A corrida
pela vacina no Brasil e o tempo da ciência moderna junto com grandes laboratórios
Como o Brasil tem tentado
conseguir uma vacina e qual o papel da mídia e rede sociais em meio a crise
por Rúbia Praxedes no Brasil de Fato – Sociedade e Luta
pela Sobrevivência na Face da Terra
"Não
se trata de pessimismo ou otimismo e sim de respeitar o tempo que a ciência
precisa spara encontrar respostas" - Crédito da foto: Reprodução Brasil de Fato
A crise
sanitária mundial provocada pela pandemia de covid-19 impõe um grande desafio a
ciência ao mesmo tempo que escancara como ela deve ser uma prioridade. Só no
Brasil, são mais de 3,6 milhões de casos de covid-19 e mais de 114 mil pessoas
mortas, segundo dados oficiais.
Apesar da
crescente desmobilização do isolamento social, retorno gradativo do comércio e
discussão do retorno de aulas presenciais, o problema parece estar longe do
fim. O diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), o biólogo
Tedros Adhanom, anunciou no sábado (22) que a pandemia deve durar ainda
pelo menos dois anos.
“Jair Bolsonaro tem negligenciado
a pandemia em todas as dimensões”
Por outro
lado, a imprensa apresenta semanalmente uma nova esperança com cada passo dado
no desenvolvimento de vacinas, que tem recebido os principais esforços de
cientistas, instituições e governos.
A corrida
pela vacina envolve pesquisas do mundo inteiro, o que tem acelerado muitos
processos que em condições normais são muito mais lentos. Apesar disso, o tempo
segue sendo um fator limitante por algumas razões. A primeira é o tempo que o
nosso organismo demora para reagir, o que faz cada etapa de testes levar alguns
meses para ser concluída.
Outro
fator que faz a ciência correr contra o tempo é o próprio processo de
desenvolvimento de uma vacina. Este processo começa com estudos em laboratório
utilizando células cultivadas e cobaias para avaliar se um composto tem ou não
efeito sobre o vírus. Depois disso começam as etapas de teste em voluntários,
os chamados testes clínicos.
Na
primeira fase são feitos testes de segurança, com um grupo restrito de
voluntários. Nessa etapa os cientistas testam se a vacina é segura para o nosso
corpo. A segunda etapa são feitos testes de eficácia e efeitos
colaterias, com um grupo de voluntários maior, que permite que os pesquisadores
observem esses efeitos em diferentes grupos por idade e fatores de risco, por
exemplo.
A fase
três testa a eficácia, a efetividade e segurança da vacina com um grupo ainda
maior de pessoas. Ainda depois que uma vacina passa por todo esse processo é
preciso produzir quantidade suficiente para uma cobertura vacinal satisfatória,
e seus efeitos e resultados seguem sendo monitorados pelos pesquisadores.
Na
ciência todo esse processo é conduzido com responsabilidade a partir de
tentativas, erros, hipóteses, ajustes, fracassos e finalmente acertos.
A cada
novo resultado positivo anunciado nossa esperança de sucesso aumenta, o que é
natural e coerente. No entanto, o tempo da ciência é bastante diferente do
tempo da notícia. Cada fase avançada é um passo dado e tem valor importante
para a comunidade científica, mas ainda não temos respostas seguras até que
todos os passos sejam dados e infelizmente não sabemos ainda sequer quantos
passos precisamos para chegar ao sucesso.
Não se
trata de pessimismo ou otimismo e sim de respeitar o tempo que a ciência
precisa para encontrar respostas. Não vai existir um só estudo cujo resultado
seja a vacina, isso é feito em conjunto por pesquisadores que estudam
arduamente cada detalhe da estrutura do vírus, de como ele infecta o nosso
corpo e de como podemos agir. A ciência é coletiva, complexa e responsável com
cada etapa do processo.
Noticiários
dão a entender que a vacina tem data para sair, o que não é possível mensurar
cientificamente
Em
situações de emergência, como é o caso da pandemia, a imprensa tem o papel
fundamental de informar as pessoas de forma segura. Os noticiários estão
repletos de notícias que dão a entender que a vacina tem data para sair, o que
não é possível mensurar cientificamente. É possível prever quando teremos
resultados, mas não se serão positivos.
Discursos
de chefes de estado e autoridades de saúde não podem contaminar a informação
que chega às pessoas. Muitos de nós precisam com urgência retomar o trabalho
para nossa própria sobrevivência, todos nós queremos voltar a abraçar nossos
familiares, encontrar nossos amigos, ocupar as ruas e curtir o carnaval em
fevereiro.
Por isso,
a tendência é que a gente se envolva a qualquer possibilidade de retomada, e
datas determinadas por previsões de resultados e discursos provocam impacto
sobre as expectativas e aumentam o risco de desmobilização com as medidas
realmente eficazes.
Vacinas em Teste Global
Algumas
vacinas já estão na terceira fase, os testes de eficácia, efetividade e
segurança. Uma delas é desenvolvida no Reino Unido, conhecida como a vacina de
Oxford, e tem apresentado resultados promissores até aqui.
Graças a
Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), um dos principais institutos de pesquisa em
saúde do país, o Brasil se tornou o primeiro país além do Reino Unido a
produzir a vacina de Oxford e tem colaborado nos testes clínicos. Antes mesmo
dos resultados finais a Fiocruz tem alinhado junto a Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (ANVISA) detalhes da dsitribuição da vacina, a fim de
garantir que ela aconteça de forma gratuita pelo Programa Nacional de
Vacinação.
O
Instituto Butantan, outro importante órgão público de pesquisa em saúde no
Brasil, tem produzido a vacina Coronavac, em parceria com a farmacêutica
chinesa Sinovac. Esta vacina também já avançou para a terceira fase e já vem
sendo testada no Brasil. A china tem mais duas vacinas nesta fase de testes em
Wuhan e Pequim.
A Rússia
registrou no início de agosto sua primeira vacina, a Sputnik V. A estratégia da
vacina russa é bastante conhecida e validada pela ciência e consiste
basicamente em usar outros vírus (adenovírus humanos) para carregar uma parte
do material genético do coronavírus que seja suficiente para o nosso sistema
imune desenvolver uma resposta.
É
possível prever quando teremos resultados, mas não se serão positivos
No
entanto os testes realizados para a Sputnik V não foram publicados em revistas
científicas ou divulgados com transparência, o que se tem até o momento são
anúncios e promessas de Putin e autoridades de saúde russas.
O
Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar), empresa pública vinculada à
Secretaria da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Governo do Paraná,
assinou um memorando de entendimento junto a Rússia para a adquirir e produzir
a vacina no Brasil. O objetivo é realizar a fase três de testes no estado, no
entanto, o Tecpar condicionou o acordo ao acesso aos dados sobre testes de
eficiência e imunização.
Em Cuba,
o presidente Miguel Díaz-Canel defende o desenvolvimento de uma vacina no país
ainda que outras estejam sendo desenvolvidas pelo mundo, o que garante sua
soberania. As pesquisas de quatro vacinas têm avançado em Cuba, sendo a mais
promissora a chamada Soberana 1, mas nenhuma delas chegou ainda a fase três.
No
Brasil, o que vemos até aqui é o esforço de órgãos públicos envolvidos em
pesquisas de saúde para firmar parcerias e acordos com instituições
internacionais que tenham obtido resultados promissores. Esse ponto reforça a
ausência de ações do governo federal em buscar alternativas para combate a
covid-19.
Para além
de vacinas, o presidente Jair Bolsonaro tem negligenciado a pandemia em todas
as dimensões, desde a transparência de dados oficiais sobre contágio e mortes,
o direcionamento de medidas de isolamento e redução de contágio, que desde o
começo da pandemia está a cargo de estados e municípios, até as medidas de
assistência financeira e sanitária à população mais vulnerável.
Sem um
plano nacional consistente de combate ao coronavírus, o que tem ajudado o povo
a sobreviver é a solidariedade
Cabe
lembrar que o auxílio emergencial de R$600,00 foi conquistado com luta e
mobilização popular e pressão do poder legislativo federal, que resistiu a
proposta de Guedes e Bolsonaro de pagar R$200,00, valor correspondente a menos
de um quinto do salário mínimo. Desde de 15 de maio, o país não tem sequer um
ministro da saúde. O general do exército, Eduardo Pazuello assumiu
interinamente o comando do ministério, sem nenhum conhecimento técnico para
tal.
Sem o
desenvolvimento de um plano nacional consistente de combate ao coronavírus, o
que tem ajudado o povo o brasileiro a sobreviver é a solidariedade. Abandonado
pelo poder público, sobretudo em instância federal, os brasileiros tem contado
principalmente com as organizações populares e movimentos sociais que atuam na
distribuição de cestas básicas e produtos de higiene.
O esforço
das instituições públicas de pesquisa, uma nova forma de comunicar e entender a
ciência e a organização popular solidária do povo brasileiro são os pilares
para o Brasil vencer a covid-19.
Publicação Brasil de Fato: 28 de Agosto de 2020
Edição: Elis Almeida
*Rúbia
Praxedes é pós-graduanda em comunicação pública da ciência pela UFMG,
bióloga, mestre em Biologia de Vertebrados pela PUC Minas e militante da
Consulta Popular.
Fonte: https://www.brasildefatomg.com.br/2020/08/28/artigo-a-corrida-pela-vacina-no-brasil-e-o-tempo-da-ciencia
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