de coronavírus. Por isso, Bolsonaro teria virado uma espécie
de “rainha da Inglaterra”, que reina mas não governa.
Em outra hipótese, um
desdobramento da primeira, Bolsonaro teria ouvido um ultimato. Ou Mandetta fica
no ministério, ou os militares deixariam o governo. Nesse sentido, foi
significativa a fala do vice-presidente da República, Hamilton Mourão, ao
jornal O Estado de S. Paulo na segunda-feira (6).
Braga Netto, Golpe Branco
“Ele (Braga Netto)
não está enquadrando ninguém, mas apenas fazendo a verdadeira governança.
Assim, a Casa Civil passa a atuar como um verdadeiro centro de governo”,
afirmou. Ele acrescentou que o chefe da Casa Civil “está fazendo o que sabemos:
colocar ordem na casa, coordenando as ações ministeriais, de modo que haja
sinergia, cooperação e, como consequência, os esforços do governo sejam mais
eficazes”.
“Estamos falando de uma
conjuntura onde o Executivo está isolado, inclusive dos governadores, dos
demais poderes e de boa parte da população. Nesse quadro, se, por exemplo, as
Forças Armadas ameaçam deixar o governo, eles (os membros do grupo palaciano
e do clã Bolsonaro) tinham que voltar atrás”, diz a cientista política
Maria do Socorro Sousa Braga, da Universidade Federal de São Carlos, sobre o
recuo de Bolsonaro da intenção de demitir Mandetta.
O isolamento do presidente
brasileiro é nítido e não passa despercebido nos maiores centros políticos do
mundo. Em sua mais recente edição, a revista inglesa The Economist
publicou texto intitulado “Jair Bolsonaro se isola, no caminho errado”
(tradução livre). Segundo a revista, “apenas quatro governantes do mundo
continuam negando a ameaça à saúde pública representada pela covid-19”.
Militares e Efeitos colaterais
A publicação afirma que dois
desses líderes “são destroços da antiga União Soviética, os déspotas da
Bielorrússia e do Turquemenistão” e o terceiro é Daniel Ortega, da Nicarágua.
“O outro é o presidente eleito de uma grande democracia, ainda que maltratada.
O enfraquecimento por Jair Bolsonaro dos esforços de seu próprio governo para
conter o vírus pode marcar o início do fim de sua presidência.”
Maria do Socorro não
acredita que as Forças Armadas queiram assumir o governo. “Aliás, hoje, é
difícil saber quem quer assumir o país. A versão sobre golpe branco, ao meu
ver, não tem sentido. Faz mais sentido os segmentos que ainda apoiam o governo
estarem descontentes e tentarem nova estratégia.”
A professora avalia que, se
setores das Forças Armadas, da direita no Congresso Nacional e representantes
do MDB e do DEM no governo abandonassem o barco, o isolamento de Bolsonaro e de
seus aliados mais próximos seria, para eles, dramático. “Nesse caso, ficariam
mais isolados ainda. Teriam só as igrejas evangélicas e o setor ideológico,
cerca de 29% ou 30% da população.” Por isso, a estratégia seria não perder o
pouco que se tem de apoio.
Maria do Socorro lembra que
representantes da direita, como os governadores de São Paulo, João Doria
(PSDB), do Rio, Wilson Witzel (PSC), e de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), antigos
aliados do presidente, estão se “cacifando” politicamente no enfrentamento da
crise e do próprio Bolsonaro.
Nordeste fica livre
Já os governadores do Nordeste formaram uma aliança
para, eles próprios, enfrentarem a pandemia independentemente das políticas
discriminatórias e levianas do chefe do Executivo.
“Por que o MDB e o DEM não tiraram seus
representantes do governo? Era a hora de tirar, e aí o isolamento ficaria
realmente grande”, avalia a professora da Ufscar.
Bolsonaro tem aliados, para
ele, importantes dos partidos da direita tradicional. Casos dos ministros
Tereza Cristina (Agricultura, Pecuária e Abastecimento), Onyx Lorenzoni e
o próprio Luiz Henrique Mandetta, todos do DEM, e Osmar Terra, do MDB, ex-ministro
da Cidadania, que chegou a ser cotado a assumir a Saúde.
Já o sucesso de um processo
de impeachment talvez fosse natural, dada a insatisfação crescente com
Bolsonaro nos meios institucionais, não apenas de governadores e Congresso
Nacional, incluindo o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), mas também
de ministros do Supremo Tribunal Federal.
Bolsonaristas e “Políticas genocidas”
Em entrevista ao portal Uol nesta
quarta-feira (7/abril), o ministro Gilmar Mendes, por exemplo, usou tom duro ao
criticar a atuação do presidente da República durante a pandemia de
coronavírus, dizendo que “a Constituição não permite que o presidente adote
políticas genocidas, políticas que afetem de maneira crucial, global, a vida da
população”.
“Talvez se conseguisse até
facilmente desencadear um processo de impeachment – acredita Maria do Socorro
–, que é um ato politico. Pode ser que logo mais à frente se viabilize. Mas
hoje, dada a conjuntura de pandemia, parece quase impossível.”
Para ela, não há clima na
América Latina para que os militares tomem o poder como em décadas passadas,
“por mais que haja vários autoritarismos surgindo”. Em sua opinião, as Forças
Armadas, como um todo, não apoiam o governo, mas apenas uma parte delas,
principalmente membros da reserva. E também não interessa aos militares assumir
os riscos de governar o país envolto em tamanha crise – embora um fracasso de Bolsonaro possa afetar
diretamente a imagem dos militares. Daí o papel de Braga Netto de assumir o
“centro do governo”.
“Os 30 anos de estabilidade
democrática, desde a Constituição de 1988, ainda são elemento suficiente para
sustentar a democracia brasileira, por maiores que sejam os problemas que a
gente tenha com Bolsonaro, tentando cada vez mais ir aos limites das
instituições democráticas”, analisa.
Com caos social e na saúde,
os meios políticos hesitam em precipitar mudanças sem saber quem assumiria o
lugar de Bolsonaro. O cálculo talvez seja o de “deixá-lo sangrar e mostrar suas
incapacidades, incoerências e irresponsabilidades”.
“Colocar um militar, no caso
Mourão, no poder, seria muito sério para o país, seria resvalar em algo
perigoso em termos democráticos. Seria os militares voltando ao poder. Um retrocesso
muito forte em relação a tudo o que foi construído nos últimos 30 anos”,
acredita a professora da Ufscar.
https://www.redebrasilatual.com.br/politica/2020/04/cientista-politica-braga-netto-forcas-armadas-governo/
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