A
ocupação militar está se dando nos principais níveis de governo, e obedece à
mesma estratégia política iniciada na Lava Jato, estendida pelo governo Temer e
aprofundada por esse governo, de tratar as diferenças como guerra política
por Luis Nassif no site GGN – Sociedade e Fracasso dos
Direitos Civis Brasileiros
Vamos
descrever os movimentos dos novos caminhos que a administração bolsonarista,
sem conclusões sobre sua eficácia ou qual é o limite deste avanço contra os
direitos civis e sociedade popular organizada.
Jair
Bolsonaro manteve intocada a lógica do programa federal Ponte para o Futuro e
da guerra ideológica iniciada pela Lava Jato, quando o ex- juiz Moro ainda
estava a frente dessa operação judicial de desmonte do Estado, ataque
implacável contra aqueles que sonhavam como um país livre e independente, assim
como teve inicio a privatização selvagem garantida por alguns setores do
judiciário, legislativo e executivo.
Bolsonaro
foi a alternativa possível das elites publicas e privadas, para manutenção do
modelo iniciado em 2015, no segundo governo Dilma – com Joaquim Levy – e
aprofundado nos governos seguintes.
Mas os
fatos dos últimos meses mostram uma mudança ainda de consequências
imprevisíveis.
Governo federal se torna populista de direita e o fim
do Guedes ultra-capitalista
O novo estilo
governamental é filho da necessidade. Assim como as águas do rio que
seguem para o mar, as circunstâncias políticas acabam conduzindo para o
novo-velho desenho do populismo.
As
circunstâncias, no caso, foram a queda da popularidade do presidente com as
declarações estapafúrdias, a perda de controle da Câmara, a tentativa frustrada
de golpe contra o Supremo Tribunal Federal (STF) por alguns militares e civis
no governo federal, o desastre do combate ao Covid-19 e a perspectiva concreta
de, em vista de todos esses episódios, derrubar a blindagem permitida pelo
cargo, expondo os filhos do Jair Messias à prisão.
A boia de
salvação passou a ser exclusivamente os índices de aprovação do presidente.
Deles dependiam a blindagem em relação ao julgamento no Tribunal Superior
Eleitoral (TSE) contra a chapa Bolsonaro-Mourão, a capacidade de reorganizar a
base partidária no congresso, a reiteração do apoio de uma boa parte do tal de
mercado. E a melhoria veio com a ajuda-coronavirus de 600 reais que, se
dependesse de Paulo Guedes, não passaria de 200 reais.
Foi nesse
momento que a administração federal abandonou o estilo anterior, anti-povo,
anti-minorias, anti-pobre e se candidatou de forma “light” a novo pai dos
pobres. O presidente provocou surpresa, manifestando solidariedade a um
entregador negro agredido justamente por um tipo padrão do estilo bolsonarista
– o branco complexado valendo-se do racismo como forma de auto-afirmação.
Mais que
isso.
Paulo
Guedes começou a divulgar elogios à estratégia de gastos ao estilo “brasileiro”
– apesar da clamorosa incompetência de fazer o dinheiro chegar na ponta aos
pobres – e Bolsonaro incorporou este tipo de “bom presidente” com elogios em
seus discursos aos mais pobres. E, aí, o teco passa a conversar com o tico e,
Eureka!, o cérebro de Bolsonaro elabora um novo raciocínio: se aumentar os
gastos, em momentos de recessão profunda, passou a ser considerado
economicamente racional, qual a lógica do terrorismo de Guedes em relação aos
gastos do pró-Brasil anti-povo? Guedes morreu pela boca. Caiu a ficha de
Bolsonaro que aquela história de Guedes, de que “o mundo vai acabar se me
desobedecerem”, se descobrindo que era blefe.
Tentou-se
um primeiro movimento, de envolver Guedes com planos de ajuda e pró-Brasil. Mas
Guedes é dotado de raciocínio plano, raso, limitado. Se a ortodoxia ou os
banqueiros mandarem soltar o coelho do alçapão, ele solta. Mas não pense em
indagar dele o que fazer com o coelho mandado soltar pelos banqueiros, porque
ele só aprendeu a soltar o coelho.
Guedes
não conseguiu sair da música de uma nota só (batidão) de sempre. Para aumentar
alguma dotação social, nada de criar tributos sobre os mais ricos, mas só de
cortar outros programas sociais, tirando do pobre para entregar ao paupérrimo,
no dizer do presidente. Não conseguiu captar os desejos óbvios de Bolsonaro, de
conquistar as classes de menor renda.
E aí o
neo-velho populismo de direito conquistou o presidente, que chiou e o mando de
jogo passou a mudar gradativamente para o outro centro de influência do
Palácio, o general Braga Neto sob inspiração de Rogério Marinho, Ministro do
Desenvolvimento Regional.
O desenho
do novo presidente se fará, inicialmente, imitando de forma fajuta as
principais políticas do período petista – Minha Casa, Minha Vida e Bolsa
Família. E montando um mini-PAC de obras públicas, e de concessões, baseado no
PPI (Programa
de Parcerias para Investimento) de Dilma Rousseff. Aliás, se
não tivesse sido boicotada pelo Congresso com as pautas bombas, e atropelada
pelo impeachment da elite brasileira com a internacional, o governo Dilma Rousseff
já tinha pronto o PPI, um programa de concessões e privatizações devidamente
mapeado.
Essa
dinâmica, dos gastos socais e dos investimentos públicos, será irreversível,
ainda mais depois que os investimentos começarem a se refletir nos indicadores
econômicos e na popularidade do presidente.
A nova base política no Congresso
Aí se tem
um xadrez político para resolver: como aumentar os gastos e manter o apoio do
tal do mercado?
A
contrapartida ao aumento de gastos públicos, para atender aos templários da Lei
do Teto (aqueles que só querem o dinheiro público para o tal de mercado), se dará
em duas frentes: compromisso reiterado com desregulação da economia e
desmonte do Estado.
A Câmara
(Cezar Maia) já foi condicionada pela mídia, pelo mercado e pelos
patrocinadores, que sua missão maior é completar o desmonte do Estado e de toda
forma de regulação econômica e de fundo social. Por outro lado, impõe
resistências a cortes que afetem sua base eleitoral, pois vão se reeleger.
A
incapacidade de estabelecer relações de causalidade entre fim de fundos sociais,
dos gastos compulsórios, e os efeitos na ponta, facilita esse jogo dúbio: o
Congresso aprova todas as medidas que impactam o bem estar do cidadão,
principalmente o pobre e preserva as entregas diretas.
Essa
dubiedade garante o apoio do Congresso ao desmonte e reduz as resistências de
mercado e mídia ao presidente.
Agora, em
vez do mercado enquadrar Bolsonaro, o próximo passo será o mercado enquadrar
Paulo Guedes, que terá que abrir mão de poder sobre o patrimônio público e se
conformar com papel secundário no jogo.
Guedes
não é de ferro: é apenas um blefado e vencido que irá aceitar seu novo papel no
jogo.
A
distribuição de cargos e a nova relevância política das agências: com privatização, desregulação,
novas definições regulatórias, CADE, ANP (Agência Nacional de Petróleo), CVM
(Comissão de Valores Mobiliários), CARF (Conselho Administrativo de Recursos
Fiscais), ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) ganham enorme influência
política.
Certamente
serão novos pontos de barganha com o tal de mercado e o Congresso.
A guerra contra os “inimigos” públicos e privados
Enquanto
administra alianças provisórias com Congresso e mercado, o governo federal
avança em duas ocupações, uma militar, a outra paramilitar.
A
ocupação militar está se dando nos principais níveis de governo, e obedece à
mesma estratégia política iniciada na Lava Jato, estendida pelo governo Temer e
aprofundada por esse governo, de tratar as diferenças como guerra política.
Com
alguns tropeços, a implementação do modelo ultraliberal passou pelas seguintes
etapas:
1. A Lava
Jato – junto com o Supremo e o Judiciário – inaugura o direito penal do
inimigo. É essa visão bélica que explica a destruição das empreiteiras e a
blindagem às instituições financeiras envolvidas com a Petrobras; a tentativa
de destruição do PT e as ações retardadas contra o PSDB; a ofensiva contra a
Petrobras, a pretexto de defendê-la; a intervenção nas grandes empresas
brasileiras, ao entrega-las de mão beijada ao departamento de justiça americano.
2. Destruído
o sistema partidário, o governo Temer prossegue com as novas leis de destruição
do sindicalismo, uma das poucas pernas capazes de segurar um pouco os exageros
do movimento pendular do ultra-liberalismo. Ao mesmo tempo, desmonta modelos de
assistência social, fecha todas as formas de participação social e dá início ao
desmonte das estatais.
3. A
tomada do poder vai se completando com movimentos do STF (permitindo a venda de
subsidiárias de estatais sem passar pelo Congresso) e a captura total das
agências reguladoras, para conferir alguma institucionalidade ao assalto
perpetrado contra o Estado.
O acordo
firmado entre o CADE (órgão que regula as estatais) e a Petrobras, obrigando-a
a se desfazer de suas empresas de gás é um dos capítulos mais extravagantes
dessa queima de ativos e patrimônio público.
4. Na
área pública, há um movimento articulado dos principais veículos de
desqualificação do funcionário civil, ao mesmo tempo em que as Forças Armadas
são contempladas com aumento expressivo de verbas orçamentárias e utilizadas em
um movimento de ocupação da área pública dentro do governo federal.
5. A
ocupação final está se dando com a invasão de várias áreas centrais do Estado
por militares da reserva, atuando contra as associações de funcionários. Até
agora, há as seguintes ocupações explicitas:
·
- Militares da reservas nos Correios
- Militares da reserva na Saúde
- Militares na infra-estrutura
- Militares no IBAMA, na Funai, no INPE.
- Provavelmente a engenharia militar sendo contemplada com obras no próximo programa de investimentos.
Como a
nova fase do arbítrio exige o manto das formalidades democráticas, o Poder
Judiciário tem papel essencial nessa guerra de ataque do dinheiro público e
patrimônio federal.
A lista
dos anti-facistas no Ministério da Justiça é apenas uma extrapolação. Há listas e listas
circulando em grupos de WhatsApp articulando ações contra “dissidentes” ou
“inimigos” do Estado brasileiro.
O
Conselho Nacional do Ministério Público e o Conselho Nacional de Justiça têm
empreendido ofensiva feroz contra qualquer procurador ou juiz que saia da linha
ideológica do Judiciário, imposta pelo STF. São gritantes as diferenças entre
as punições aplicadas a manifestações de direita e de esquerda.
Há uma
tentativa permanente de criminalização dos movimentos sociais pelos tribunais
exclusivo do judiciário. E, no jornalismo digital, uma perseguição implacável
contra vozes tidas como progressistas.
No campo
paramilitar, prossegue de forma acelerada a compra de armamentos e os sinais
nítidos, da parte da família do presidente, de contar com milícias armadas em
sua defesa.
O desfecho do jogo
E aí
entra-se em um terreno nebuloso. O impacto da Covid-19, a exposição das mazelas
sociais, deveriam ser suficientes para espanar da vida nacional a compulsão de
morte do presidente, impechment pelo Congresso ou STF, via TSE.
As intenções
ditatoriais do presidente estão nítidas para todos. Mas há uma inércia
institucionalizada, de quem não quer colocar a mão no fogo, ou dos que
pretendem colher alguns frutos dessa aliança provisória com o arbítrio e o
desmanche da Constituição de 1988.
Consolidada
o novo modelo ultra-liberal da administração pública federal, dentro de algum
tempo o presidente começará a colher os frutos de uma melhora relativa da
economia e da renda universal. E, aí, não haverá Alexandre de Morais ou Celso
de Mello, Congresso ou qualquer um do STF que resolvam.
Motivos
não faltam para a cassação da chapa pelo Tribunal Superior Eleitoral.
Deixando
passar essa oportunidade, será inevitável a caminhada dos militares e o
presidente para o poder absoluto. E para volta da tortura e dos crimes
políticos.
Publicação
no GGN: 27/8/2020
Fonte: https://jornalggn.com.br/xadrez-2/xadrez-do-novo-bolsonaro-na-antevespera-da-grande-noite-por-luis-nassif/
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