A
retomada da economia e do crescimento pós-pandemia é uma das principais
questões. O que não se discute é para quem, para onde e para que crescer
por redação Rede Brasil Atual –
Sociedade e a continuidade pós-covid 19
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foto reprodução
RBA
Os povos
indígenas correspondem a 5% da população mundial e garantem a preservação de
82% da biodiversidade viva. Isso graças à sua relação com a natureza
Nestes
mais de dois meses após a decretação de calamidade e a adoção do isolamento
social por governadores em todo o país para frear o contágio pelo novo
coronavírus, uma questão recorrente é sobre como será a retomada da economia
quando tudo voltar ao normal. Mas será que é para essa normalidade, marcada por
um modelo de desenvolvimento econômico predatório, baseado na destruição da
natureza e que causa desigualdade e injustiça social e tão escancarado durante
a pandemia, que a vida deve voltar?
O
economista Ricardo Abramovay, professor do Programa de Ciência Ambiental do
Instituto de Energia e Ambiente (IEE, d Universidade de São Paulo) e autor de Amazônia:
Por uma Economia do Conhecimento da Natureza, Ricardo Abramovay, defende
que não. “Temos de incorporar na nossa discussão pós pandemia não as formas
pelas quais o país vai crescer. Mas as perguntas centrais são: crescer pra
quem, pra onde e pra quê. Precisamos de uma luta por crescimento econômico
baseado em valores, como o valor da dignidade humana e dos seres vivos – um
conhecimento profundo dos povos tradicionais que os macroeconomistas deveriam
ouvir ao planejar o novo crescimento econômico”, disse em debate promovido em 21maio2020,
pela iniciativa Fé no Clima, do
Instituto de Estudos da Religião (ISER).
Não há
dúvidas de que precisamos de crescimento, segundo Abramovay. “Mas crescimento
de alimentos saudáveis, de saneamento básico, de educação de qualidade, de
dignidade, de direitos humanos, de interrupção do massacre das populações
negras que vivem nas comunidades. Claro que precisamos de riqueza. E não é qualquer
riqueza que nos interessa. Dizer que importante é que a economia cresça
independentemente do que ela produza poderia ser válido 50 anos atrás. Hoje em
dia isso é inadmissível. Crescer desmatando, exportando commodities não nos
interessa.”
Para o economista,
é um privilégio para o país ter suas populações indígenas e toda a sua cultura
espiritual e material que podem enriquecer “a nossa existência de uma forma que
dificilmente um celular vai poder fazer”.
Economia da floresta
E essa
cultura material de povos tradicionais a que se refere é algo que pode ser
estratégico ao desenvolvimento brasileiro – a economia da
floresta, conduzida pelas populações indígenas, e não
pelos que vivem da sua destruição.
“A
economia do conhecimento da natureza evidentemente passa por conhecimentos
tradicionais e pela junção entre esses conhecimentos tradicionais e
científicos, o que o ativismo que existe hoje na Amazônia vem fazendo em uma
escala muito interessante. Organizações como o Instituto Socioambiental e o
Imazon, entre outras, têm uma relação de fertilização recíproca com as
populações tradicionais e há empresas que estão querendo participar disso. Isso
abre um caminho de desenvolvimento para que o Brasil deixe a retaguarda da
inovação tecnológica do mundo contemporâneo e passe a ter um papel de destaque
pela economia da floresta.”
Abramovay
considera que as possibilidades oferecidas pela biodiversidade da floresta
equivalem a uma “Biblioteca de Alexandria” na qual o país está permitindo que
se ateie fogo. “Não podemos deixar que isso aconteça em nome dos povos que
vivem na floresta e também em nome dos interesses estratégicos do Brasil,
porque este é o caminho pelo qual o país vai poder se afirmar no mundo. E não
como exportador de produto de baixo valor, como carne e soja, mas como
exportador de conhecimento e informação dos povos tradicionais.”
‘O normal é que houvesse respeito entre todos’
A
“normalidade” também é questionada pela líder indígena Sônia Guajajara. Para
ela, normal seria que, em vez de invadir o Brasil como fizeram os portugueses,
com toda aquela violência, tivesse havido um encontro respeitoso, quase que uma
visita amistosa de nações amigas. Do mesmo modo, não teria havido a escravidão e todo aquele
período sangrento, cimentando o domínio da cultura europeia sobre a dos
brasileiros antes de Cabral e dos africanos.
“O normal
é que houvesse respeito entre todos. Então quando se fala de voltar à
normalidade, de qual está se falando? Dessa velha normalidade, onde a sabedoria
dos povos indígenas é desprezada porque não foi construída na academia? Mas é
difícil para o índio ensinar na universidade porque não tem teoria”, disse.
Para
Sonia, esse debate não pode estar dissociado da questão da empatia, que aflorou
em muitos setores durante a pandemia de covid-19, da concentração da terra nas
mãos de poucos latifundiários e o entendimento do verdadeiro sentido da terra.
Até
porque, na perspectiva dos indígenas, a pandemia reforçou a as desigualdades e
os problemas históricos, aumentou o desmatamento, as queimadas, as invasões de
terra, os garimpos ilegais, pentecostais querendo entrar em etnias que vivem
voluntariamente isoladas. Sem contar as epidemias virais, econômicas, vírus trazidos
propositalmente para contaminar esses povos – o que acontece com rapidez pelo
seu modo de viver comunitário e coletivo.
“Nós, indígenas, não somos vulneráveis. Estamos em
situação de vulnerabilidade pelo descumprimento da legislação, o que nos deixa
em situação de insegurança, principalmente territorial. A luta pela garantia
dos nossos territórios é primordial porque a partir delas é que fazemos as
outras disputas com o poder econômico e político. O território é sagrado”,
disse Sônia.
A liderança destacou ainda que o medo diante da
gravidade da covid-19 é um dos pontos que une todas as pessoas. E que é preciso
destacar outros para que seja possível construir um outro padrão de sociedade e
de normalidade. A luta pelo território é um desses pontos e não é difícil
entender as razões.
“O benefício chega para todos, não só para nós. É
por causa da nossa relação com a natureza que em nossos territórios estão as
nascentes dos cursos de água, a floresta em pé
responsável
pelo equilíbrio do clima. Os povos indígenas correspondem a 5% da população
mundial e garantem a preservação de 82% da biodiversidade viva. Sem terra
indígena dificilmente vai ter água na torneira.”
Publicado na RBA: 22/05/2020
https://www.redebrasilatual.com.br/economia/2020/05/qual-normalidade-o-brasil-depois-da-pandemia/
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