A propósito das comunicações falsas
que a imprensa vem fazendo contra o Movimento dos Sem Terra, devido a
ocorrência de ocupações legitimas e necessárias, foi compartilhado o
artigo da jurista e professora da UFRJ, Carol Proner Ocupação não é invasão por Carol
Proner no MST on-line – Sociedade
e Comunicações Fake New’s na Imprensa
Introdução Para tratar de tema tão difícil e sensível à
sociedade, e em homenagem às crianças que vivem em acampamentos e
assentamentos por todo o país e que com as famílias de agricultores, buscam em
conjunto a terra e por condições dignas de vida e de trabalho (sustento
familiar), em homenagem às mulheres do campo e o direito a semear, plantar,
colher e produzir, em homenagem aos homens pequenos agricultores do Brasil e
sua força de trabalho em prol de uma sociedade livre da miséria e da fome e
em direção à agroecologia ou o plantio com respeito a natureza, façamos um
trato contra a ignorância e a estupidez nas formas arcaicas de comunicação
social e digital quanto ao direito à terra e o plantio de alimentos saudáveis. Ocupação
não é o mesmo que invasão. A Constituição Federal Brasileira de 1988
define o conceito de uso social da terra e os critérios para que seja legítimo,
que não destrua o meio ambiente, que não se faça por meio de trabalho escravo
ou parecido e que a terra seja produtiva ou ocupada para o bem coletivo. A
ocupação de terras tem sido historicamente a forma pela qual os movimentos de
agricultores rurais familiares chamam a atenção para este compromisso de
direitos fundamentais e da necessidade, de que a propriedade venha
acompanhada de uma função social que beneficie a todos. Confundir os dois
conceitos propositalmente é uma forma de negar as ações de distribuição da
terra e os legítimos direitos, assim reconhecidos pela Declaração da ONU sobre
Direitos dos Agricultores Familiares. A ocupação pode
ser uma forma legítima de ter-se argumentos de negociação e chamar atenção
para o descaso com a “reforma agrária” para a agricultura
familiar. As ocupações que aconteceram no sul da Bahia no início de 2023 em
terras da Suzano, maior empresa de celulose do mundo, trouxe ao conhecimento
da sociedade um acordo descumprido desde 2011 entre a empresa e o Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), termo mediado pelo INCRA (governo
federal) e que afeta direitos de 750 famílias que aguardam há 12 anos, pela liberação
das terras. Mostrar a realidade que acontece para o caso específico e também
para a ativação das instituições de regulamentação fundiária é parte do papel
das ocupações na “reforma agrária” brasileira. Ocupação
de terras no Sul da Bahia As “ocupações” podem ser uma forma legítima de
rediscutir o sentido social da terra. Também o caso da Suzano, já em processo
de re-negociação, revela aspectos da produtividade da monocultura que devem
ser objeto de revisão pela sociedade brasileira e pelos órgãos de controle e
financiamento público. É o caso da monocultura do eucalipto, cultivo
incrementado com o uso de agrotóxicos (venenos) aplicados inclusive por meio
da pulverização aérea (avião), o que gera efeitos indiscriminados de
envenenamento da floresta e águas. Eis
a razão pela quais florestas de eucalipto são chamadas de desertos verdes? Essa foi uma expressão que surgiu no diálogo a
respeito da legitimidade das ocupações. Para que o eucalipto prospere, a mata
nativa precisa sair do lugar ou ser derruba, acarretando produção de uma só
cultura utilizada para desenvolver a indústria moveleira e de celulose. Só a
empresa Suzano cultiva 3 milhões de hectares de eucalipto, o que forçosamente
acarreta brusca redução da bio-diversidade no território do sul da Bahia. Ao
mesmo tempo, a cadeia de fauna e flora fica reduzida a uma única espécie exótica,
uma vez que o eucalipto não é arvore nativa brasileira e, para agravar o
problema específico do agronegócio associado à indústria de celulose, tanto a
forma de cultivo como as substâncias utilizadas para intensificar a produção
desgastam o solo e comprometem a recuperação de futuras florestas nativas.
Existem soluções para aplacar efeitos nocivos aplicadas por povos
tradicionais, saídas da ciência e da tecnologia, mas diante dos efeitos
devastadores e da imposição rigida do agronegócio como única saída econômica,
as ocupações de luta pela terra cumprem o papel de exclarecer e despertar a
reflexão da sociedade, a respeito dos meios e métodos produtivos
predominantes, incentivados (por renuncias fiscais ou financiamento de
governos estaduais e federal) diante da realidade de 33 milhões de pessoas
que passam fome no Brasil. Em meio ao debate na imprensa, universidades e
outros nichos humanos, cresce o entendimento do que seja “reforma agrária agroecológica”,
ou sem o uso de venenos (agrotóxicos). Os movimentos pela terra, o MST em
particular, têm defendido que a luta histórica pela “reforma agrária” seja
substituída pela “reforma agrária agroecológica”, compreendida nas dimensões
da produção do alimento saudável e sustentável para toda a sociedade brasileira,
isso em contraposição ao agronegócio. O debate inclui, além do acesso à terra
como um direito humano, também a produção de alimentos saudáveis e livres de
agrotóxicos (venenos), a defesa das formas de vida e trabalho no campo tanto
do ser humano, quanto dos animais e vegetais, o papel da mulher camponesa, a
forma de organização em cooperativas da agroecologia, a riqueza da
(bio)diversidade alimentar (variedades), a soberania alimentar, o combate à
fome e tantos outros conceitos e efeitos de um diálogo responsável,
consequente e principalmente humano. O que esperar do temido “abril vermelho”?
É notável a desinformação provocada por vários
setores da imprensa e meios especializados, que repercutem intolerância e
preconceito contra agricultores familiares e sua sobrevivência. Mesmo
involuntariamente, principalmente nas redes digitais, a desinformação
estimula promessas de violência, atos potencialmente criminosos cogitados por
fazendeiros com armas, uso de armas de fogo por milícias contratadas
ilegalmente contra agricultores familiares. No histórico mês de mobilização pela “reforma agrária”,
conhecido como “abril vermelho”, em memória do Massacre de Eldorado dos Carajás,
o Movimento dos Sem Terra atualiza as pautas de luta em 2023: repúdio aos
agrotóxicos (venenos), fim do desmatamento, oposição à aprovação do novo “código
florestal” em trâmite na Câmara dos Deputados e reconstituição dos canais
estatais (Incra e outros) para finalmente, viabilizar o assentamento de mais
de 100 mil famílias que aguardam pelo acesso à terra no Brasil. Conhecer o contexto dos enfrentamentos e das
ocupações é condição elementar de respeito à busca dos trabalhadores rurais
do país por áreas de plantio, além de ser um dever legal e uma oportunidade
de estimular a produção de alimentos saudáveis como alternativa ao
envenenamento cotidiano ao qual estamos submetidos em nosso país. *Carol
Proner é doutora em direito, jurista e professora da
UFRJ, membra da ABJD e do Grupo Prerrogativas. Edição: Blog do Cachoeira Publicado
no MST: 27 de março de 2023 **SGeral MST: sgeral1@mst.org.br Fonte:
https://mst.org.br/ |
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